Acórdão nº 66/21.0T8VNC.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Janeiro de 2023
Magistrado Responsável | ANA CRISTINA DUARTE |
Data da Resolução | 12 de Janeiro de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO AA deduziu ação declarativa contra “A..., Lda.” pedindo que seja reconhecido o direito de anulação do contrato à luz do artigo 253.º do CC ou seja declarada nula a cláusula 7.ª do contrato à luz do estabelecido no artigo 19.º do Diploma das Cláusulas Contratuais Gerais ou ainda, se assim não se entender, seja declarada válida a resolução do contrato por parte da autora, devendo, em consequência e em qualquer caso, ser a ré condenada a devolver á autora o valor de € 14.999,00 ou, no limite, este valor deduzido de 16 das 36 sessões no módulo a que a autora assistiu.
Para o efeito, alegou que celebrou com a ré um contrato de “Mentoria & Coaching” e, tendo pago o respetivo preço, a ré não cumpriu com a sua prestação, designadamente, por falta de habilitações adequadas das pessoas responsáveis pela formação, porque as formações eram adiadas e repetidas sem justificação e porque lhe foi alterada a mentora responsável pelo seu acompanhamento por uma outra sem experiência para o efeito.
A ré contestou por impugnação, sustentando ter cumprido as suas obrigações contratuais.
Foi proferido convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, designadamente, considerando alguns lapsos de escrita quanto a algumas datas e tendo em vista a concretização de alguns factos alegados relativamente às promessas da ré e ao número de sessões que teriam sido adiadas, substituídas e repetidas.
A autora respondeu ao convite, concretizando os pontos a que se refere o despacho de aperfeiçoamento e a ré contestou, dando por integralmente reproduzida a matéria da sua contestação.
Foi proferido saneador-sentença que julgou a ação procedente, declarou a nulidade do contrato celebrado entre autora e ré e determinou a restituição pela ré à autora, da quantia de € 14.999,00 pela mesma entregue por força da celebração do contrato.
Tendo a ré interposto recurso, veio a ser proferido Acórdão neste Tribunal da Relação, que julgou procedente a apelação e anulou a decisão recorrida, determinando “que seja convocada audiência prévia com identificação, no despacho respetivo, dos fins a que se destina, ou que sejam notificadas as partes para se pronunciarem por escrito quanto à matéria de que se pretende conhecer e que não foi debatida nos articulados, identificando-a no despacho respetivo, ao abrigo do disposto no artigo 597.º do CPC” O processo baixou à 1.ª instância, tendo aí sido proferido o seguinte despacho: “Em obediência ao doutamente decidido, com vista a assegurar o exercício do contraditório por escrito, nos termos do disposto no artigo 597.º do CPC, notifique as partes para que, no prazo de dez dias, se pronunciem sobre a nulidade do contrato objeto dos autos, por indeterminabilidade e impossibilidade do seu objeto, designadamente quanto ao seu fim de que a ré fornecesse à autora, através do programa “Abundância Ilimitada em 12 meses”, e mediante o pagamento da quantia de 14.999,00€, condições para que esta pudesse proceder à “criação da vida de sucesso e abundância plena”, ensinando-a “a identificar, remover e transformar os bloqueios que impedem a participante de atrair e criar abundância e sucesso em todas as áreas da vida, potenciando a essência e a conexão ao seu plano de alma” e fornecendo-lhe “ferramentas, recursos e estratégias que permitem continuar a desbloquear e conquistar a abundância durante toda a vida” Cumprido o contraditório, foi elaborado saneador-sentença que julgou a ação procedente, declarou a nulidade do contrato celebrado entre a autora e a ré e determinou a restituição, pela ré à autora, da quantia de € 14.999,00 pela mesma entregue por força da celebração do contrato.
A ré interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões: I) O Tribunal a quo já antes havia proferido Saneador-Sentença – que veio a ser anulado por preterição de audiência prévia por este venerando Tribunal – o que obrigou a Mmª Juiz a quo a notificar as partes para se pronunciarem por escrito sobre a nulidade do contrato objeto dos autos, por indeterminabilidade e impossibilidade do seu objeto.
II) Contudo, e conforme já se deixava antever pelo teor do seu despacho datado de 20.04.2022, através do qual notificou as partes para exercerem o seu direito ao contraditório por escrito, o tribunal a quo proferiu novo Saneador-Sentença, em nada alterando o sentido do previamente decidido, havendo-se cingido tão somente ao cumprimento de uma mera formalidade legal.
III) O Tribunal a quo ignorou ainda por completo a douta fundamentação expendida no Acórdão desta Relação - proferido no âmbito dos presentes autos, e datado de 24 de fevereiro de 2022 - nomeadamente quanto à importância, de no caso concreto, ser convocada audiência prévia: “não só pelo valor de apenas menos um euro em relação à metade da alçada da Relação, como pela complexidade e novidade das questões suscitadas nos autos e, sobretudo, pela necessidade de assegurar o contraditório, face ao eventual conhecimento no saneador de questão que, até ao momento, não havia sido colocada nem debatida por nenhuma das partes nos articulados, e que acabaria por pôr termo ao processo, deveria a Sra. Juíza ter convocado audiência prévia, conforme está previsto na alínea b) deste artigo 597.º do CPC. Neste caso, a questão a decidir aconselha e justifica a observância de tramitação similar à definida para o processo comum.” – cfr. Abrantes Geraldes, in obra citada, pág. 703”.
IV) Doutamente discerniu esta Relação – ao contrário da Mmª Juiz a quo – de que estamos perante questões que para além de serem novas – dado que raramente são suscitadas nos tribunais portugueses – são complexas, o que não permitirá dispensar o princípio do contraditório, nem tão pouco o princípio da imediação.
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Se por ventura as partes tivessem sido convocadas para a realização de audiência prévia, quiçá a Recorrente tivesse conseguido fazer ver ao tribunal a quo que o objeto do contrato não é nem indeterminável, nem impossível - apesar de comportar uma vertente esotérica, que se a determinadas pessoas causa repulsa, a outros desperta um legítimo interesse ou curiosidade.
VI) Não obstante, sem convocação de audiência prévia e sem produzir qualquer prova testemunhal, decidiu o tribunal a quo declarar uma vez mais que o negócio de “Mentoria & Coaching” celebrado entre a Recorrente e a Recorrida é nulo, por ter entendido que os conceitos plasmados naquele contrato não têm concretização jurídica, e a sua eventual concretização humana depende das crenças, do esoterismo e das idiossincrasias de cada indivíduo e, nessa medida, tornam o objeto do negócio, celebrado entre as partes, física e legalmente impossível, e indeterminável.
VII) Havendo condenado a Recorrente a restituir tudo o que foi prestado em consequência do negócio supostamente viciado, julgando procedente o pedido da Recorrida de devolução do montante de 14.999,00€ por si pago à Recorrente.
VIII) Segundo o disposto no artigo 644.º, nº 1, a) do Código de Processo Civil, cabe recurso de apelação da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente. Por sua vez, estabelece o artigo 645º, nº1, a) do CPC que sobem nos próprios autos as apelações interpostas das decisões que ponham termo ao processo. E o artigo 647º, nº1, a) do CPC dispõe que a apelação tem efeito meramente devolutivo, exceto nos casos previstos nos números seguintes.
IX) Nestes moldes, a Decisão em crise é imediatamente recorrível, para o qual a Recorrente tem legitimidade e está em tempo, devendo ser atribuído ao presente Recurso, nos supramencionados termos legais, não efeito meramente devolutivo mas sim o efeito suspensivo.
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Não se desconhecendo ser a regra-geral a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso, a lei possibilita ao apelante requerer a atribuição do efeito suspensivo ao recurso, o que depende da apresentação de: • Requerimento nesse sentido • Invocação de que a execução da decisão lhe causará prejuízo considerável • O oferecimento e subsequente prestação de caução, no prazo fixado pelo tribunal.
XI) In casu o prosseguimento dos autos sem que o presente Recurso se suspenda causará o irreversível prejuízo à Recorrente de passar a constar das bases de dados como DB Informa, Einforma, Racius, etc, a existência de um processo de execução, o que terá impacto no seu bom-nome e na sua credibilidade junto das Instituições bancárias, fornecedores e clientes da Recorrente, que acedem a tais bases de dados antes de contratarem com a Recorrente, o que se traduzirá numa afetação irreparável do seu bom nome e numa perda de clientela cujo prejuízo será muito difícil de estimar como é consabido ser um dano de lucros cessantes.
XII) Finalmente, a prestação de caução assegurará plenamente o direito creditício da Autora, o que aqui se requer se necessário for à obtenção do efeito suspensivo.
Acresce que, XIII) A Autora/Recorrida instaurou a presente ação de processo comum contra a Ré/Recorrente sustentando, em suma, que celebrou com a Recorrente um contrato de “Mentoria & Coaching”, através do qual a Ré/Recorrente se comprometeu, mediante o pagamento, por parte da Recorrida, da quantia de 14.999,00€, a apoiar e a acompanhar a Recorrida, ministrando cursos e realizando sessões de Coaching e Mentoria - Individuais e em Grupo, e fornecendo-lhe inúmeras ferramentas e recursos que melhor se descreverão infra.
XIV) Alegou a Autora/Recorrida que, tendo pago o respetivo preço, a Ré/Recorrente não cumpriu com a sua prestação, por um conjunto de motivos que elenca, designadamente, entre o mais, porque as pessoas responsáveis pela formação não tinham habilitações adequadas para as ministrar, porque as formações eram adiadas e repetidas sem justificação e porque lhe foi alterada a mentora responsável pelo seu acompanhamento por uma outra sem experiência para o efeito, terminando com o petitório transcrito na alegação 45. e que aqui se dá como integralmente...
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