Acórdão nº 1535/07-1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelANSELMO LOPES
Data da Resolução01 de Outubro de 2007
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Após audiência, acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: TRIBUNAL RECORRIDO Tribunal Judicial de Braga – 4 Juízo Criminal – Pº nº 2658/07.6TBBRG ARGUIDO/RECORRENTE Mário RECORRIDO O Ministério PúblicoOBJECTO DO RECURSO O arguido foi condenado pela prática de uma contra-ordenação p. e p. no artº 35º, nº 1 do Código da Estrada, na coima de € 120,00 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias.

Não se conformou e impugnou judicialmente, mas a impugnação foi julgada improcedente.

Vem agora interposto o presente recurso, resumindo-se assim as conclusões: .- O artº 171º, nº 2 do Código da Estrada faz referência expressa ao «titular do documento de identificação do veículo», pelo que é titular de tal documento a pessoa que na qualidade de proprietário ou a outro título possa dispor do veículo.

.- A venda de veículos automóveis não está sujeita à forma escrita, pelo que por simples declaração verbal se transmite a propriedade.

.- Por contrato verbal de compra e venda foi o veículo vendido pelo recorrente, em 15-03-06, e na mesma data foi feita a declaração de venda e termo de responsabilidade.

.- Consequentemente, à data da infracção, o recorrente não dispunha já do veículo, sendo sobre o titular do documento de identificação do veículo que recai a responsabilidade e a presunção previstas no artº 135º, nº 2, al. b) do Código da Estrada.

.- É também ao titular de tal documento que é dado o direito de indicar, no prazo concedido para a defesa, pessoa distinta como autora da contra-ordenação.

.- O recorrente não sabe, nem tem de saber, quem conduzia o veículo na data da infracção.

.- Em ambos os acórdãos citados na decisão recorrida, além de diferente previsão legal, verificava-se que os recorrentes eram também proprietários dos veículos, ao passo que o ora recorrente vendeu o veículo em data anterior à da infracção.

.- De todo o modo, uma vez que a notificação ao arguido apenas diz que «se desejar impugnar a autuação, deverá apresentar, até 20 dias após a data da presente notificação, defesa escrita dirigida ao Governador Civil do Distrito», foi violado o disposto na al. f) do artº 175º do Código da Estrada.

RESPOSTA No Tribunal recorrido, o Ministério Público respondeu de forma a defender o julgado.

PARECER Nesta instância, o Ilustre PGA também pede a improcedência do recurso.

PODERES DE COGNIÇÃO O objecto do recurso é demarcado pelas conclusões da motivação – artº 412º do C.P.Penal, sem prejuízo do conhecimento oficioso nos termos do artº 410º, nº 2 do mesmo Código, do qual serão as citações sem referência expressa.

FUNDAMENTAÇÃO Vejamos, antes de mais, os factos tidos como provados: a) - No dia 16 de Março de 2006 foi lavrado auto de contra-ordenação ao abrigo do disposto no artigo 171º do C.E., dando conta que o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula SE, no dia 16 de Março de 2006, pelas 12 horas e 20 minutos, na Avenida António Macedo, em Braga, efectuou manobra de mudança de direcção para a direita da qual resultou perigo e embaraço para o trânsito.

  1. – No dia 03 de Maio de 2006 foi remetida carta registada ao arguido para, querendo impugnar a autuação, apresentando defesa escrita.

  2. – No prazo concedido, o arguido não identificou qualquer outra pessoa como autora da contra-ordenação e não impugnou por qualquer forma o auto de notícia.

  3. – O arguido veio através do presente recurso impugnar a decisão administrativa, argumentando que, no dia, hora e local constantes do auto de contra-ordenação, não era o arguido que conduzia o veículo automóvel, tendo-o vendido em data anterior, embora a mudança de proprietário não tenha sido devidamente inscrita na Conservatória do Registo Automóvel.

*Para a decisão da impugnação, o Mmº Juiz identificou a seguinte questão prévia: A questão essencial e a decidir desde já consiste em saber se, tendo o auto de contra-ordenação sido levantado nos termos do artigo 171º, nº 2 do C.E., contra o proprietário inscrito do veículo automóvel e este sido regularmente notificado pela autoridade administrativa competente para exercer a sua defesa, sem que tenha identificado qualquer outra pessoa como autora da contra-ordenação, pode, posteriormente, impugnar judicialmente a decisão administrativa que contra ele venha a ser proferida, identificando o condutor do veículo em causa ou diferente proprietário, embora não inscrito.

Esta questão, tem que se dizer, está correctamente identificada, mas o mesmo já se não diz quanto à solução negativa encontrada.

Vejamos.

A infracção aqui em causa foi observada sem identificação do condutor, pelo que, nos termos do nº 2 do artº 171º do C.E., foi o auto levantado em nome do titular do documento de identificação do veículo - Cfr. o teor do artigo 118.º do Código da Estrada: Identificação do veículo 1 - Por cada veículo matriculado deve ser emitido um documento destinado a certificar a respectiva matrícula, donde constem as características que o permitam identificar.

2 - É titular do documento de identificação do veículo a pessoa, singular ou colectiva, em nome da qual o veículo for matriculado e que, na qualidade de proprietária ou a outro título jurídico, dele possa dispor, sendo responsável pela sua circulação.

3 - O adquirente ou a pessoa a favor de quem seja constituído direito que confira a titularidade do documento de identificação do veículo deve, no prazo de 30 dias a contar da aquisição ou constituição do direito, comunicar tal facto à autoridade competente para a matrícula.

4 - O vendedor ou a pessoa que, a qualquer título jurídico, transfira para outrem a titularidade de direito sobre o veículo deve comunicar tal facto à autoridade competente para a matrícula, nos termos e no prazo referidos no número anterior, identificando o adquirente ou a pessoa a favor de quem seja constituído o direito.

, ou seja, o arguido, pois ainda não tinha sido alterado o registo.

Tal procedimento é o único compatível com as regras do Código, sendo para aqui escusada a confusão que o recorrente faz sobre a titularidade e responsabilidade: não se identifica um condutor, …o auto deve ser levantado em nome de quem legitimamente se presume que o conduzia.

O autuado é que pode, se assim o entender, nos termos do nº 3 do artº 171º, e no prazo concedido para a defesa, identificar pessoa distinta como autora da contra-ordenação, sendo então o processo suspenso e sendo instaurado novo processo contra a pessoa identificada como infractora. Nada mais simples, e só no caso de se verificar que o titular do documento de identificação é uma pessoa colectiva é que esta é demandada para proceder à identificação do condutor, diferença esta, relativamente às pessoas singulares, que bem se compreende, quer porque as pessoas colectivas não conduzem, quer porque, regra geral, elas têm várias pessoas como potenciais condutores.

A questão que se põe é a da oportunidade da reacção à autuação, isto é, até quando pode o autuado dizer que não foi ele a cometer a infracção e identificar pessoa diferente, como a lei prevê? O que levanta outra questão, qual é a de se saber se o autuado tem mesmo que identificar outra pessoa como autora da infracção.

Começando por esta última, tem que se dizer que é esse exactamente o espírito da lei, pressupondo o legislador que o titular do documento de identificação do veículo tem a “sua direcção efectiva”, isto é, tem o domínio da viatura, e está habilitado a saber, ou a apurar, quem é que naquela data a utilizou e a que título, reservando-lhe até a lei (cfr. artº 135º,nº 4 do C.E.) a hipótese de vir demonstrar que houve utilização abusiva.

Ora, assim sendo, nos casos em que, por quaisquer e variadas razões - a venda é apenas uma delas -, a viatura não está na posse do titular inscrito, é óbvio que este não pode indicar quem foi o condutor, autorizado ou abusivo, limitando-se, como o aqui arguido fez, e bem, a dizer: não era eu quem, no momento da infracção, conduzia o veículo.

E é este facto que se lhe é obrigado a conhecer e que aqui se não conheceu, violando-se, além do mais, o direito de defesa, violação esta de um direito constitucional (cfr. artº 32º, nºs 1 e 10 da C.R.P.) e que, processualmente, é muito mais relevante do que qualquer nulidade, mesmo das insanáveis.

O arguido, em rigor, não vem usar da faculdade prevista no artº 171º, nº 2: o que ele vem fazer é, simplesmente, dizer que não era ele quem conduzia o veículo e esse facto devia, indiscutivelmente, ser conhecido e ponderado.

É certo que o arguido também acrescenta que vendera a viatura em Fevereiro e que formalizara a venda no dia anterior ao da infracção, identificando o comprador, mas também é verdade que em lado algum identifica o condutor, pois esse facto lhe desinteressa e apenas, conhecido e ponderado o facto essencial que alega - que não era ele o condutor -, pode o demais interessar ao Ministério Público para, nos termos dos artºs 241º e ss. do C.P.Penal, requerer certidão para novo procedimento contra quem entender.

Imagine-se, de facto, que o Tribunal se convence, por prova testemunhal e/ou documental, de que o infractor não foi o arguido. Está, simplesmente, a julgar aquele caso, onde lhe é dito que não era o ali arguido quem conduzia o veículo e disso - nada demais! - se convence: em tal caso, e porque houve um infractor, o principal suspeito é a pessoa a quem o dito veículo foi vendido, pelo que cabe ao Ministério Público promover novo processo, na tentativa de averiguar quem foi o verdadeiro condutor.

E vistas assim as coisas, está resolvida e superada a questão que o Mmº Juiz identificou - se pode, posteriormente, impugnar judicialmente a decisão administrativa que contra ele venha a ser proferida, identificando o condutor do veículo em causa ou diferente proprietário, embora não inscrito -, verificando-se, pois, um erro patente, já que se considerou, ao contrário do que resulta da impugnação, quer que o arguido indicou o condutor, quer que usou da faculdade prevista no citado artº 171º, nº 3.

E também assim vistas as...

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