Acórdão nº 1632/07-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelCRUZ BUCHO
Data da Resolução29 de Outubro de 2007
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação de Guimarães:*I- Relatório No processo comum singular nº 317/02.0TAFLG do 2º Juízo do tribunal Judicial de Felgueiras, por sentença de 22 de Junho de 2006, as arguidas MS e “Lda.”, ambas com os demais sinais dos autos, foram condenadas “pela prática de um crime de Abuso de Confiança, p. e p. nos termos do art. 105º, n.º 1, do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001 de 5 de Junho, na pena de 100 (cem) dias de multa, à razão diária de € 3,00 (três euros), num total de € 300,00 (trezentos euros).”*Inconformados com tal sentença, dela recorreram o Ministério Público e a arguida MS.

O Ministério Público remata a sua motivação com as seguintes conclusões que se transcrevem: «1º Vem este recurso interposto da douta decisão desta ilustre Juíza "a quo" em que não condenou as aqui arguidas- pessoa singular MS e colectiva "Ldª -, pelo cometimento de um crime de fraude fiscal, da previsão dos arts. 23° n.º1 al. b) e n.º3 al. a), do RGINA, na redacção dada pelo Decreto-Lei n0394/93, de 24.11, actualmente previsto pelos arts. 103° e 104° do RGIT, aprovado pela Lei nº 15/01, de 5.6.; 2° Matéria esta que ficou amplamente provada e passível de poder integrar também o cometimento de um crime desta última natureza, porquanto ao ocultar, como fez, não entregando as declarações de rendimentos de IRC, modelo 22, ocultando à Administração tributária, o lucro obtido no exercício da sua actividade económica, durante os anos de 2000 e 2001, a arguida, enquanto legal representante da outra aqui arguida e agindo no seu interesse, locupletou-se com um proveito, no montante total de €25.889,88, a título de IRC, que deveria ter pago, diminuindo, assim, as receitas tributárias; 3° Acrescente-se aqui que tal como acima melhor se expôs em sede de motivação, não haveria que ponderar a aplicação do diploma mais favorável, por virtude do acto de última execução ter decorrido já durante este novo e último diploma legal.

  1. Nem se diga que não deverá ser considerada esta actuação da arguida (singular), não se considerando este tipo legal de crime, por si e em representação da arguida sociedade, por virtude da Administração Tributária, ter recorrido, para apuramento do citado montante, à utilização de métodos indirectos, o que não poderá acontecer, tanto mais que, "in casu", não existe outro método possível de apuramento de tais lucros e fruto de toda a situação criada pela arguida, com o não envio das receitas de IVA, sob pena de descriminalização desta matéria.

  2. A não ser que tal situação tivesse ocorrido à Ma Juíza, " ad quo", por virtude, da Mª Juíza que recebeu a pronúncia, nos termos do art.311 ° do C.P.P., ter referido nesse seu despacho que alterava a qualificação jurídica para um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art.105° do R.G.I.T.; sentindo-se, assim, vinculada a tal qualificação jurídica e apenas a essa.

  3. Porém sem motivo, desde logo, porque este despacho intermédio, de recebimento da acusação, ou da pronúncia, como em outras tantas outras situações processuais, não faz caso julgado material, mas, tão somente, formal; 7° De qualquer forma, tal despacho judicial que recebeu a pronúncia, não é fundamentado, conforme imposição legal do art.158° n.º1, do C.P. Civil, aplicável "ex vi" o art.º4º do C.P.Penal.

  4. Devendo considerar-se, essa sua omissão, de falta de fundamentação, como uma nulidade de natureza sanável, nos termos do art. 120° n.º3 e 313° do C.P. Penal.

  5. A qual deverá ser arguida, sob pena de sanação, na motivação de recurso, caso venha a existir, tendo em atenção o que dispõe o nº 3 deste último citado diploma.

  6. Não sendo passível arguí-la antes, porquanto nesse despacho não houve alteração de factos, mas, tão somente de normas, pelo que não se poderia, sequer dele recorrer-se nos termos do que sucede para com o disposto no art.310° do C.P.P., conforme assim entende a jurisprudência superior e, inclusive, consta da lei de Autorização Legislativa do CPP.

    11 ° Nestes termos, concordando-se com a medidas das penas que a Mª Juíza decidiu escolher e aplicar a cada uma das arguidas, pelos motivos indicados e melhor explanados na douta decisão condenatória, ou seja, na pena de 100 dias de multa, à razão de €3,00, num total de €300,00; 12° Nesta conformidade e tendo em atenção que este tipo legal de crime tem a mesma moldura penal daquele outro, por cuja prática as arguidas foram condenadas, de acordo com o art. 71 ° do C. Penal, deverão agora, as mesmas serem condenadas, numa mesma pena - de multa -em concreto, ou seja, de 100 dias de multa à taxa diária de €3,OO, no total de €300,00; 13° E, em cúmulo jurídico de penas, nos termos do art.77°, do C. Penal, deverá ser encontrada, para cada uma dela, uma pena única de multa de €500,00.

  7. Nestes termos deverá, pois, nesta parte, a decisão ser revogada, condenando-se ambas e cada um das arguidas nas referidas penas de multa e pelo cometimento daqueles dois crimes.

  8. Sob pena de violação ao disposto nos arts. 103° n.ºl al.b), da Lei n.º I5/01, de 5 de Junho, 158º n.º l do C.P. Civil, "ex vi" o art.4° do C.P.P. e 313°, do C.P. Penal.

  9. Neste sentido, deverá, pois, a sentença condenatória ser parcialmente revogada e substituída por outra que a condene ambas e cada uma das arguidas também pelos referenciados crimes de fraude fiscal, em cúmulo jurídico de penas nas aludidas penas única de multa, sob pena de nítida e frontal violação desses citados dispositivos legais. »*Por seu turno, a recorrente MS apresentou as seguintes conclusões que igualmente se transcrevem: a) O tribunal a quo condenou a recorrente pela prática do crime de abuso de confiança fiscal previsto no art.º 105º do RGIT b) Quando na verdade não se verifica o elemento material subjectivo do tipo de ilícito, qual seja a apropriação da prestação tributária para proveito próprio, elemento este exigido pelo legislador, e cuja existência se deduz pela interpretação do seu pensamento legislativo face à legislação anterior e respectiva ratio legis (art. 9° do C.C. e art. 24° RJIFNA).

    1. Pelo que, deve ser revogada a sentença condenatória recorrida e substituída por outra que absolva a arguida do crime de que foi condenada.

    2. A decisão recorrida condenou a aqui recorrente considerando provado o facto típico de ilícito quer na sua vertente objectiva quer na subjectiva (não entrega da prestação tributária e consequentemente apropriação para proveito próprio da arguida), e) Com base numa avaliação meramente indiciaria e indirecta, a quantia devida à título de IV A, a qual apenas é admitida em procedimento tributário mas categoricamente vedado no procedimento criminal.

    3. Partindo da referida avaliação da prestação tributária devida, efectuada por métodos indirectos, a Meritíssima Juiz do Tribunal recorrido, PRESUMIU que houve apropriação efectiva pela arguida, da prestação tributária para seu proveito próprio.

    4. Ora, o processo penal não se basta com provas meramente indiciárias, nem admite sequer que a responsabilidade penal do cidadão se comprove com meras suspeitas da pratica do crime, sob pena de ficar sem efeito o principio da presunção de inocência constitucionalmente consagrado.

    5. Pelo que, ao condenar a arguida pela prática do referido crime, baseando - se apenas na falta de entrega de uma prestação tributária avaliada e apurada por métodos indirectos, a qual pode nem sequer existir face à situação real da sociedade arguida, o Tribunal a quo violou o principio "in dubio pro reo" e ainda o artigo 1050 do RGIT.

    6. Logo, deve a sua sentença ser revogada ficando a arguida absolvida crime de abuso de confiança fiscal.

    7. Acrescenta-se que a dita decisão condenatória deve ser revogada por não ter aplicado a norma contida na al. b) do n.º 4 do art. 105º RGIT, ou seja por não ter sido efectuada a notificação aí exigida a qual constitui uma verdadeira condição de punibilidade.

    8. Assim sendo, na falta do preenchimento de um requisito legal que compõe a factualidade típica, não podia a arguida ter sido condenada pelo crime de abuso de confiança fiscal, sendo a sua absolvição a...

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