Acórdão nº 5721/06.1TBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Novembro de 2010

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA DUARTE
Data da Resolução16 de Novembro de 2010
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO «B..» intentou contra «Companhia de Seguros C..» acção com a forma de processo ordinário em que pede a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 75.000,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos em virtude do furto de um seu veículo que se encontrava seguro na ré, quantia essa acrescida de juros e da quantia que vier a ser liquidada, pela privação do uso do veículo, à razão de € 300,00 por dia.

Contestou a ré aceitando a existência do contrato de seguro mas invocando a nulidade do mesmo em virtude da omissão de factos relevantes para a aceitação do seguro, por parte do segurado e por o veículo não poder circular á data da celebração do contrato, não se verificando qualquer risco susceptível de segurar. Relativamente ao pedido de indemnização por privação de uso, esclarece que colocou à disposição da autora uma viatura de substituição nos 60 dias posteriores à participação.

Replicou a autora para manter o já alegado.

Elaborado despacho saneador e fixada a matéria de facto assente e a base instrutória, realizou-se o julgamento, tendo sido proferida sentença onde se julgou a acção improcedente, absolvendo a ré do pedido.

Discordando da decisão, veio a autora interpor recurso, que foi admitido como sendo de apelação, com efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso, formulou a autora as seguintes Conclusões: 1. Há uma contradição entre a matéria de facto dada como provada e a respectiva fundamentação.

  1. Se o tribunal considera na sua fundamentação que o mediador de seguros da Autora, que celebrou o contrato tinha conhecimento do sinistro anterior e da perda total do veículo, não podia ter dado como provado que esses factos foram omitidos à Ré.

  2. Pois de acordo com o Decreto-Lei nº 144/2006 de 31 de Julho (regime da mediação de seguros) no seu preâmbulo: «o agente de seguros exerce a actividade de mediação de seguros em nome e por conta de uma ou mais empresas de seguros, nos termos do contrato que celebre com essa ou essas empresas de seguros, podendo receber prémios ou somas destinados aos tomadores do seguro, segurados ou beneficiários (…) como contrapartida da inteira responsabilidade das empresas de seguros no que respeita à mediação dos respectivos produtos, confere-se-lhes a competência para a verificação do preenchimento dos requisitos de acesso pelo candidato a mediador (…) Encontra-se fundamentada, deste modo, a pretensão subjacente ao novo enquadramento jurídico da actividade de mediação de seguros de contribuir efectivamente para o aumento da profissionalização, para a transparência na actuação dos mediadores face aos tomadores de seguros, sobretudo pela consciencialização destes quanto ao tipo de vínculo que liga o mediador à empresa de seguros, para a efectiva responsabilização das empresas de seguros pela actividade que é exercida em seu nome e por sua conta e, como resultado de todos estes aspectos, para que a actividade de mediação constitua verdadeiramente uma mais-valia no âmbito do mercado segurador».

  3. A considerar correcta a linha de orientação da sentença, então o contrato não seria nulo, mas verdadeiramente inexistente, por falta de declaração de vontade da Autora perante a Ré (pois apenas fez declarações perante o mediador), e a Ré nunca colocou em causa a existência do contrato.

  4. Portanto a decisão proferida, além de contraditória, é ilegal, por violação daqueles normativos.

  5. Salvo melhor opinião, isso basta para que se altere a decisão proferida em consonância com o alegado pela recorrente, pois resulta da própria fundamentação da sentença, conjugada com as regras legais expostas e ainda com as regras da experiência, que não está preenchido o requisito essencial para anulação do contrato de seguro – a omissão de factos pela Autora à Ré.

  6. Sucede que, para além disso, da prova testemunhal e documental produzida resulta que a Autora celebrou o contrato de seguro através do mediador da Ré e que este sabia e conhecia o historial do veículo – nomeadamente o sinistro anterior – e vistoriou o mesmo concluindo pela sua habilitação para ser celebrado tal contrato.

  7. Foi demonstrado que a Autora prestou toda a colaboração ao mediador – que actuou em representação da seguradora – e com quem teve todos os contactos em vista à celebração do seguro e que lhe comunicou todos aqueles factos.

  8. As declarações prestadas perante o mediador são vinculativas como se fossem prestadas perante a seguradora, como os pagamentos feitos ao mediador são considerados como se fossem pagos à seguradora (cfr. art. 42º do Decreto-lei n.º 144/2006 de 31 de Julho) – sob pena de ficar vazia de conteúdo a actividade de mediador, prevista expressamente na lei (veja-se o preâmbulo daquele diploma a que se aludiu anteriormente).

  9. É esse também o sentido expresso das actuais soluções legais, nomeadamente no art. 24º n.º 3 d) do Decreto-lei n.º 72/2008 de 16 de Abril.

  10. Não foi demonstrado que a Autora tenha omitido qualquer facto em questionário ou na proposta de seguro automóvel feita perante o mediador da Ré, com conhecimento deste e mediante vistoria ao veículo.

  11. A proposta de seguro foi preenchida pelo mediador da ré que angariou o seguro e a Autora limitou-se a responder a todas as solicitações que lhe foram feitas, o que fez com verdade, e, igualmente, limitou-se, apenas, a assinar onde aquele mediador da ré lhe indicou que assinasse.

  12. Nessa medida a Ré não logrou demonstrar que tivesse sido omitido qualquer facto, como seria do seu ónus, por ser facto impeditivo da validade do contrato (art. 342º do C.C.).

  13. Portanto deve ser alterada a resposta dada ao quesito 11º, para NÃO PROVADO.

  14. Não existindo qualquer ocultação por parte da Autora, não está prevista a estatuição do art. 429º do Cód. Comercial e portanto, não se pode considerar anulado o contrato.

  15. Não poderia ter sido dado como provado que a Ré rejeitaria o contrato caso soubesse tais factos, porque, desde logo eles não foram omitidos.

  16. Ficou provado que o veículo foi totalmente reparado, estava em condições de circular, tendo sido vistoriado e tendo passado na inspecção obrigatória, portanto não havia qualquer razão para que a Ré se recusasse à celebração do contrato de seguro.

  17. O estado do veículo foi pessoalmente verificado pelo mediador de seguros, que fez constar esse facto da proposta de seguro que consta dos autos.

  18. Os factos que a Ré alega em nada contrariam essa conclusão, pois foi demonstrado que o veículo foi recuperado com sucesso, e a Ré não provou que após a reparação não tivesse o valor pelo qual foi seguro.

  19. O artigo 429º do Código Comercial constitui um afloramento do erro vício da vontade: o erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, torna este anulável (…), desde que o declaratório conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro (artigos 251º e 247º do Código Civil).

  20. A Ré não alega nem demonstra – bem pelo contrário – que a Autora conhecia a essencialidade para a Ré, do elemento sobre o qual alegadamente incidiu o erro, o que sempre seria necessário para a procedência da sua pretensão (ver o acórdão da Relação de Guimarães de 10.07.2008, processo 1120/08-2) in www.dgsi.pt: I – A invalidade do contrato de seguro estabelecida no art. 429º do Cód Comercial é hoje geralmente qualificada como anulabilidade e sujeita ao respectivo regime legal. II – Constituindo o artigo 429º do Código Comercial um afloramento do erro vício da vontade, é mister que tal erro seja essencial e ambas as partes tenham aceite e reconhecido essa essencialidade. III – Resulta do teor do artigo 429º do Código Comercial que não é qualquer declaração inexacta ou reticente que desencadeia a possibilidade de anulação do seguro: tem de se tratar de declarações inexactas ou reticentes quanto a factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro no momento da subscrição da proposta contratual e que teriam podido influir sobre a existência ou as condições do contrato. IV – Por outro lado, terá de haver nexo de causalidade entre as alegadas declarações inexactas ou factos omitidos e a verificação do risco coberto pelo contrato de seguro, para que haja lugar à consideração da invalidade do contrato.

  21. A Ré não poderia anular o contrato por não se ter demonstrado que tais factos impediriam a celebração do contrato por parte da Ré e que a Autora sabia esse facto.

  22. A Alegada relevância ou essencialidade do conhecimento de factos geradores de uma nulidade do contrato de seguro teria que ser determinado com um juízo de prognose ex ante.

  23. E se era condição essencial então deveria ser questionado antes da celebração do seguro (no questionário/proposta de seguro), e deveriam ter sido dadas instruções nesse sentido ao mediador de seguros para averiguar esses factos (Ver Ac. da Relação de Guimarães de 23-10-2002: I - Se a Seguradora pretende que a sua responsabilidade esteja excluída quando o transportador que utilize um veículo automóvel não o deixa aparcado em lugar vedado ou vigiado, quando o respectivo motorista tem de passar a noite num estabelecimento hoteleiro, deve fazer constar da apólice uma cláusula nesse sentido e deve comunicá-la, de forma clara, ao tomador do seguro. II – Impendendo sobre o tomador do seguro a obrigação de declarar os factos e circunstâncias que tenham influência sobre o contrato de seguro, essas declarações são, normalmente, as que resultam da resposta às perguntas que a seguradora, em regra, inclui no questionário integrado ou anexo ao impresso de proposta de seguro. III - Sendo a Seguradora a parte economicamente mais forte e melhor habilitada do ponto de vista técnico deve fornecer ao tomador do seguro um questionário o mais exaustivo possível, dentro do tipo de seguro que este pretende celebrar. IV – Se a Seguradora não fornece ao tomador do seguro qualquer questionário sobre as...

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