Acórdão nº 1814/20.0T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelELISABETE COELHO DE MOURA ALVES
Data da Resolução19 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório AA, residente no lugar de Porta, nº. 118, ..., intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra COMPANHIA DE SEGUROS “F... COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede no Largo ..., ..., pedindo a condenação desta a pagar-lhe: a) a indemnização global líquida de 161.920,00 €, acrescida de juros de ora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação, até efectivo pagamento; b) a indemnização ilíquida que, por força dos factos alegados nos artigos 255º. a 277º da p.i., vier a ser fixada em decisão ulterior (artigo 564º., nº. 2, do Código Civil) ou vier a ser liquidada em Incidente de Liquidação (artigos 358º. e seguintes, do Código de Processo Civil).

Para tanto, alegou, em suma, que no dia 14/11/2017, quando conduzia o seu motociclo de matrícula ..-CZ-.., foi interveniente num acidente de viação, causado por culpa exclusiva do veículo seguro na ré (pesado de mercadorias com a matricula ..-QL-..), sendo que em consequência do mesmo sofreu os danos patrimoniais e não patrimoniais que vem peticionar na presente acção.

A ré ofereceu articulado de contestação no qual refutou a responsabilidade do condutor do veículo seu segurado pela ocorrência do acidente de viação descrito nos autos e impugnou os danos invocados pelo autor.

*Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença, que julgando a acção parcialmente procedente condenou a ré SEGUROS “F... COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a pagar ao Autor a quantia total de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros), assim distribuída: - a quantia de €18.000,00 (dezoito mil euros), a título de indemnização pela perda da capacidade de ganho e consequentes danos futuros, acrescida de juros legais, à taxa de 4%, contados desde a data da prolação da sentença até efectivo e integral pagamento; - a quantia de €17.000,00 (dezassete mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros legais, à taxa de 4%, contados desde a data da prolação da sentença até efectivo e integral pagamento; - a quantia cuja fixação se remete para decisão ulterior, nos termos do disposto no artigo 564º, nº 2, do Código Civil, e que corresponder às despesas que o Autor comprovar que teve, até ao fim da vida, com: intervenção cirúrgica, para remoção/extracção do material metálico; despesas com medicação analgésica e com produtos de apoio (palmilha para compensação da dismetria, a qual deverá ser substituída mediante desgaste).

No mais foi absolvida a ré.

*Inconformado com a decisão dela recorreu o autor, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões (que se transcrevem): «I - DA INDEMNIZACÃO ARBITRADA PARA RESSARCIMENTO DO DANO FUTURO: 1ª - A indemnização de € 18.000,00 (dezoito mil euros) arbitrada pelo tribunal a quo para ressarcimento do dano futuro sofrido pelo Recorrente em consequência do sinistro é manifestamente reduzida e insuficiente face aos factos que resultaram provados.

  1. - Tendo em conta a factualidade que resultou provada e que consta dos pontos 122,124, 125,126,127,128,129,130,1341,132,133,134,135,137,138,139, 140, 144, 145, 146, 147, 148, 149, ISO, 151, 152, 153, 154, 155, 156, 157, 158, 159 e 160 dos Factos provados, o Recorrente não poderá deixar de ser indemnizado pela afectação da sua capacidade produtiva, na razão directa do valor económico que o seu trabalho tem, sob pena de violar, não apenas o disposto no arte. 483º e art. 562° do Cód. Civil, mas também o disposto no ano. 13°, nº 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, pois tal constituiria uma gritante violação do principio da igualdade em razão da condição social e situação económica daquela.

  2. - Nessa medida, o cálculo dessa indemnização deve compreender não apenas o prejuízo causado como ainda os benefícios que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, devendo atender-se aos danos futuros (anil. 5641l, nllI e 2 do Cód. Civil).

  3. - Uma vez que a reconstituição natural não é possível, essa indemnização deverá ser fixada em dinheiro(ano. 566°, nº 1 do Cód, Civil), devendo ter como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos, fixando-se a mesma equitativamente quando não puder apurar-se exactamente o valor desses danos (anil. 566º, nº 2 e 3 do Cód. Civil).

  4. - No caso sub-judice o valor económico do trabalho do Recorrente resultou avaliado em € 5,00 por cada hora de trabalho.

  5. - Assim, tendo em conta que a realização das tarefas agrícolas e pecuárias que foram dadas como provadas tem sempre uma duração não inferior a 8 horas diárias, o trabalho desenvolvido pelo Recorrente como trabalhador agrícola tinha um valor económico mensal de [(8 horas x 30 dias) x € 5,00] € 1.200,00 (mil e duzentos euros).

  6. - Sendo assim, e tendo com conta que o Défice Funcional para a Integridade Física e Psíquica de 12 pontos de que o mesmo ficou a padecer para desempenhar as actividades profissionais, e que, à data do sinistro, tinha 42 anos e que a consolidação médica das lesões ocorreu em 30 de Agosto de 2019, impunha-se que lhe tivesse sido fixadauma indemnização pela défice funcional permanente de que ficou afectada não inferior a € 50000,00 (cinquenta mil euros).

  7. - Ao decidir de forma diversa o tribunal "a quo" fez errada interpretação e aplicação do disposto nos art°.s 483°, artº. 562°, artº, 564°, nº I e 2, artº, 566°, nº 1, artº 566°, nº 2 e 3 do Cód. Civil e artº. 13Q, nº I e 2 da Constituição da República Portuguesa.

  8. - Pelo que deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que condene a Recorrida a pagar ao Recorrente uma indemnização não inferior a € 50000,00 (cinquenta mil euros) para ressarcimento do défice funcional permanente de que ficou afectado.

    II - DA INDEMNIZAÇÃO ARBITRADA PARA RESSARCIMENTO DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS: 11ª - A indemnização de € 17.000,00 (dezassete mil euros) arbitrada pela tribunal a quo para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pelo Recorrente em consequência do sinistro. é manifestamente insuficiente tendo em conta a gravidade e extensão dos danos sofridos pelo Recorrente em consequência do sinistro que resultaram provados, designadamente as lesões sofridas, os tratamentos e cirurgias efectuados, o longo período de incapacidade absoluta de que o mesmo se viu afectado, as sequelas graves e o défice funcional para a integridade físico-psíquica de que ficou a padecer, bem como o quantum doloris que padeceu.

  9. - Tendo em conta a factualidade constante dos pontos 86º, 87º, 88º, 89º, 90º, 91º, 92º, 93º, 94º, 95º, 96º, 97º, 98º, 99º, 100º, 101º, 102º, 103º, 104º, 105º, 106º, 107º, 108º, 109º, 110º, 111º, 112º, 113º, 114º, 115º, 116°, 117º, 118°, 119°, 120º, 121°, 122°, 123º, 124º, 125°, 126º, 12?, 128°, 129°, 130º, 136°,137'2, 138°, 139°, 140º, 141°, 142, 143, 144°, 145°, 146°, 147º, 148°, 149º, 150°, 151°, 152°, 153°, 154°, 155º, 156°, 157°, 158º, 159°, 160°, 164° e 165° dos Factos provados da sentença recorrida, entende-se como justo e equitativa para ressarcir os mesmos uma quantia não inferior a € 40.000,00 (quarenta mil euros).

    13a - Ao decidir de forma diversa, o tribunal "a quo" fez errada interpretação e aplicação do direito, designadamente dos artº.s 494°, 496°, 562°, 564°, nº 2 do Cód. Civil.

  10. - Pelo que deve ser revogada a sentença e, em sua substituição proferido douto acórdão que condene a Recorrida a pagar ao Recorrente uma indemnização por danos não patrimoniais não inferior a € 40. 000,00 (quarenta mil euros).

    Termos em que deve ser revogada a sentença recorrida e, em sua substituição, ser proferido douto acórdão em conformidade com as conclusões supra-formuladas.» *A ré apresentou contra-alegações, nas quais, em súmula, pugnou pela manutenção do decidido quanto às indemnizações arbitradas e improcedência da apelação.

    *O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    *II. Objecto do recurso As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objecto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou relativas à qualificação jurídica dos factos, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b) e 5º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil (C.P.C.).

    Face às conclusões da motivação do recurso, a única questão a apreciar é o da adequação do valor fixado na sentença a título de indemnização pela “perda da capacidade de ganho e consequentes danos futuros” e a título de indemnização pelos danos não patrimoniais.

    *III – Fundamentação fáctica.

    1. A factualidade consignada na decisão da 1ª instância é a seguinte: Factos provados: 1.

      O Autor era, à data de 14 de Novembro de 2017, dono e legítimo proprietário do motociclo de matrícula ..-CZ-...

      1. No dia 14 de Novembro de 2017, pelas 11,43 horas, ocorreu um acidente de trânsito, na Estrada Municipal nº. ...66-1, no lugar de ..., freguesia ..., concelho ....

      2. Nesse acidente, foram intervenientes os seguintes veículos: 1º. – o motociclo de matrícula ..-CZ-..; 2º. – o veículo automóvel pesado de mercadorias de matrícula ..-QL-...

      3. Na altura da ocorrência do acidente de trânsito o motociclo de matrícula ..-CZ-.. era conduzido pelo autor.

      4. O veículo automóvel pesado de mercadorias de matrícula ..-QL-.. era propriedade da sociedade “S..., LDA”, com sede na Zona Industrial ..., Edifício ... e Vale, ... ....

      5. E, na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, era conduzido por BB, residente na Rua ..., ..., ... ..., ....

      6. O BB era empregado da sociedade “S..., LDA”.

      7. Desempenhava, para a referida sociedade “S..., LDA” a profissão de motorista.

      8. E na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, o dito BB...

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