Acórdão nº 1356/09.5TBFLG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Outubro de 2010
Magistrado Responsável | CONCEIÇÃO SAAVEDRA |
Data da Resolução | 07 de Outubro de 2010 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães.
I- Relatório: A…. B….
e C…., vieram propor contra D….Lda., acção declarativa de condenação sob a forma ordinária, pedindo, em síntese, que seja verificado o incumprimento pela Ré do contrato promessa de compra e venda que os AA. com a mesma Ré celebraram, em 2.5.02, respeitante a fracção autónoma destinada a habitação, sita no Lugar de G..., Felgueiras, sendo ainda proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial da Ré faltosa, operando-se a transmissão do prédio para os AA. e ordenando-se o cancelamento de quaisquer registos efectuados na C.R.P. respectiva em nome da Ré. Referem, para tanto, que aquela Ré incumpriu o referido contrato promessa ao não entregar aos AA. a documentação necessária à celebração da escritura pública, como fora acordado, protelando a realização mesma e não tendo comparecido no dia, hora e Cartório Notarial onde os AA. haviam agendado a realização daquele contrato definitivo, para o qual convocaram a Ré mediante notificação judicial avulsa.
A Ré, regularmente citada, não contestou, pelo que se consideraram confessados os factos articulados pelos AA., sendo cumprido o art. 484, nº 2, do C.P.C., e tendo os AA. apresentado alegações que concluem como na petição inicial.
Seguidamente, foi proferido despacho (em 23.11.09 – fls. 34) que ordenou a junção aos autos pelos AA. da licença de utilização respeitante à fracção prometida vender. Perante a resposta dos AA. de que tal documento jamais lhes fora entregue pela Ré, foi proferido novo despacho (em 17.2.2010 – fls. 38) no mesmo sentido, alertando, designadamente, os AA. para o facto de que se a mesma licença já tivesse sido emitida a estes competiria obter a correspondente cópia junto da Câmara Municipal.
Em 2.3.2010 (fls. 41/39), vieram os AA. requerer a prorrogação de prazo por forma a apurarem junto da Câmara Municipal de Felgueiras se a referida licença existe ou não.
Concedido um novo prazo (fls. 42), vieram os AA. (em 24.3.2010 – fls. 44/43), informar “que não foi possível obter a licença de habitação do imóvel”.
Seguidamente, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré com o seguinte fundamento: “... numa acção de execução específica, como a presente, o Tribunal substitui-se ao promitente vendedor na emissão da respectiva declaração negocial. Pelo que está na mesma posição do declaratário em falta. Logo, se o promitente vendedor não pode emitir a declaração de venda por falta de um requisito legal obrigatório como a licença de utilização, o Tribunal também não. Pretender o contrário seria defraudar a norma transcrita e a vontade do legislador.” Inconformados, os AA. recorreram da sentença, apresentando as respectivas alegações que culminam com as conclusões a seguir transcritas: “ 1) Salvo melhor opinião e o devido respeito, não andou bem o Mmo. Juiz a quo, ao julgar a acção improcedente por falta de licença de utilização, absolvendo a Ré da instância.
2) A decisão do Mmo. Juiz a quo, absolveu a Ré do pedido, negando aos autores o direito à execução específica do contrato promessa de compra e venda, com o fundamento da inexistência de licença de utilização, que só a ré - construtora, proprietária e promitente vendedora - poderia obter. Ao faze-lo, violou-se o regime legal de execução específica consagrado no artº 830º nº 1 do CC e o princípio de direito processual da correspondência entre o direito e a acção – vide neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça página 1 de 4 in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d4d3699ce8f11d1e8... 14-12-2005 - consagrado no artº 2º nº 2 do Código de Processo Civil.
3) Salvo o devido respeito e melhor opinião, sem fundamento legal e contra o regime legal aplicável, o Mmo. Juiz a quo faz impender sobre os autores, adquirentes/transmissários do direito de propriedade o ónus que por lei pertence ao construtor e ou ao proprietário transmitentes, nos termos do artº 53º nº 1 do DL 555/99 e 26º nºs 1, 4 e 6 do Decreto Lei nº 445/91, na redacção do DL 250/94.
4) Aliás, tal solução que decorre da errada qualificação da norma do artº 1º nº 1 do Decreto Lei nº 281/99 como possuindo natureza imperativa, quando a preocupação do legislador foi a de não inviabilizar a transmissão da propriedade, garantindo embora limites mínimos de segurança no tráfico jurídico, enquanto se procedesse a reflexão mais aprofundada.
5) Assim, ao julgar imperativa a norma do artº 1º nº 1 do Decreto Lei nº 281/99, o Mmo. Juiz a quo eliminou o direito de execução específica de que os autores são titulares, nos termos do regime consagrado no artº 830º nº 1 do Código Civil, violando ambas as disposições legais.
6) De facto, salvo o devido respeito, justificava-se a procedência da acção, não apenas pelo facto de a Ré não ter contestado, o que só por si implicava a confissão dos factos articulados pelos AA, como pelo facto de não puder ser imputado aos AA., a falta de licença de utilização.
7) Salvo o devido respeito, estar a onerar os AA., com uma responsabilidade que não possuem, impedindo-os de obter uma sentença favorável numa acção não contestada é no mínimo uma flagrante violação da garantia Constitucional de acesso aos Tribunais consagrado no artigo 20º da Constituição da Republica Portuguesa.
8) A decisão recorrida violou o estatuído no artigo 2º do Código de Processo Civil, artigo 830º do Código Civil e artigo 20º da Constituição da Republica Portuguesa.” Pede que seja revogada a sentença e proferida outra que considere a acção procedente.
Não houve contra-alegações.
O recurso foi adequadamente admitido como de apelação, com subida imediata nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo.
Remetidos os autos a esta Relação, vieram os AA., em 13.9.2010, a fls. 80 a 82, requerer a junção aos autos de cópia certificada pelo ilustre mandatário do “alvará de autorização de utilização nº 424/05”, referindo: “... tendo conseguido descobrir, ainda que após muita insistência junto dos serviços Camarários, a existência de licença de utilização, que afinal já datava de Setembro de 2005...”.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*** II- Fundamentos de Facto: A decisão da 1ª instância fixou como provada a seguinte factualidade: 1. A ré exerce com intuito do lucro e na respectiva sede social a actividade de construção e comercialização de imóveis.
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No âmbito do respectivo objecto social, a ré que era possuidora de uma fracção autónoma destinada a habitação, sita no lado direito do prédio, composto de cave, rés-do-chão e andar com logradouro, designada pela letra “D”, sito no lugar de G..., concelho de Felgueiras, 3. Descrito na Conservatória do Registo Predial de Felgueiras sob o nº 0.... – D/V... e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 3...º-D/ V..., 4. No dia 2.5.2002, celebrou com os autores, um contrato promessa de compra e venda, mediante o qual aqueles prometeram comprar e a ré representada pelos seus sócios gerentes M…. e N……., prometeu vender, livre de...
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