Acórdão nº 1481/06 - 1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelCRUZ BUCHO
Data da Resolução02 de Outubro de 2006
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães:*I- Relatório No 4º Juízo Criminal de Braga, em processo sumaríssimo (n.º3207/05.0PBBRG), o Ministério Público requereu a aplicação ao arguido L… de uma pena (25 dias de multa à taxa diária de €5) pela prática de um crime de ameaças previsto e unível pelo artigo 153º do Código Penal.

Em 18 de Abril de 2006, logo após o inquérito ter sido remetido à distribuição, foi proferido o seguinte despacho, a fls. 25: “Questão prévia: “Conforme resulta de fls.18, o ofendido J… declarou que não lhe foi possível identificar testemunhas ou os indivíduos referidos nos autos. Mais declarou que prescinde do procedimento criminal contra os respectivos autores e de ser ressarcido dos seus prejuízos.” “Trata-se de uma desistência de queixa, válida e tempestivamente apresentada.” “O arguido L… já declarou a fls. 13 verso, in fine, não se opor à desistência da queixa.” “Pelo exposto, considero relevante a declaração de desistência de queixa e, nos termos do disposto no artigo 116°, n.º 2, do C.P. e 51°, n.º 2, do C.P,P., homologo-a, ordenando o oportuno arquivamento dos presentes autos.

“Sem custas.

“Notifique.”*Inconformado com tal decisão, o Ministério Público interpôs recurso, onde apresenta as seguintes conclusões: “A expressão: Que prescinde do procedimento criminal contra o(s) respectivo(s) autor(es), caso lhe(s) venha a ser imputada responsabilidade sobre os factos denunciados e, ser ressarcido(a) dos seus prejuízos, proferida por queixoso em processo por crime semi-público não indica que desiste da queixa mas antes que o fará se for ressarcido dos prejuízos.

Pelo que ao homologar a desistência de queixa que não existiu o Meritíssimo Senhor Juiz violou o disposto nos artigos 116º 2 e 153º do Código Penal e 48º e 51º do Código do Processo Penal.

Termina pedindo que o despacho recorrido seja substituído por outro que mande notificar o arguido do conteúdo do requerimento do Ministério Público.

*Admitido o recurso com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo, não foi apresentada qualquer resposta pelo arguido apesar de notificado nos termos do artigo 411º, n.º5 do CPP Neste Tribunal o Exmo Sr. Procurador- Geral Adjunto emitiu parecer desfavorável ao provimento do recurso.

*Foram colhidos os vistos legais.

*II - Fundamentação 1. A primeira questão a analisar e decidir consiste em interpretar a seguinte declaração plasmada no auto de fls 18: “Que prescinde do procedimento criminal contra o(s) respectivo(s) autor(es), caso lhe(s) venha a ser imputada responsabilidade sobre os factos denunciados e, ser ressarcido(a) dos seus prejuízos.” Ora, lendo e relendo aquele auto, a primeira e decisiva conclusão é a de que a frase em questão, ali exarada, é uma frase ambígua, mal construída do ponto de vista gramatical de tal forma que, para além de constituir um atentado à língua de Camões, é susceptível de comportar duas interpretações distintas, plenas de significado processual.

Por isso que careça de ser devidamente interpretada É sabido que a desistência de queixa constitui uma declaração de vontade de não prossecução do procedimento criminal contra as pessoas denunciadas, traduz o desejo do ofendido fazer cessar o procedimento criminal, constituindo, por conseguinte, um acto jurídico (artigo 295º do Código Civil).

Por isso, como qualquer outro acto jurídico, aquela declaração deve valer com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (art. 236º do Código Civil; no sentido da aplicabilidade deste normativo a actos não negociais ex vi do citado artigo 295º, cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Processo Civil, 2ªed, Lisboa, 2000...

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