Acórdão nº 1263/07-1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Julho de 2007

Magistrado ResponsávelCRUZ BUCHO
Data da Resolução09 de Julho de 2007
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação de Guimarães: *Na Vara de Competência Mista de Guimarães, no âmbito do Processo Comum Colectivo nº 3/07 (14/06.7PEGMR), por acórdão de de 19 de Março de 2007-06-26, o arguido J... Silva, com os demais sinais dos autos, foi condenado pela prática: - de um crime de furto qualificado, previsto e punido nos termos do disposto nos artigos 203º, nº 1, e 204º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; - de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido nos termos do disposto no artigo 25°, alínea a), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 2 (dois) anos de prisão); - de um crime de uso de documento falso, previsto e punido nos termos do disposto no artigo 256°, números 1, alínea c), e 3, Código Penal, 9 (nove) meses de prisão; - de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido nos termos do disposto no artigo 347° do mesmo diploma legal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão; - Em cúmulo jurídico, na pena única de 3 (três) ano e 4 (quatro) meses de prisão.

O arguido foi ainda condenado a pagar à demandante Ana P... a quantia de € 438, 42 (quatrocentos e trinta e oito euros e quarenta e dois cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, sobre o montante de € 188, 42 (cento e oitenta e oito euros e quarenta e dois cêntimos), a contar da notificação do pedido cível, e sobre o montante de € 250 (duzentos e cinquenta euros), a contar da prolação do acórdão, até efectivo e integral pagamento.

*Inconformado com tal decisão, o arguido dela interpôs recurso, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões que se transcrevem: «1ª. O acórdão recorrido deu como provada a matéria de facto vertida sob os n.ºs. 11° a 15°, sem a retirar de qualquer outra levada à matéria dada como provada, ou de qualquer meio de prova produzido nos autos.

  1. Esta falta de fundamentação impede desde logo seja sindicada pelo arguido, e com o mínimo de garantias, a decisão de dar como provados aqueles factos, padecendo, por isso o acórdão recorrido, de vício de falta de fundamentação e apreciação crítica das provas – art.º 379°, n.º 1, al a), ex vi 374°, n.º 2 do Cód. Proc. Penal - sancionado pela lei com a nulidade que aqui se invoca para todos os efeitos.

  2. O decidido pelo acórdão recorrido padece de contradição com a respectiva fundamentação quando, por um lado refere que "(...) apenas resultou a certeza de que o arguido conduzia o veículo com as matrículas que lhe não pertenciam (uso), mas não a de que tivesse sido ele quem as colocou no veículo, (...)." e por outro de que "(…) para evitar a detecção desse veículo, frustrando a actividade policial (…)", e que "(...) e assim circulou, bem sabendo que as mesmas eram falsas, pois não correspondiam àquele veículo, e que assim causava prejuízo ao Estado e atentava contra a força probatória dos documentos." e ainda que "O arguido bem sabia que ao conduzir o veículo nessas circunstâncias, estava a fazer uso de uma falsificação" – n.º 11°, 12°, 14° da matéria de facto.

  3. Desta contradição resulta deverem considerar-se não provados os factos vertidos nos n.ºs. 11 ° a 15° da matéria dada como provada no acórdão, não se preenchendo o elemento subjectivo do crime de uso de documento falso que eles consubstanciam.

  4. Deve concluir-se, consequentemente, que o arguido não praticou o crime p. e p. pelo art.º256°, n.ºs. 1, alínea c), e 3, do Cód. Penal.

  5. O acórdão em apreço não faz referência aos factos concretamente integradores dos crimes que fundaram a punição da reincidência, não havendo qualquer conexão entre os dos crimes anteriormente sancionados e os dos ora apreciados geradores dos efeitos previstos nos art°s. 75° e 76° do Cód. Penal.

  6. A decisão recorrida aplicou a agravação resultante da reincidência a todos os tipos de crime nele apreciados quando só um deles corresponde a um mesmo tipo de crime anteriormente sancionado.

  7. O acórdão recorrido não dá, e devia dar, relevância excludente da conexão entre os crimes passados e os ora apreciados a matéria dada como provada, a saber: ser o arguido tóxico-dependente e portador de S.I.D.A.

  8. Não se verificam os elementos necessários à punição do arguido como reincidente, previstos no art.º 75º. do Cód. Penal, pelo que às penas parcelares e à pena única de cúmulo que lhe foram aplicadas deve ser retirada a medida correspondente à respectiva agravação –art.º 76°. Cód. Penal.

  9. Deve o facto de o arguido ser tóxico-dependente e portador de S.I.D.A. ser atendido e redundar na aplicação de penas parcelares e pena única de cúmulo mais reduzidas que as do acórdão recorrido, atenta a inerente também mais reduzida moldura da culpa do agente e menor ilicitude dos factos que lhe são imputados - art°. 71°. do Cód. Penal..

  10. Ao aplicar os normativos citados neste preciso sentido, teria a douta decisão recorrida feito correcta aplicação da lei.

  11. Ao não fazê-lo violou, por erro de interpretação e aplicação, os art°. 71º, n.º2, 72°, 73°, 75°, 76° e 256°, n.ºs 1, alínea c), e 3, do Cód. Penal, e art.º 379º, n.º 1, al a), ex vi 374°, n.º 2, e n.º 2, al. a) e b) do art°. 410º, todos do Cód. Proc. Penal, que deveriam ter sido interpretados e aplicados em consonância com os factos e conclusões supra alinhados.» Termina pedindo que seja revogado o acórdão recorrido, “substituindo-o por outro que reduza as penas parcelares e, consequentemente a resultante do cúmulo jurídico a operar.” *O recurso foi admitido por despacho constante de fls. 581.

*O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso pugnando pela manutenção do julgado.

*Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer pronunciando-se, pela improcedência do recurso.

*Cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP, foram colhidos os vistos legais.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com o formalismo aplicável.

* II- Fundamentação 1.

É a seguinte a factualidade apurada no tribunal a quo: A) Factos provados (transcrição) «1º - No dia 20 de Março de 2006, pelas 17 horas e 40 minutos, Ana P... deixou estacionado, na Avenida de L..., em S. Paio, Guimarães, o seu veículo automóvel ligeiro, de marca Peugeot e modelo 307, preto, com a matrícula 53-47-X..., no valor de, pelo menos, € 13 550, 00.

  1. - Saiu do veículo deixando a chave na ignição, com o motor desligado e ficando a sua mãe Maria C... no seu interior.

  2. - O arguido, que observara a conduta da Ana P..., abeirou-se então do mencionado veículo e entrou nele pela porta do condutor, ordenando à mãe da sua proprietária que saísse do veiculo, o que ela fez.

  3. - Pôs, então, o arguido, o veículo em marcha e, conduzindo-o, afastou-se para local desconhecido.

  4. - No interior do veículo estavam diversos objectos pertencentes a Ana P... (uma caixa com 20 CDs, bilhete de identidade, carta de condução, cartão de contribuinte, cartão da A. D. S. E., cartão de utente do centro de saúde, cartão de eleitor, cartão de débito da Caixa Geral de Depósitos (C. G. D.), cartão de débito do Millennium B. C. P., vários chegues em branco, um porta chaves, diversas chaves e € 150 (cento e cinquenta euros).

  5. - O arguido agiu voluntária e conscientemente com a intenção de se apropriar, como se apropriou, do veículo e dos objectos que nele se encontravam, bem sabendo que agia contra a vontade da proprietária e que lhe estava proibida essa conduta.

  6. - A Polícia recebeu, a 18 de Abril de 2006, a informação de que se encontrava, na Rua Alexandre Herculano, em Azurem, Guimarães um indivíduo, ao volante de um Peugeot preto, modelo 307 a vender substâncias estupefacientes a quem, para o efeito, o procurasse.

  7. - Nesse lugar, cerca das 15 horas e 17 minutos, ao volante do veículo automóvel já identificado, de matrícula 53-47-X..., ao ser interpelado pelos agentes policiais, o arguido detinha, na sua mão, 22 embalagens de heroína, com o peso de 10, 090 gramas e 14 embalagens de cocaína, com o peso de 2, 028 gramas, e € 40 em notas de 20, 5 e 10.

  8. - O arguido, ao deter aquelas substâncias, agiu voluntária e conscientemente, bem sabendo que essa conduta lhe estava proibida por lei.

  9. - Ao veículo já identificado, Peugeot 307, com o nº de chassis VF33C8HZ883710278 correspondia o número de matrícula 53-47-X..., que ostentava no momento em que o arguido dele se apropriou pela forma acima descrita.

  10. - Mas o arguido, para evitar a detecção desse veículo, frustrando a actividade policial, passou a circular na via pública com as chapas de matrícula número 21-29-V... que alguém, substituindo as 53-47-X..., apôs naquele mesmo veículo.

  11. - E assim circulou, bem sabendo que as mesma eram falsas, pois não correspondiam àquele veículo, e que assim causava prejuízo ao Estado e atentava contra a força probatória dos documentos.

  12. - Até ser detectado e detido pela polícia, nas circunstâncias acima descritas.

  13. - O arguido bem sabia que, ao conduzir o veículo nessas circunstâncias, estava a fazer uso de uma falsificação.

  14. - Agiu, então, consciente e voluntariamente bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.

  15. - Foi constituído arguido nesse mesmo dia, apresentado ao Ministério Público e à Juiz de Instrução Criminal, que procedeu ao seu interrogatório e, tendo por indiciados os crimes de tráfico simples de estupefacientes e furto qualificado, o devolveu à liberdade, mediante Termo de Identidade e Residência (TIR) já prestado e as obrigações de apresentação diária, no posto policial da área da sua residência, e a proibição de contactar pessoas ou frequentar locais conotados com o tráfico de estupefacientes.

  16. - A Policia recebeu, a 5 de Junho de 2006, a informação de que se encontrava no Largo Condessa do Juncal, Guimarães, um indivíduo de nome “Sampaio” a vender substâncias estupefacientes a quem para o efeito o procurasse.

  17. - Cerca das 19 horas e 32 minutos, encontrado pela polícia nesse lugar, o arguido pôs-se imediatamente em fuga, tentando engolir, nessa fuga, uma...

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