Acórdão nº 2507/08.2TBFLG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelA. COSTA FERNANDES
Data da Resolução04 de Maio de 2010
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório: [A], contribuinte fiscal nº ........., residente ......., freguesia de Airães, Felgueiras, propôs a presente acção declarativa, com processo comum, na forma ordinária, contra: Companhia de Seguros [B], S. A.

, pessoa colectiva nº ....., com sede ...., Lisboa; e [C], CRL, pessoa colectiva nº ......, com sede na ...., Valongo, Peticionando que se condene: a) Ambas as rés a reconhecerem a sua situação de invalidez; b) A 2ª ré a reconhecer a validade do acordo estabelecido com ele, aquando do contrato de mútuo realizado por escritura de 1998/11/25, por força do qual, no caso de invalidez permanente, ficaria desonerado do pagamento do montante do crédito que ainda estivesse em dívida e eventuais encargos; c) A 1ª ré (seguradora) a pagar à beneficiária do seguro (a 2ª ré) importância igual ao capital ainda em dívida, no âmbito do aludido contrato de mútuo, e respectivos juros, em conformidade com o contrato de seguro referido nos arts. 3.º e 5.º da p. i.; d) Ambas as rés a, solidariamente, reembolsarem-no da quantia de 16.546,32 € que lhe foi debitada na sua conta bancária (para amortização do empréstimo), entre 20--09-2005 (dia do acidente que o deixou em situação de invalidez) e a data da entrada da acção em juízo (16-10-2008), bem como das importâncias que, posteriormente, lhe fossem debitadas; e e) Ambas as rés a, solidariamente, pagarem-lhe os juros moratórios, calculados à taxa legal, sobre os montantes a que se reporta a alínea anterior, vencidos e vincen- dos, a partir de 20-09-2005 (inclusive) e até integral cumprimento.

Para tanto, alegou, em síntese, que: - Ter contraído junto da 2º ré um empréstimo de 79.808,00 €, ao abrigo do regi- me de crédito à habitação, com vista a financiar a construção a realizar no seu prédio urbano identificado no art. 1º da p. i.; - No âmbito desse contrato de mútuo, a 2ª ré impôs-lhe a subscrição de um seguro de vida, no qual ela figura como beneficiária, de forma a garantir a amortização do montante em dívida (capital e juros), em caso de morte ou invalidez; - Assim, em 1998/12/09, celebrou com a 1ª ré um seguro de vida associado ao referido financiamento bancário, o qual garantia o pagamento do capital em dívida, que inicialmente era de 79.808,00 €, em caso de morte (cobertura principal) ou invalidez absoluta definitiva (cobertura complementar) do segurado; - Em 2005/09/20, sofreu um acidente de trabalho que lhe determinou um grau de invalidez de 93,04%, ou seja, invalidez total e permanente; - Em virtude desse acidente, ficou dependente de uma terceira pessoa, estando impedido de exercer qualquer actividade profissional; - Em 2007/12/19, comunicou à 1ª ré o acidente, bem como as respectivas consequências/lesões; - A 1ª ré não pagou à 2ª ré a parte do empréstimo em dívida, nem o reembolsou das quantias que lhe têm vindo a ser debitadas para amortização do mesmo, desde o dia do acidente.

A 1ª ré contestou, invocando, no essencial, a exclusão, do âmbito de cobertura do contrato de seguro, da invalidez absoluta e permanente decorrente de acidente de trabalho e que o autor a aceitou.

A 2ª contestou, sustentando, em súmula, que: - O seguro foi celebrado entre o autor e a 1ª ré, sem qualquer intermediação sua; - Nada tem a reembolsar, porquanto as quantias que tem vindo a debitar na conta do autor correspondem à normal amortização do empréstimo.

O autor replicou, consignando que celebrou o contrato de seguro, na convicção de que, no caso de invalidez, decorrente de qualquer tipo de acidente, ficava desobri- gado da dívida em causa, não lhe tendo sido dado conhecimento da aludida exclusão.

*** Por sentença de fls. 174 a 184, a acção foi julgada parcialmente procedente, tendo: 1) A 1ª ré sido condenada a: a) Pagar à 2ª ré (beneficiária do seguro) o capital em dívida, no âmbito do contrato de mútuo, e respectivos juros, determinado à data do trânsito em julgado da sentença; b) Pagar ao autor a quantia de 16.546,32 € (dezasseis mil, quinhentos e quaren-ta e seis euros e trinta e dois cêntimos), a título de reembolso das prestações de amortização do empréstimo e respectivos encargos, pagas por ele, entre 20-09-2005 e Setembro de 2008, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano (ou outra que venha a ser legalmente fixada), contados sobre o valor de cada prestação, desde a data do respectivo pagamento até efectivo e integral cumprimento; c) Pagar ao autor a quantia que se vier a determinar em incidente de liquidação, a título de reembolso das prestações de amortização do empréstimo e respectivos encargos, pagas por ele, a partir de Outubro de 2008, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano (ou outra que venha a ser legalmente fixada), contados sobre o valor de cada prestação, desde a data do respectivo pagamento até efectivo e integral cumprimento; 2) A 1ª ré sido absolvida do restante peticionado pelo autor; 3) A 2ª ré sido absolvida da totalidade do que contra ela foi peticionado.

*** A 1ª ré recorreu da sentença, pretendendo a sua revogação e que a acção seja julgada improcedente, tendo alegado e retirado as seguintes conclusões: 1ª Previamente à prova de que a comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais existiram e foram adequadas, subsiste o ónus, para aquele que se quer fazer valer da violação desses deveres, de alegar a respectiva facticidade, nomea- damente que aderiu ao texto das mesmas sem que o proponente lhe tivesse comuni- cado ou prestado esses esclarecimentos; 2ª Assentando a decisão recorrida no sentido de dever a acção ser julgada procedente, uma vez que a ré, aqui, recorrente, não logrou provar que a cláusula de exclusão das incapacidades resultantes de acidentes de trabalho da cobertura do seguro de acidentes pessoais em causa tivesse sido por ela “comunicada, informada e explicada ao autor”, daí resultando a exclusão do contrato dessa cláusula, nos termos do artigo 5º, 3, e 8º, a) e b), do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, significa que a mesma sentença assenta na qualificação do contrato em causa como sujeito ao regime do referido decreto-lei e que o mesmo contém cláusulas contratuais gerais; 3ª Essa qualificação, no entanto, não assenta em factos que tenham sido dados como assentes ou provados e que levem a tal qualificação, pois muito embora o autor tenha alegado minimamente tal factualidade na sua réplica, a mesma não foi levada à selecção da matéria de facto; 4ª Assim, a sentença tem de se considerar nula nos termos do artigo 668º, 1, d), do Código de Processo Civil; 5ª Se assim não se entender, sempre a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que declare terem sido devidamente cumpridos, pela ré e em relação ao autor, os deveres de comunicação e informação previstos nos artigos 5º e 6º do mencionado Decreto-Lei nº 446/85, com base no que consta dado como assente na alínea B) dos factos assentes, ou seja, com base no documento de fls. 85 a 88, no qual o autor, aquando da adesão ao seguro em causa, subscreveu declaração onde consta que tomou conhecimento “de todas as condições e informações relativas ao contrato, nomeadamente as exigidas por lei, que constam, sumariadas, desta proposta de seguro, que me foram explicitadas e com as quais estou de acordo”, e, bem assim, declaração onde consta que o autor tomou “conhecimento das Condições Gerais e Especiais do Contrato, com as quais estou de acordo”, sendo que a referida exclusão dos casos de acidente de trabalho das coberturas do seguro consta das respectivas Condições Especiais; 6ª O referido documento é um documento particular cuja autoria e assinatura não foram impugnadas pelo autor, pelo que as mesmas devem ter-se por reconhecidas e verdadeiras nos termos do nº 1 do artigo 374º do Código Civil e, assim, o mesmo faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, o, aqui, recorrido; 7ª Por esse documento e pela conclusão atrás exposta, tem que se ter por cumprido, de forma adequada e nos estritos termos do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 5º do aludido Decreto-Lei nº 446/85, o dever que sobre a, aqui, recorrente impendia, bem como o respectivo ónus de prova, até porque a força probatória plena daquele documento só podia ser contrariada por outro meio de prova que mostrasse não ser verdadeiro o facto dele constante, tal como o determina o artigo 347º do Código Civil, sendo que nenhuma prova foi produzida pelo autor nesse sentido; 8ª De resto, o dever de comunicação previsto no nº 1 do artigo 5º do referido Decreto-lei consubstancia-se como uma obrigação de meios e não de resultado, pois não é exigível, para a respectiva observância, que o aderente efectivamente conheça as cláusulas, mas apenas que o proponente desenvolva uma actividade razoável para esse conhecimento, aferindo-se a observância de tal dever no critério geral de apreci- ação das condutas em abstracto e não em concreto: no caso, deve entender-se que a ré demonstrou ter realizado tal actividade; 9ª Assente que foi dado a conhecer ao aderente, aqui, autor e nos termos referidos supra, o conteúdo das cláusulas, nomeadamente as causas de exclusão das coberturas, ou pelo menos a possibilidade de obter esse conteúdo, caso o aderente o exigisse, o dever de conhecimento tem-se por cumprido, uma vez que foi disponibili- zada essa possibilidade, o conhecimento efectivo por parte do aderente tem de se aferir no âmbito de quem usa uma comum diligência – cfr. o nº 2 do artigo 5º (parte final) do referido Decreto-Lei; 10ª Tal significa que, se por um lado, a lei protege o aderente, como parte con-tratante mais fraca, de eventuais abusos reflectidos nas cláusulas contratuais de conte- údo geral pré-estabelecidas pela parte, mais forte, que àquele as submete, não é menos verdade que a preocupação dessa protecção do mais fraco se possa transfor- mar numa protecção, por parte da lei, da falta de diligência daquela parte mais fraca, protecção essa que seria intolerável: de...

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