Acórdão nº 565/17.8PABCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA JOSÉ MATOS
Data da Resolução03 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes, em Conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães . RELATÓRIO Nos presentes autos de Processo Comum Singular que seguem termos sob o nº 565/17.8PABCL no Tribunal Judicial da Comarca de Braga/Juízo Local Criminal de Barcelos/Juiz 1, o Ministério Publico requereu o julgamento do arguido M. C., filho de … e de …, natural de Pe…relhal, Barcelos, nascido a .. de … de …, casado, porteiro, residente na Rua …, Barcelos, Imputando-lhe a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º, nº1 do Código Penal.

Após terem os autos sido remetidos para a fase de julgamento, o Meretissimo Juiz “a quo” proferiu o seguinte despacho: “O Tribunal é competente.

*Questão prévia: Do caso julgado *Por sentença proferida em 01.02.2018 no Processo n.º 836/17.3T9BCL, deste Juízo Local Criminal de Barcelos (Juiz 1), foi o aqui arguido M. C. condenado como autor de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do Código Penal, na pena de dois anos e oito meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, bem como na pena acessória de proibição de contactar e/ou se aproximar da ofendida D. F., pelo mesmo período de 2 anos e 8 (oito) meses, nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º 4 e 5, do Código Penal.

Nessa sentença, transitada em julgado no dia 05.03.2018, foram dados como provados, para além do mais, os seguintes factos:

  1. O arguido M. C. e a D. F. mantiveram um relacionamento de namoro entre Maio de 2016 e Fevereiro de 2017; b) Em dia e hora não concretamente apurado, do verão de 2016, no interior do Centro Comercial …, em …, o arguido desferiu uma bofetada na cara da D. F., apodando-a ainda de “puta”, “vaca” e “rota”; c) Desde então que o arguido, movido por ciúmes, se dirige quase diariamente à D. F. acusando-a de andar com outros homens, designadamente com o tio, o cunhado e o sacristão e dirigindo-lhe expressões como “sua filha da puta, sua rota, sua vaca só gostas de cavalos”; d) Em dia não concretamente apurado, situado entre Agosto e Dezembro de 2016, no interior da casa de residência da D. F., sita na Rua …, Barcelos, na sequência de discussão que mantiveram porque o arguido queria revistar a carteira da D. F. e tendo esta se agarrado à mesma de forma a impedi-lo, aquele desferiu-lhe um empurrão, no peito daquela D. F., projectando-a contra um sofá; e) Em Fevereiro de 2017, a D. F. terminou o relacionamento amoroso com o arguido; f) Inconformado com o fim desta relação, o arguido passou a seguir a D. F. pela cidade de Barcelos, no percurso entre a habitação desta e a igreja de …, e nos períodos da manhã, quando esta vai fazer a sua caminhada diária; g) Nestes percursos, o arguido dirige-se à D. F., acusando-a de andar com homens e apodando-a de “puta”, “filha da puta”, “rota” e “vaca”; h) Num dia de sábado não concretamente apurado, situado entre os meses Julho e Outubro de 2017, estando o arguido à porta da casa de residência da D. F., e quando se apercebeu da chegada do F. C. que vinha buscar a D. F., de imediato se lhe dirigiu e disse-lhe “está à espera da D. F., espere que ela já aviou os outros e está à espera de aviar o último…”.

  2. Em dia não concretamente de Junho ou Julho de 2017, durante a manhã, quando a D. F. caminhava sobre um passadiço que passa por cima da via rápida, entre a Av.ª …, foi surpreendida pelo arguido que se lhe dirigiu apodando-a de “filha da puta”, ”rota” e “vaca” e disse-lhe que a atirava da ponte abaixo; j) Em dia não apurado depois do mês de Agosto de 2017, o arguido abordou a D. F. na Avenida …, depois de a mesma se ter retirado do café, perseguindo-a e apodando-a de “puta”, “vaca”, “rota”, dizendo-lhe que “só gostava de cavalos”, que era “uma fraca”, que ninguém mais a “havia de querer”, tendo entretanto, com gestos, simulado o acto de masturbação; k) Todos estes factos foram praticados pelo arguido com o propósito concretizado de deixar a D. F. num clima de constrangimento e de, pelo terror permanente, a subjugar à sua vontade; l) Com as condutas descritas, o arguido provocou na D. F., de forma directa e necessária, dores físicas e mal-estar, fazendo-a sentir num permanente estado de medo e constrangimento, receando pelas atitudes que o arguido pudesse tomar, temendo desde logo, que este pudesse alguma vez atingir-lhe de forma grave a integridade física; m) Vivia ainda a D. F. vexada pelos nomes com que o arguido a apodava e com as condutas que tinha em relação a si; n) Agiu o arguido sempre de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de lesar a integridade física, de vexar, amedrontar e manter a D. F. num permanente estado de constrangimento, indiferente à relação de namoro que com esta mantinha e/ou mantivera e aos deveres que dessa relação para si nascia de que estava bem ciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas pela lei penal.

    Tudo isto resulta do teor da certidão de fls. 134 e seguintes, complementada com a informação de fls. 148 dos autos.

    *Nos presentes autos o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido M. C. imputando-lhe a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143, n.º 1, do Código Penal.

    Para sustentar a acusação, imputa-se ao arguido a seguinte factualidade:

  3. O arguido e D. F. mantiveram um relacionamento de namoro de Setembro de 2016 a Fevereiro de 2017; b) No dia 18 de Outubro de 2017, cerca das 19h40 Av. …, Barcelos, o arguido, com um guarda-chuva, desferiu várias pancadas na ofendida, atingindo-a nas costas e no ombro esquerdo; c) No mesmo dia, no interior do café junto à residência da ofendida, o arguido disse à ofendida que desistisse da queixa que apresentara contra si, dando origem à acusação proferida no inquérito nº836/17.3T9BCL, e quando a ofendida lhe disse que não o faria, o arguido exaltado pegou num prato e fez o gesto dando a entender que atingiria a ofendida com o mesmo; d) Minutos depois e quando a ofendida regressava à sua residência, o arguido munido de um guarda-chuva, desferiu várias pancadas na ofendida e atingiu-a com murros, em número não concretamente apurado, casando a sua queda desamparada ao chão; e) Com a sua conduta o arguido causou na ofendida dores físicas, hematoma parietal esquerdo, escoriação do antebraço esquerdo, hematoma da mão esquerda, interessando o quinto dedo da mão, que foram causa directa e necessária de seis dias de doença, com quatro dias de afectação da capacidade para o trabalho geral; f) Agiu o arguido de modo livre, voluntário e consciente com vontade concretizada de atingir a ofendida na sua saúde física e psíquica, não obstante saber que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

    *Da proibição “ne bis in idem” (excepção de caso julgado) Nos termos que expressamente resultam do artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa – que, como se sabe, conferiu dignidade constitucional ao basilar princípio do ne bis in idem -, “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”.

    Posto que o fundamento central do caso julgado radica numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito em ordem a assegurar, ainda que com possível sacrifício da justiça material, a paz jurídica dos cidadãos, tem-se por certo o entendimento que atribui ao conceito de “mesmo crime” o sentido tradicional de um certo conjunto de factos e actos do agente.

    Como se explica no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.10.2015, Processo n.º, 950/11.9PIVNG.P2 relatado pela Sr.ª Desembargadora Fátima Furtado, publicado na internet, em www.dgsi.pt, o principio ne bis in idem engloba uma verdadeira proibição de dupla perseguição penal, englobando não só o que foi conhecido no primeiro processo mas também o que ai poderia ter sido conhecido, sublinhando-se no aludido aresto que quando um dado facto, embora novo, se integra no mesmo pedaço de vida do arguido e da vítima subsumível ao crime de violência doméstica, já definitivamente julgado, é abrangido pelo caso julgado e a sua consideração autónoma viola o principio ne bis in idem.

    A lei tipifica como crime de violência doméstica, no artigo 152.º, nº. 1, alínea b), do Código Penal (normativo em que se sustentou a condenação imposta ao arguido no processo n. º 836/17.3T9BCL), o comportamento de quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais a pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação.

    Atendendo à inserção sistemática do tipo – surge integrado no título do Código Penal dedicado aos crimes contra as pessoas e, dentro deste, inserido no capítulo que trata dos crimes contra a integridade física –, será de concluir, na esteira de Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, pág. 332, que o legislador penal pretendeu proteger a dignidade da pessoa individual contra comportamentos lesivos da mesma.

    Assim, as condutas abarcadas pelo ilícito podem consubstanciar-se quer em actos de violência física, designadamente ofensas corporais, quer em atitudes que ofendam a integridade moral ou o sentimento de dignidade, como as injúrias, humilhações, ameaças e outros semelhantes (neste sentido, vide Acórdão do STJ, de 04-02-2004, Processo n.º 2857/03-3, confirmado em Plenário das Secções Criminais, publicado na internet, em www.dgsi.pt).

    As condutas que são imputadas ao...

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