Acórdão nº 383/07.1TMBRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Dezembro de 2010

Magistrado ResponsávelA. COSTA FERNANDES
Data da Resolução07 de Dezembro de 2010
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório "A", contribuinte fiscal nº 158..., residente na Rua Dr. F... Braga, propôs acção de regulação do exercício do poder paternal (responsabilidades parentais), relati-vamente ao menor, seu filho, "B", contra o progenitor deste, "C", contribuinte fiscal nº 142..., com última residência conhecida no Lugar ou R... Braga.

Por sentença de 19-01-2010, fls. 67 a 75, o menor foi confiado à guarda e cuidados da mãe, sendo as responsabilidades parentais exercidas por ela, podendo o pai conviver com o filho, sempre que o desejar, mediante acordo prévio com a proge- nitora, mas devendo respeitar os horários de descanso, alimentação e de estudo do mesmo.

Não foi fixada qualquer prestação de alimentos a favor do menor e a abonar pelo pai.

*** O Ministério Público recorreu, pretendendo que a sentença seja revogada, na parte em que não fixou a pensão de alimentos, bem como a fixação destes em mon- tante não inferior a 120,00 € mensais, tendo alegado e formulado extensíssimas con-clusões que, a seguir, de algum modo se resumem: 1ª Os processos tutelares cíveis são de jurisdição voluntária – cfr. os arts. 150.º da Organização Tutelar de Menores (OTM) e 1049º e seguintes do Código de Processo Civil (CPC); 2ª Neste tipo de processos, o legislador consagrou uma entorse ao princípio do dispositivo, consagrada no art. 1409º, 2, do CPC, pelo que a actividade do tribunal não sofre qualquer restrição, quer quanto ao apuramento dos factos trazidos ao processo, quer relativamente à investigação de outros que tenham interesse para a decisão, assistindo ao Juiz um poder-dever de praticar as diligências necessárias à descoberta da verdade material; 3ª Face aos critérios legais para a fixação dos alimentos constantes do art. 2004º do Código Civil (CC), onde se manda atender às possibilidades do alimentante, constitui facto essencial para a regulação do exercício das responsabilidades parentais o apuramento das condições económicas deste; 4ª Não existe nos autos prova da concreta e global situação económica do requerido, o que se ficou a dever não a uma impossibilidade de produção de prova, mas porque a Mmª Juíza a quo não desenvolveu toda a actividade investigatória que lhe incumbia, nomeadamente, não efectuou qualquer investigação adicional sobre os actuais paradeiro e actividade profissional do requerido; 5ª Na verdade, o não apuramento dessa factualidade não se deveu a uma impossibilidade de produção de prova, nomeadamente, pelo desconhecimento total e absoluto do paradeiro daquele requerido ou pela certeza de que o mesmo se dedicasse voluntariamente a não trabalhar ou que padecesse de enfermidade ou deficiência permanente que lhe retirasse qualquer capacidade de trabalho e de angariação do seu sustento e do sustento do filho; 6ª É que, apesar do Tribunal recorrido haver referido que para a formação da sua convicção atentou na análise conjunta da “(…) certidão junta aos autos a fls. 8 a 10, no relatório social de fls. 53 a 57 e nos documentos de fls. 24, 26 a 27 e 40 a 48”, o que é certo é que, face às últimas informações policiais e da Segurança Social, é muito provável que se encontre em Espanha a trabalhar, deveria e poderia ter encetado variadas e actualizadas diligências; 7ª Nomeadamente, poderia e deveria solicitar da Delegação Regional do Porto da Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas a recolha, junto de todos os consulados de Portugal, em Espanha, informação sobre os actuais domicílios (pessoal e profissional), modo de vida, fonte de subsistência e montante dos rendimentos do requerido; 8ª Também, prevendo a hipótese de já ter regressado a Portugal, poderia ter solicitado: - Das operadoras de telemóveis nacionais, informação do endereço do requerido eventualmente constante dos respectivos registos de clientes; - Das autoridades policiais das áreas dos últimos paradeiros conhecidos do re- querido, da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, ao D.C.I.C.P.T. da Polícia Judici- ária e da Direcção-Geral da Administração da Justiça (esta última até por simples con-sulta informática), informação sobre os domicílios (pessoal e profissional), modo de vida e montante dos rendimentos do mesmo, em Portugal; 9ª O que, em caso de incumprimento, poderia vir a permitir lançar mão do mecanismo do art. 189º, 1, da OTM, para tornar efectiva a prestação dos alimentos, no caso, até, de se tratar de entidade patronal portuguesa com actividade no estrangeiro; 10ª Ao não ter efectuado tais indagações, com vista a esclarecer cabalmente a situação económica do requerido, a Mmª Juíza a quo omitiu a prática de actos essenciais à boa decisão da causa, o que constitui nulidade, nos termos do artigo 201º, 1, do CPC, pelo que deverá determinar-se a anulação da sentença, na parte relativa aos alimentos, ordenando-se a efectivação de tais indagações, entre outras diligências que venham a mostrar-se pertinentes; 11ª Ademais a Mmª Juiz a quo fez uma errada interpretação dos arts. 1987º e 2004º do CC, a qual é ainda desconforme com o art. 36º, 5, da Constituição da Repú- blica Portuguesa (CRP); 12ª Com efeito, mesmo não se tendo apurado com exactidão o montante dos rendimentos do requerido, sempre haveria de ter sido fixada uma pensão de alimentos a pagar por este ao menor, uma vez que compete, moral e originariamente, aos pais prover ao sustento dos filhos – arts. 36º, 5, da CRP, 1878º, 1, e 1879º do CC; 13ª O dever de alimentar e sustentar os filhos “é atinente a princípios de Direito Natural, assume uma enorme magnitude e é eivado, inclusive, por laivos de cariz ético--moral, só se podendo o devedor a ele eximir em circunstâncias especialíssimas e extremas” [Ac. da RL, de 19/06/2007, Proc. nº 4823/2007-1, in www.dgsi.pt] que, no caso, não se verificam, pois o requerido não só não está impedido fisicamente de trabalhar e angariar, quer o seu sustento, quer o do filho, como tudo indica que está «…a trabalhar em Espanha»; 14ª Nem mesmo no caso de inibição do poder paternal, tal dever de sustento deixa de ser exigível, por inerente à paternidade – cfr. o art. 1917º do CC; 15ª Ditam as regras da experiência comum que quem emigra o faz normalmen- te para buscar uma situação económica melhor do que aquela que lhe é proporcionada no país de origem, e que consegue mais do que o mínimo de sobrevivência; 16ª Desde 2003 que este «pai» não alimenta o filho e se não cumpre tal obriga- ção, desde que deixou de viver em economia comum com a mãe do menor, não seria, agora que o abandonou, acometido duma súbita vontade de o sustentar; 17ª Mas nada pode fazer presumir ou ter como assente que o mesmo não dispõe de força de trabalho equivalente aos demais homens da sua idade e nível pro-fissional e sócio-cultural; 18ª Sendo não menos certo que estas situações de “de desaparecimento para parte incerta do estrangeiro” só ocorrem normalmente por pertinaz falta de empenho em se sacrificar pelo sustento da prole que se deitou ao mundo; 19ª De notar, a este propósito, que já no quadro dos trabalhos preparatórios do Código Civil de 1966, o eminente Prof. Vaz Serra (cfr. “Obrigações de Alimentos”, Separata do BMJ nº 108) explicava que, na apreciação das “possibilidades do obri- gado” – aludidas no art. 2004º do Código Civil – se deviam ter em conta “não apenas o produto do trabalho actual mas também o que possa ganhar”: e que é exigível que o requerido recorra, se necessário, a trabalho não qualificado e faça sacrifícios, de forma a poder cumprir as responsabilidades que assumiu ao conceber o/s seu/s filho/s; 20ª A este respeito, vem entendendo maioritariamente a jurisprudência que, mesmo no caso de não ser apurada a situação económico-financeira do progenitor, sempre o julgador deve fixar na sentença uma prestação alimentícia a favor do menor, em função de critérios gerais objectivos quanto ao custo de vida e aos rendimentos médios da sociedade portuguesa e perante a demonstração das necessidades do menor – cfr. o supra referido Ac. da RL, de 19/06/2007; 21ª A este propósito, já em 2002, se escreveu, no Ac. da RG, de 25/09/2002 (rel. Leonel Serôdio), in www.dgsi.pt, que «(…) a condição de pai implica o dever de ter uma situação económica estável para prover ao sustento dos filhos» e, ainda, por outro lado, que «a situação de desemprego não dispensa o progenitor de cumprir a obriga- ção de alimentos, que será calculada atenta a sua capacidade de trabalhar e de auferir rendimentos»; 22ª No mesmo sentido, escreveu-se, no Ac. da RG, de 02/02/2010, Proc. nº 303/08.6TMBRG.G1, 2ª Secção Cível, rel. António Figueiredo de Almeida, que «a especificidade da natureza do dever fundamental da prestação de alimentos de um pai a um filho, permite compreender que, na fixação judicial de alimentos devidos, se tenha em conta não apenas o estrito montante pecuniário auferido pelo devedor de alimentos, em certo momento, mas, sobretudo, toda a situação patrimonial e padrão de vida deste, incluindo a sua capacidade laboral futura, onde se inclui a obrigação de este diligenciar pelo exercício de uma actividade profissional geradora de rendimentos». 23ª A sentença recorrida, ao não fixar a obrigação de alimentos a cargo do progenitor, procedeu ao arrepio das regras do ónus da prova, uma vez que, como quase uniformemente vem sido acolhido na mais sã jurisprudência [cfr. Ac. da RP, de 26-09-2002, rel. Oliveira Vasconcelos, e de 16-10-2000, rel. Pinto Ferreira; Ac. do STJ, de 01-02-2000, rel. Martins da Costa, in www.dgsi.pt], em...

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