Acórdão nº 3727/20.7T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelLÍGIA VENADE
Data da Resolução19 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I RELATÓRIO (seguindo em parte o elaborado em 1ª instância).

AA, residente na Rua ..., ... (...), ... ..., intentou a presente Ação de Anulação de Deliberações Sociais contra E..., Lda., sediada na Rua ..., ... (...), ... ..., pedindo que seja declarada a invalidade das deliberações adotadas na Assembleia Geral (AG), realizada em 15/06/2020, com todas as legais consequências daí decorrentes.

Alega que: foi impedido de se acompanhar por mandatário; o sócio gerente e presidente da AG negou-se a prestar informações sobre os pontos da ordem de trabalhos; solicitou a inclusão de novos pontos, o que lhe foi negado; foi abusiva e ilegal a decisão de não distribuição de dividendos.

Invocou ainda a falsidade da ata.

*Citada a R. apresentou contestação, alegando as exceções de caducidade do direito de ação e de ineptidão da petição inicial, pugnando pela improcedência do pedido.

*Cumprindo o contraditório, o A. pronunciou-se sobre as exceções.

*Foi dispensada a realização de audiência prévia.

Foi fixado o valor de € 30.000,01 à ação.

Foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as exceções de caducidade do direito de ação e de ineptidão da petição inicial.

Foi enunciado o objeto do processo (Consiste em analisar a eventual nulidade ou anulabilidade de todas as deliberações adotadas na Assembleia Geral da sociedade R., E..., Lda., realizada em 15/06/2020) e elaborados os temas da prova (Da falta de prestação de informações ao A. relativamente aos pontos da ordem de trabalhos).

*Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, e, em consequência, declarou a anulabilidade das deliberações sociais da sessão da assembleia geral da Ré realizada no dia 15 de junho de 2020 quanto aos Pontos Um e Dois da Ordem de Trabalhos. Mais imputou as custas à Ré, e determinou o registo, notificação e comunicação da decisão à Conservatória do Registo Comercial.

*Inconformada, a Ré (R.) apresentou recurso com alegações que terminam com as seguintes -CONCLUSÕES-(que se reproduzem) “I 1.ª O Autor/Recorrido requereu a declaração de anulabilidade das deliberações da reunião de 05-06-2019 da assembleia geral da Recorrente, na qual, com o seu voto contra, foram aprovados o relatório de gestão e as contas do exercício do ano de 2019, apresentados pela gerência, bem como a proposta de aplicação dos resultados desse exercício. No essencial, o Autor fundou os pedidos formulados no facto de não lhe ter sido entregue o balancete analítico com referência a 31-12-2019, e de não lhe ter sido permitido que um perito analisasse as contas nas instalações da sociedade.

  1. Decorre dos articulados – e isso ninguém pôs em causa – que, mais que patenteação das contas, durante o período previsto na lei – foi entregue ao Recorrido o Relatório da Gestão, apresentado pela gerência, bem como cópias dos instrumentos de prestação de contas: Balanço; Demonstração de resultados (rendimentos e custos); Movimentos do activo fixo tangível e intangível; Movimentos de capitais próprios; Inventários; Indicação das Subcontas de fornecimentos de serviços externos e de todas as subcontas da classe 6 (Gastos), com especificações dos diversos tipos de despesas e seus montantes. Foram ainda juntos os Mapas com asa demonstrações financeiras do exercício previstas na Portaria n.º 986/2009, de 7.9, nos seus 9 anexos.

  2. Ao Recorrido foi entregue toda a documentação da prestação de contas que permite a qualquer especialista em análise económica e financeira avaliar a situação económico-financeira de uma empresa, bem como o seu desempenho durante o exercício a que as contas se reportam e a regularidade ou irregularidade dessas contas, não tendo qualquer interesse para o efeito o balancete analítico, sendo por isso que a Administração Fiscal não o exige, nem os bancos Financiadores.

  3. O balancete analítico, com referência ao último dia de um dado exercício, é um instrumento de interesse na gestão da empresa, como são os balancetes periódicos, para avaliação de fornecedores e clientes, mormente quanto a estes, na determinação do seu peso na determinação dos proveitos anuais e no modo como cumprem as suas obrigações. O balancete é um instrumento em que a concorrência tem interesse em conhecer, e que a gerência não pode divulgar, nem a sócios, sob pena de devassar a sua vida económico-financeira, e o seu valor no mercado em que opera.

    II 5.ª Considerando-se os juizos formulados nas precedentes conclusões, os factos alegados nos artigos 33 a 61 da contestação tendiam a demonstrar que a entrega do balancete pretendido ao Autor não servia qualquer seu justo interesse, porque desnecessário para avaliar a situação da empresa e a sua gestão no ano de 2019, enquanto a entrega desse documento expunha a empresa à devassa da sua vida e desempenho económico e financeiro. E, sobretudo, perante a concorrência, permitia a identificação da sua clientela, e o valor de cada um desses clientes, enquanto essa matéria evidenciava, a obsessão do Autor por esse documento, sem nunca indicar qualquer falha ou vício das contas expostas em dezenas de páginas.

  4. O alegado através de tais proposições, em provando-se, mostra as intenções ilícitas que animam o Autor, e o perigo que a divulgação desse balancete constituía para a estabilidade da sociedade.

    Dessa omissão de pronúncia sobre tais matérias resulta assim directamente a nulidade prevista no art.º 615.º, 1, d) do C.P.C., com relevância no disposto nos art.ºs 762.º, 2 e 334.º do C.C e 542.º do C.P.C.

    Por isso o julgamento deverá ser anulado e repetido para ser produzida prova sobre essa matéria.

    Sem prescindir: III 7.ª O Tribunal julgou indevidamente provado que “Desde a constituição da sociedade até ao passado dia 19/08/2019, a qualidade de gerentes pertenceu ao autor e ao sócio BB”.

    Tal facto prova-se por certidão da conservatória do registo comercial. A que foi junta aos autos não evidencia quem eram os sócios e gerentes desde a fundação da sociedade, desde 1995 até ao termo do ano de 1999 (período em que havia outro gerente, com direitos especiais).

  5. Os factos alegados nos artigos 33 a 61 contraditam o alegado no artigo 3 da petição, pelo que esse facto deve ser eliminado, por força do disposto no art.º 364.º, 1 do C. Civil e do disposto no art.º 662.º, 1 do C.P.C.

  6. No artigo 18 da fundamentação de facto o Tribunal julgou provado que “o gerente BB controla, de facto e de direito, outras sociedades, designadamente L..., L.da. e a P..., Lda. Este facto deve ser eliminado por força do disposto nos artigos 5.º, 1, 147.º, 2; 552.º, 1, d), 1.ª parte; 607.º, 3, 1.ª parte e 4, 1.ª parte; 615.º, 1, c), 1.ª parte e 662.º, 2, c) do C.P.C.

    As proposições que dão corpo a esse artigo 18 formam um juízo de facto conclusivo e enunciam o conceito jurídico de controlo societário, não assentando em factos concretos devidamente descritos que funcionassem como premissas de tal conclusão.

    Por outro lado, da prova de facto produzida, com alguma atinência, não resulta facto algum que permita tal conclusão, como se colhe das passagens transcritas, acima, no parágrafo 15 da fundamentação destas alegações, respeitantes aos depoimentos de BB, CC, DD e EE.

  7. O julgamento desse facto do artigo 18 como provado consubstancia ainda a nulidade prevista 615.º, 1, c) e 662.º, 2, c) do CPC, porque na al. g) dos factos julgados não provados foi julgado exactamente o contrário.

  8. O Tribunal deveria ter julgado provados os factos das alíneas i), j), k) e l) dos factos julgados não provados, que este Tribunal de recurso poderá julgar provados ao abrigo do disposto no art.º 662.º, 1 do C.P.C (ou ordenar a produção de novos meios de prova ao abrigo do disposto na al. b) do n,.º 2 desse art.º 662.º.).

    O debate demonstrou que o Autor limitou-se a insinuar a existência de relações de legalidade duvidosa entre a Requerente e duas outras sociedades, e a clamar obececadamente contra a falta do balancete analítico com referência a 31-12-2019.

    Esse clamor contra a falta de tal balancete não “abafa” o sentido (significado) do facto de não ter alegado nem debatido, em audiência, a falta de qualquer um dos elementos de relato da gestão, mas, sobretudo, dos instrumentos por que as contas são elaboradas, fechadas e apresentadas, identificados, acima na conclusão 2.ª.

    IV 12.ª O Tribunal anulou as deliberações de aprovação do relatório da gerência e da aprovação das contas que apresentou ao exercício de 2019, com base em juízos de facto que diz ter subsumido às normas que invocou a partir da prova de que “Não foi entregue ao A. para consulta o balancete analítico das contas da sociedade, referente ao mês de Dezembro de 2019”, e que são os seguintes: 1- “O balancete pode ser analítico ou razão. A diferença encontra-se na complexidade. O Balancete Analítico é o balancete mais completo com todas as contas descriminadas, enquanto o Balancete Razão é o balancete mais simplificado apenas com as notas principais de cada rubrica.

    2- “(...) parece não haver dúvidas que os documentos solicitados pelo Autor e não entregues pela Ré, poderiam ter interesse para o autor poder avaliar a evolução dos negócios e a situação da sociedade ré”.

    Estes juízos são conclusivos, nada tendo sido alegado e provado que permitisse tais conclusões fácticas, nem havendo qualquer norma legal que consagre o dever de entrega balancete ou que lhe atribua essa qualificação à “não entrega”.

    Por isso, a sentença violou as próprias normas em que se louvou, pelo que deverá ser revogada.

  9. A decisão sob recurso resulta de um erro metodológico: o Tribunal começou por evidenciar o direito do caso. E, depois, “acomodou” os factos a esse direito, formulando conclusões fácticas, que os factos provados não legitimam.

  10. Os instrumentos por que são elaboradas as contas de um dado exercício, identificados nos parágrafos 4 a 26 a 29 da fundamentação, onde até se destacam para avaliar a situação da empresa e do seu desempenho durante o...

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