Acórdão nº 9043/20.7T8PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Fevereiro de 2023

Magistrado ResponsávelTERESA SÁ LOPES
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 9043/20.7T8PRT.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho do Porto – Juiz 2 4ª secção Relatora: Teresa Sá Lopes 1º Adjunto: Desembargador António Luís de Oliveira Carvalhão 2º Adjunta: Desembargadora Paula Leal de Carvalho Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório (transcrição, em parte do relatório efetuado na decisão recorrida): AA intentou a presente ação declarativa que segue a forma de processo comum contra V... Unipessoal, Lda pedindo que a Ré seja condenada a pagar ao Autor: 1. A quantia de € 674,30, a título de isenção de horário de trabalho; 2. A quantia de € 2.335,53, a título de trabalho suplementar; 3. A quantia de € 1.1195,35 a título de trabalho noturno; 4. A quantia de € 1.265,20, a título de trabalho em dias de descanso; 5. A quantia de € 309,04 a título de férias não pagas; 6. A quantia de € 171,50, a título de horas de formação em falta; e 7. juros de mora à taxa legal sobre todas as prestações até integral pagamento, sendo os já vencidos no valor de € 238,65.

Para tanto alegou, em suma, que iniciou a sua atividade profissional por conta e sob a autoridade e direção da Ré, no dia 5 de junho de 2017, por efeito de um contrato de trabalho a termo certo, trabalho prestado na Rua ..., ..., Porto, tendo cessado, a 5 de junho de 2019, por iniciativa da Ré.

Aquando da celebração do contrato de trabalho, Autor e Ré, não previram que em virtude das funções exercidas e plasmadas no contrato surgiriam outras que não faziam parte do objeto, como vendas, trabalho de frente loja relativo à agência de viagens, vendas na mesma área, área comercial fora do objeto do contrato, contacto com fornecedores fora do estabelecimento, assistência em viagens turísticas.

Nesse sentido, o Autor interpelou a direção da Ré, para que a sua situação fosse clarificada laboral e remuneratoriamente. Ao que esta, na pessoa de BB, lhe comunicou que beneficiava de isenção de horário de trabalho.

De acordo com a alínea b) do artigo 265º do Código Trabalho, não foi pago correspondente a 2017 e a 2018 o valor total de 674,30 € relativo a isenção de horário de trabalho.

Durante o período de execução do contrato o Autor prestou 381 horas de trabalho suplementar, período que durante o tempo de duração do contrato foi de 2 horas diárias. Tendo em conta a retribuição e o cálculo do valor hora estipulado (cfr artigo 271º do Código Trabalho) e o acréscimo estipulado na alínea a) do nº 1 do artigo 268º do Cód. Trabalho, o Autor reclama o montante de €2.335,53, ignorando o prestado na 2ª hora.

Também durante o tempo de serviço prestou 195 horas de trabalho noturno, compreendendo-se neste o prestado entre as 22 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte. Tendo em conta o valor da retribuição horária e o acréscimo de 25% a que alude o artigo 266º do Código Trabalho, reclama o pagamento de €1.195,35.

Foi-lhe concedido o dia de descanso complementar o sábado e o dia de descanso o domingo, porém trabalhou por vezes os 7 dias por semana reclama o pagamento correspondente a um total de 172 horas de trabalho em dias de descanso. De acordo com o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 268º tem, pois, direito ao montante de € 1.264,20, que ora também reclama.

Férias não gozadas, no valor de 850,00 €, tendo recebido 540,96 €, falta pagar 309,04€ e ainda 35 horas de formação em falta, no valor de 171,50 €.

A Ré deduziu contestação.

Por despacho de 14/10/2020 foi o Autor convidado a concretizar, em dez dias, os dias em que prestou trabalho a mais e as concretas horas trabalhadas, os dias em que prestou trabalho noturno e os dias em trabalhou em dia de descanso.

O Autor veio, na sequência desse convite, dizer que a prestação de trabalho a mais e as concretas horas trabalhadas, os dias em que prestou trabalho noturno e os dias em que trabalhou em dia de descanso, estão no seu entender clarificadas no documento 7 junto com a petição inicial, sem olvidar os documentos informáticos (emails) juntos com a petição inicial e com o requerimento de 23.09.2020, onde se alcança também este desiderato.

Por despacho de 19/11/2020 foi mencionado que “O documento a que se refere o Autor não respeita as especiais necessidades de concretização, a saber, a indicação das horas a mais, das horas noturnas e dias de descanso em que concretamente prestou a sua atividade, uma vez que a leitura daquele resultam grupos de dias e não as horas correspondentes a cada dia.

Ora, atentas regras de repartição do ónus de alegação e prova que resultam do artº 342º do Código Civil, impende sobre o autor, o ónus de alegar os factos que integram a sua causa de pedir, sendo certo que os documentos se destinam a fazer prova de factos que tenham sido previamente alegados e não a substituir essa mesma alegação, não cabendo ao Tribunal substituir-se àquela parte, a saber, na sentença, descortinando, daqueles documentos, os concretos dias a que se refere o trabalho suplementar, noturno e de descanso”.

Reiterou-se novamente o convite já feito ao autor.

Em 5/1/2021 o Autor veio aos autos alegar o número de horas de trabalho suplementar, trabalho noturno e em dias de descanso que alegadamente trabalhou em grupos de dias e não as horas correspondentes a cada dia.

Em 9/2/2021 convidou-se, novamente, o Autor a, em dez dias, concretizar, dia a dia, as horas a mais e noturnas que realizou, designadamente, indicando, dia a dia, as horas de início e fim da sua atividade.

O autor nada disse.

Por despacho de 27/9/2021, em cumprimento do disposto no artigo 3.º/3 do Código de Processo Civil, determinou-se a notificação do Autor para que, no prazo de 10 dias, querendo, se pronunciar quanto à ineptidão da petição inicial por falta da indicação da causa de pedir.

O Autor veio aos autos dizer que já disse sobre esta matéria o vertido nos anteriores requerimentos, e se não respondeu ao último convite, foi porque não conseguiu entender em absoluto o que o Tribunal pretendia.

Mais alegou que a Ré não mantinha um livro de ponto pelo que entende que, não tendo a Ré cumprido o seu dever legal de registar o trabalho prestado pelo Autor, não deve ser ele (o Autor) a suportar as consequências desvantajosas da falta de cumprimento dos deveres legais impostos à Ré, nomeadamente o não provimento da ação intentada pelo Autor, sendo crucial que seja decretada a inversão do ónus da prova ao abrigo do artigo 344º, nº2 do Código Civil, visto que a Ré de forma culposa tornou impossível a produção de prova por parte do Autor.

A Ré veio pronunciar-se no sentido de que deve ser julgada procedente a exceção de ineptidão da petição inicial.

Em 11/11/2021 o Autor veio, novamente, aos autos dizer que as instalações da Ré, onde o Autor e outros funcionários prestavam as suas funções, estavam munidas de um sistema de alarme e vídeo vigilância interna, da empresa P..., sendo que nesse sistema, cada colaborador, detinha um código numérico, e que o identificava, sendo por isso necessário a introdução daquele mesmo código no sistema, para que o alarme não fosse acionado. Aquela operação era de carácter obrigatório, de forma a controlar as entradas e saídas e respetivos horários dos colaboradores.

Todo este sistema da sociedade P... fornecia à Ré, relatórios semanais de quem entrava, quem saía, a que horários, 24 horas por dia, incluindo fins de semana e feriados. Perante estes relatórios, fácil é de ver, que a Ré, tinha/tem acesso a todos os períodos de trabalho prestado dentro das instalações pelo Autor.

Em 22.03.2022, foi proferida a decisão recorrida com o seguinte teor: “Como é sabido, o pedido e causa de pedir delimitam o objeto da ação.

Nos termos do disposto no artº 552.º, nº 1, als. d) e e), do Código de Processo Civil, o autor deve, na petição inicial e para além do mais que dele consta, expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à ação - o que se consubstancia na causa de pedir - e formular o pedido, exigências estas que constituem corolário necessário do principio do dispositivo, nos termos dos quais e salvas as questões de natureza oficiosa, “o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes (…)” (artº 3º, nº 1) e “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir» (artº 609º, nº 1), sob pena, aliás, de nulidade da mesma.

O pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor e a causa de pedir o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido.

Como ensina o Professor Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 234, “se o autor não indicar o efeito jurídico que pretende obter com a ação ou não mencionar o facto concreto que lhe serve de fundamento, a petição será inepta. (…)” e, em nota 3, nessa pág., que “não basta, para o preenchimento da exigência legal, a indicação vaga ou genérica dos factos em que o autor fundamenta a sua pretensão (…)”.

Importa, também, ter presente que o ónus de alegação e prova consubstanciam realidades que não se confundem.

Com efeito, a parte sobre a qual recaem tais ónus deve alegar os factos que sustentam o pedido e, cumprido este ónus, proceder oportunamente à sua prova.

Esta não supre a necessidade da prévia alegação dos factos, sendo que apenas se provam factos que hajam sido alegados e que, à exceção dos factos notórios e daqueles de que o juiz tenha conhecimento por virtude do exercício das suas funções o juiz apenas se deverá servir da factualidade que haja sido alegada.

Por outro lado, tanto o pedido, como a causa de pedir devem ter lugar na petição inicial. No caso, o autor pretende que a Ré seja condenada a pagar-lhe trabalho suplementar, trabalho noturno e trabalho prestado em dia de descanso que, segundo diz, terá efetuado, mas não concretiza os dias certos em que o mesmo foi prestado.

Apesar de, por diversas vezes, ter sido convidado a concretizar os dias em que prestou trabalho a mais, o trabalho noturno...

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