Acórdão nº 76/08.2TAMLG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Novembro de 2010

Data11 Novembro 2010

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: --- I.

RELATÓRIO.

--- Nestes autos de processo comum, com julgamento em Tribunal Singular, o Tribunal Judicial de Melgaço, por sentença datada de 18.03.2010, depositada no mesmo dia, condenou a arguida Pureza P...

, além do mais, --- · “Da prática de um crime de furto qualificado previsto nos arts. 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, al. a), do Código Penal, em conjugação com o disposto no art. 202.º, al. b), do C.P., na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na execução por igual período (art. 50.º, n.º 5 do CP), com a condição de a arguida pagar a quantia de 53.931,85€ (cinquenta e três mil, novecentos e trinta e um euros e oitenta e cinco cêntimos), montante peticionado no pedido cível, à Herança aberta por óbito de Eduardo P..., aqui lesada e representada pelos seus únicos e universais herdeiros que são Patrícia P..., Manuel P... e Olivério P..., no prazo de 1 mês, a contar do trânsito em julgado da presente decisão, e a comprovar nos presentes autos”; --- · A pagar à herança aberta por óbito de Eduardo P... “a quantia de 53.931,85€, acrescidos de juros de mora legais, contados desde a citação da demandada até integral pagamento”. --- Dos recursos para a Relação.

--- Inconformada com a referida decisão, em 20.04.2010 a arguida dela interpôs recurso para este Tribunal, concluindo a respectiva motivação nos seguintes termos (transcrição): --- “ 1. Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, aliás, documentada, não se pode concluir que esteja preenchido o elemento do tipo legal de furto qualificado por que a arguida foi condenada que se traduz na ilegítima intenção de apropriação, na vontade intencional de se apropriar do dinheiro.

  1. Existem, por isso, pontos de facto, da douta sentença, incorrectamente julgados, o que desde logo impõem uma alteração da matéria de facto.

  2. Considera a recorrente que mal andou o tribunal ao dar como provado os factos elencados em 6, 10, 13, 14, que serviram para o Tribunal a quo considerar preenchido o elemento do tipo legal de furto de ilegítima intenção de apropriação.

  3. Devendo, portanto estes factos, ou a matéria de facto que versa sobre a intencionalidade de apropriação ser retirada da matéria de facto dada como assente.

  4. A própria arguida nega a intenção de apropriação e justifica essas transferências com a necessidade de colocar o dinheiro a render, tal como tinha feito a vida toda, além de que a justificação que a mesma refere de que ainda não devolveu o dinheiro aos sobrinhos porque eles não se dirigiram a ela para fazer contas por ter tratado do irmão. Não sendo exigível que fosse ela a contactar os sobrinhos se estes nunca a contactaram nem quiseram saber do pai (facto elencado em 18).

  5. O depoimento da arguida, conjugada com a restante prova constante do processo, mormente do depoimento da testemunha Pureza E..., do irmão Armindo P..., apenas podia ser valorado no sentido de afastar o elemento do tipo que se traduz na ilegítima intenção de apropriação de modo que mal andou o tribunal ao dar como provado os factos elencados em 6, 10 e 13 da matéria assente.

  6. O depoimento da arguida podia e deveria ser valorado no sentido de que a arguida não sabia que ao fazer as transferências do dinheiro agia contra a lei.

  7. Não é ao depoimento da Assistente, e seus irmãos, todos demandantes civis, com especial interesse na causa e da mãe destes últimos (também com particular interesse na causa) que o Tribunal poderia recorrer para concluir pela ilegítima intenção de apropriação do dinheiro por parte da arguida.

  8. O Tribunal não se poderia socorrer das suas declarações dos filhos do falecido Eduardo P... e Demandantes civis para dar como assente a ilegítima intenção de apropriação, porque nos termos do artigo 133 do CPP as partes Civis estão impedidos de depor como testemunhas.

  9. Além de que depoimento de todas estas pessoas na parte em que estes explicam como souberam do dinheiro e os procedimentos que tomaram (constante da douta motivação) não serve para provar que ao fazer as transferências.

  10. E o depoimento da assistente a Patrícia P... e o irmão Manuel P..., na parte em disseram que vieram ao funeral do pai a Portugal, e que a tia/arguida nunca foi ter com eles a pedir-lhes o que é que quer que seja, ou a informá-los da existência das contas bancárias”, importa ter presente, conforme resulta dos seus depoimentos que os mesmos não se viam há mais de 10 anos e que os sobrinhos não foram ter com ela.

  11. Não é á arguida que se pode censurar o comportamento de não se aproximar dos sobrinhos e lhes contar do dinheiro. E pretender ver neste comportamento um justificativo da intenção de apropriar-se daquele dinheiro. Pelo contrário, é sim de censurar o comportamento da Assistente e do irmão que vieram ao funeral, e não obstante estar de relações cortadas, não se dirigir à tia (arguida) a agradecer o facto de ter cuidado do pai.

  12. Da matéria de facto assente ou até da matéria de facto constante da acusação não consta que a arguida tenha sido interpelada directamente pela assistente ou por qualquer um dos demandantes civis ou pela mãe destes e que esta tenha negado a existência do dinheiro. Apenas se fazendo referencia a tal facto na douta motivação da matéria de facto.

  13. Esta suposta negação por parte da arguida serviu para a Meritíssima juiz criar a sua convicção de que a arguida Pureza ao fazer as transferências do dinheiro o fez com a intenção de se apropriar do referido dinheiro.

  14. O Tribunal deveria ter ignorado as declarações da assistente e das restantes testemunhas nesta parte (vide transcrição de depoimentos) pois trata-se de um depoimento indirecto, em que as testemunhas não relatam factos vividos por si, mas relatam factos que lhe foram contados por outra pessoa, designadamente o Ex.mo senhor advogado das partes civis, interveniente no próprio julgamento.

  15. E como este não pode depor em tribunal, aquele depoimento daquelas pessoas nesta parte não pode ter valor algum, nos termos nos termos do artigo 130.º, n.º 1, do CPP. Constituindo esses depoimentos nessa parte prova não legal nos termos do artigo 129.º do CPP.

  16. Do depoimento das testemunhas Anabela G... e Aprígio C... apenas poderemos chegar à conclusão que a arguida não informou a funcionária bancária ou ao Instituição bancária que o irmão tinha falecido. O que apenas o poderá servir para prova do elemento da subtracção. Mas nunca do elemento de ilegítima intenção de apropriação.

  17. A valoração que a Sr.ª Juiz fez do depoimento da testemunha Pureza E... viola as regras máximas comuns da lógica e da experiência comum. Violando assim o principio da livre apreciação da prova, pois que a testemunha era vizinha de toda a vida da arguida e do falecido, e depôs de forma credível e verosímil; relatando ao tribunal um episódio por si vivido, não, nos últimos tempos de vida do falecido, mas quando logo a seguir ao mesmo regressar de França e logo após ser acolhido pela irmã Pureza.

  18. Ao socorrer-se do depoimento da testemunha José E... para prova do tipo legal de crime de furto que lhe era imputado e mormente do elemento do tipo de ilegítima intenção de apropriação, a Meritíssima Juiz socorreu-se de prova ilegal, pois que esta testemunha foi apenas indicada pelos Demandantes para prova dos factos justificativos do pedido de indemnização por ele formulados.

  19. No entanto a ser válido este depoimento (vide transcrição) o mesmo nenhuma credibilidade deveria ter merecido ao tribunal por também ele estar desprovido de lógica e violar as regras máximas da experiência comum, pois que é de todo em todo improvável e inverosímil que estando o falecido internado num centro de desintoxicação, com uma saúde debilitada, que morre 5 ou 6 dias depois venha de Santarém passa pelo Porto e vem a Melgaço, precisamente para falar com aquela testemunha.

  20. Do depoimento do demandante civil Manuel P... e do depoimento da arguida resulta que deverá ser alterada a matéria de facto no sentido de que a irmã Pureza pagou o funeral do irmão.

  21. Existe pois erro de julgamento por parte da Meritíssima juiz ao dar como provados os factos elencados em 6, 10, 13, 14, pois que além de violar o princípio da livre apreciação da prova inserto no artigo 127 do CPP, violou ainda os normativos legais dos artigos 129 e 133 do C.P.P, servindo-se de meios de prova de que não se poderia servir para formar a sua convicção.

  22. O que necessariamente redundará na falta de preenchimento de todos os elementos do tipo legal de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203, n.° 1, 204, n.° 2 al. a) do C.P e a consequente absolvição da mesma, como se requer.

    Sem prescindir 24. Os factos imputados à arguida serão susceptíveis de integrar, não o crime de furto, mas antes o tipo legal de abuso de confiança, pois que neste caso a suposta apropriação sucede à posse ou detenção, na medida em que a arguida por causa da autorização que detinha de movimentar o dinheiro da conta do irmão, sempre esteve na posse do dinheiro, ou na livre disponibilidade de utilizar o dinheiro.

  23. Assim e porque o Tribunal da Relação conhece de direito impõe-se alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, dando ainda cumprimento ao disposto no artigo 358, n.° 3 do C.P.P 26. Além do que supra se disse quanto à não prova do elemento da intenção de apropriação, dir-se-á que no crime de abuso de confiança a consumação do mesmo corre com o acto de inversão do titulo de posse que ocorre precisamente com a negação de restituição da coisa, após interpelação que não consta da matéria de facto assente.

  24. Mesmo que se entenda que essa interpelação foi feita, não será suficiente para considerar verificado o elemento do tipo legal de crime de apropriação ilegítima, pois existe fundamento legal e motivo razoável para que a arguida se recuse a entregar o dinheiro simplesmente quer que estes façam contas com ela designadamente lhe paguem o dinheiro que esta gastou com o irmão.

  25. Do exposto resulta que em caso de se...

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