Acórdão nº 8081/08.2TBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelMANSO RAINHO
Data da Resolução21 de Outubro de 2010
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães: A e mulher B intentaram, pelo Tribunal Judicial de Braga, acção com processo na forma ordinária contra C, peticionando que: I) se profira sentença que declare transferido para a ré o direito de propriedade sobre a fracção que identificam, pertença dos autores, em execução específica da promessa de compra e venda celebrada entre as partes; II) se condene a Ré a pagar aos autores o remanescente do preço ajustado pela transmissão e ainda pendente de pagamento, que ascende a €45.000,00, acrescido de juros de mora; III) se condene a Ré a pagar aos Autores a quantia a liquidar subsequentemente correspondente a todos os prejuízos que a estes advieram da falta de cumprimento atempado do negócio e de pagamento do preço ainda em falta.

Alegaram para o efeito, em síntese, que prometeram vender à Ré e esta prometeu comprar-lhes a fracção autónoma que identificam. Sucede que a Ré, ao invés de cumprir a promessa a que se vinculou, desistiu culposamente da celebração do contrato prometido, resolvendo ilicitamente o contrato promessa por suposta alteração anormal das circunstâncias que determinaram a decisão de contratar. Tal comportamento confere aos demandantes o direito a ver executada especificamente a promessa e a receber da Ré o remanescente do preço. Por outro lado, o comportamento da Ré causou aos Autores prejuízos, que a Ré deverá reparar.

Contestou a Ré, concluindo pela improcedência da acção.

Disse, em síntese, que ficou entretanto desempregada, alterando-se desse modo anormalmente as circunstâncias em que contratou, razão pela qual tem direito a resolver o contrato e a não cumprir a promessa. Mais deduziu reconvenção, peticionando a declaração da ineficácia do contrato promessa ou a declaração de resolução do mesmo contrato e, em qualquer dos casos, a condenação dos Autores na restituição do sinal que prestou.

A final foi proferida sentença que julgou improcedentes a acção e a reconvenção.

Inconformados com o assim decidido, apelam os Autores.

Da respectiva alegação extraem as seguintes conclusões: 1ª- Com o presente recurso pretende-se, também, a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, que se impugna, concretamente no que se reporta ao quesito 30º da Base Instrutória, que antes deveria ter sido dado como “Não provado”; 2ª- E tal resposta negativa defende-se porquanto nenhuma prova resultou ou foi produzida nos autos, fosse documental, testemunhal ou outra, que permita dar como provada tal matéria.

3ª- Na fundamentação que conduziu à improcedência da acção, o tribunal “a quo” parte de dois pressupostos que se crêem de todo em todo errados, ou seja, de um lado, o de que a ré procedeu à resolução do contrato-promessa de compra e venda que havia celebrado com os autores, e, do outro lado, o de que tal resolução é válida e eficaz, operando os seus efeitos por mera declaração unilateral de uma das partes, desde que levada ao conhecimento da outra parte, e mesmo que sem a autorização desta última.

4ª- Do clausulado em “Quinto”, “Sexto” e “Décimo” do contrato-promessa de compra e venda dado à execução específica, clausulado esse que foi dado como assente e/ou provado na sentença recorrida, ressalta, desde logo, que foi fixado, consensualmente, pelas partes contratantes, um prazo máximo para a celebração da escritura, de cuja marcação, e subsequente aviso aos promitentes vendedores ficou a ré incumbida, em consequência do que desnecessária se tornaria a efectivação de qualquer interpelação admonitória para cumprimento.

5ª- Depois, a única condição ajustada entre as partes para a validade e produção de efeitos do contrato-promessa foi a consecução, por parte da ré, junto de uma instituição bancária, do necessário financiamento para a aquisição do imóvel, leia-se, para pagamento da parte do preço ainda em falta e a pagar na data da escritura – 45.000,00 euros.

6ª- A ré/apelada conseguiu, sem margem para dúvidas, tal financiamento bancário, 7º- O que resulta do facto de o cheque que ficou nas mãos da imobiliária/mediadora, a título de sinal e princípio de pagamento do preço, e que apenas seria depositado após a elaboração dos registos provisórios (elaboração de registos que postulam a prévia aprovação ou pré-aprovação do empréstimo), veio, de facto, em 10 de Julho de 2008, a ser depositado na conta bancária dos promitentes-vendedores e ora autores/apelantes; 8ª- E o que resulta também, expressamente, dos documentos nºs 3 e 4, pela própria ré juntos com a sua contestação, donde promana que a instituição bancária B.P.I. aprovou ambos os empréstimos que a ré junto dela havia solicitado, um dos quais, no valor de 47.500,00 euros, se destinava ao pagamento do preço da fracção objecto da promessa de transmissão; 9ª- Factualidade que, aliás, consta também dos Factos que, como provados, se encontram elencados na sentença em análise, concretamente sob os pontos “11º” e “12º” (resposta aos quesitos 3º e 4º da Base Instrutória).

10ª- De resto, é de salientar que, conforme confessou, quando ouvida em depoimento de parte, e conforme também consta dos Factos Provados (v. resposta ao quesito 12º da Base Instrutória), a ré tomou conhecimento do seu despedimento no início do mês de Junho de 2008 e de pronto comunicou ao B.P.I. essa sua nova situação laboral, e, não obstante o conhecimento desse facto, aquela instituição bancária aprovou-lhe as operações de financiamento, muito depois até, como se viu, desse momento temporal de inícios de Junho de 2008, 11ª- O que deita definitivamente por terra a argumentação da ré/apelada, no sentido de que aquela instituição bancária apenas lhe aprovou aqueles empréstimos no pressuposto de que a ré estivesse empregada e a auferir o salário de 1.563,66 euros/mês; 12ª- E, se dúvidas ainda subsistissem neste particular, todas elas ficariam dissipadas face à resposta que mereceu o quesito 29º da Base Instrutória, isto é, foi a própria ré que, de sua livre e espontânea vontade, desistiu do recurso ao crédito bancário; 13ª- Saliente-se também que a cessação do contrato de trabalho entre a ré e a então sua entidade patronal aconteceu por mútuo acordo (e não, como a mesma vem alegar, de forma involuntária ou mesmo contra a sua vontade), como resulta do documento nº 4, junto com a petição inicial, que é inequívoco a assinalar a subscrição de um “Acordo de Revogação do Contrato de Trabalho”.

14ª- Por outro lado a ré não ficou, por força da cessação do seu contrato de trabalho, numa situação financeira ou económica pior do que aquela que tinha antes, pois que, se antes recebia, de salário mensal, 1.563,66 euros, depois da cessação a ré passou a receber, de prestação mensal ou subsídio de desemprego, a quantia mensal de 1.800,00 euros; 15ª- Atente-se em que só nos vinte meses a cujo recebimento do subsídio de desemprego teve direito, a ré recebeu a importância de 36.000,00 euros, a qual, se somada com o valor da indemnização recebida pela cessação do contrato de trabalho – 13.646,46 euros – resulta num valor global de 49.646,46 euros, inclusive muito superior à parte do preço que a ré tinha de pagar aos autores pela compra da fracção - 45.000,00 euros.

16ª- Preceitua o artigo 432º, nº 1, do Código Civil que a resolução do contrato só poderá acontecer em virtude de convenção das partes nesse sentido ou com fundamento em disposição legal que a preveja ou consinta.

17ª- Temos por adquirido que convenção alguma das parte existiu, no momento da celebração do contrato ou posteriormente, que legitimasse a falada resolução do contrato-promessa de compra e venda em causa por parte da ré/apelada.

18ª- E sabemos também, por tal resultar expressamente dos Factos Provados, que os autores/recorrentes de modo algum aceitaram consentir na revogação do falado contrato-promessa de compra e venda (como, de resto, sobejamente resulta da resposta ao quesito 7º da Base Instrutória e, a contrario, da resposta de “não provado” aos quesitos 22º e 23º da mesma peça processual).

19ª- Inexistem, no caso sub judice, os condicionalismos, anormais, que legitimariam a resolução unilateral do contrato por parte da ré, aderindo-se, nesta parte, à fundamentação que, a propósito, expendida vem pelo tribunal “a quo” na sentença posta em crise, concretamente nos respectivos, parágrafo 5º de fls. 18, parágrafos 2º, 3º e 4º de fls. 20 e parágrafo 1º de fls. 21.

20ª- Os autores/apelantes não pediram, por via desta acção, a resolução do contrato-promessa de compra e venda, tendo pedido, aliás, exactamente o contrário, ou seja, a sua execução específica, o que pressupõe que estão interessados no seu cumprimento e, 21ª- Não obstante isso, o tribunal “a quo” mesmo quando se pronunciou sobre o mérito da acção, e do pedido nela enxertado, acabou por concluir por tal resolução como se houvesse a mesma sido peticionada pelos ora recorrentes; 22ª- Tal tomada de posição por parte do tribunal de primeira instância viola abertamente o princípio do dispositivo, 23ª- E constitui também uma nulidade, por tal órgão jurisdicional se estar a pronunciar sobre uma questão que lhe não foi colocada pela parte (cfr. artigo 668º, nº 1, alínea d), in fine, do Código Processo Civil); 24ª- Acresce que, toda a fundamentação expressa na sentença em análise, no tocante à inverificação da alegada alteração anormal das circunstâncias em que as partes...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT