Acórdão nº 1/22.8PBFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Janeiro de 2023
Magistrado Responsável | MARGARIDA BACELAR |
Data da Resolução | 24 de Janeiro de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: No Tribunal Judicial da Comarca de … - Juízo Local Criminal de … - Juiz…, mediante acusação do Ministério Público, foi julgado em processo comum, perante o tribunal singular, com documentação das declarações oralmente prestadas em audiência, o Arguido a seguir identificado: AA, filho de BB e de CC, nascido em …….1968, natural da freguesia de …, concelho de …, com domicílio na Rua …, …
A final, foi decidido:
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Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas a) e c), e n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão
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Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido por igual período, suspensão que será acompanhada de regime de prova assente num plano de reinserção social a elaborar pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais
Tal plano de reinserção social deverá, necessariamente, prever a sujeição do arguido às seguintes regras de conduta: a. Proibição de contactar, onde quer que seja, e por qualquer forma ou meio, com a assistente DD durante o período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta, devendo os contactos necessários relacionados com as responsabilidades parentais do filho menor de ambos, ou com o divórcio e divisão de património conjugal, ser realizadas por intermédio de terceira pessoa; b. Proibição de se aproximar da assistente, a menos de 400 metros e/ou de permanecer num raio de 400 metros da residência e/ou do local de trabalho desta, durante o período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta; c. Proibição de ter em seu poder qualquer tipo de arma de fogo, durante o período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta; d. Obrigação de se sujeitar a tratamento psicológico e psiquiátrico, nos termos do disposto nos artigos 52.º, n.º 3, Processo Comum (Tribunal Singular) e 54.º, n.º 3, do Código Penal (para o qual o arguido deu já o seu consentimento expresso), durante o período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta
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Determinar que o cumprimento das regras de conduta referidas nas alíneas a. e b. do ponto B supra, seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância (já expressamente consentida pelo arguido); D. Não condenar o arguido em qualquer uma das penas acessórias previstas no n.º 4 do artigo 152.º do Código Penal; E. Arbitrar a DD, a título de reparação pelos danos não patrimoniais sofridos, a quantia de €1.000,00 (mil euros), em cujo pagamento se condena o arguido; Inconformado o arguido AA interpôs recurso da referida decisão, que motivou formulando as seguintes conclusões: “l. A pena de 3 anos de prisão, aplicada ao arguido, ficou suspensa na sua execução por igual período de tempo e será acompanhada de regime de prova assente num plano de reinserção social a elaborar pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais
II.O plano de reinserção social deverá prever a sujeição do arguido a regras de conduta mencionadas nas alíneas a., b., c., d., do ponto B. da douta sentença
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A discordância do arguido, e daí o presente recurso, tem a ver com a proibição de se aproximar da assistente, a menos de 400 metros e/ou de permanecer num raio de 400 metros da residência e/ou do local de trabalho desta, durante o período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada
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A regra de conduta referida será fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância
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O arguido anuiu expressamente à utilização dos meios técnicos
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O recorrente entende que a proibição de se aproximar da assistente deveria ter sido balizada pelos 200 metros
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O controlo por meios técnicos impõe uma forte limitação às liberdades e garantias não só do arguido, como também da vítima, traduz-se numa acentuadíssima restrição para a liberdade de movimentos dos intervenientes
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Assim, o recorrente deixará de poder aceder ao Tribunal de Família e Menores de …, onde neste momento corre o divórcio e a regulação das responsabilidades parentais, ao Tribunal do Trabalho, ao Tribunal Cível, ao balcão da Instituição Bancária onde tem conta aberta (sendo previsível que a partilha de bens comuns imponha a deslocação a estes locais), aos serviços de Reinserção Social onde deverá deslocar-se para ser acompanhado no plano a gizar por estes serviços, em sede de regime de prova, serviços a que deverá comparecer pessoalmente, localizados no raio de 400 metros da residência da assistente
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A proibição de aproximação do local de trabalho da assistente impede por sua vez, que durante os três anos de suspensão, o arguido vá pessoalmente buscar o filho menor ao local de recolha estipulado pelo Tribunal de Família e Menores
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Ao arguido será negado o acesso ao Tribunal Judicial da Comarca de …, onde ainda corre este processo, ao Centro de Emprego e Formação Profissional, a Loja do Cidadão, sita no … que aglomera diversos serviços imprescindíveis como são os Registos e Notariados, Câmara Municipal, … - serviço de águas e resíduos -, EDP, Autoridade Tributária
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O arguido deixará de poder deslocar-se à clínica dentária, ao ginásio, ao local de trabalho da atual companheira e bem assim, a grande parte da baixa da cidade de … que possui comércio e serviços locais, por estes se situarem no raio de 400 metros da residência e do local de trabalho da assistente
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Estes últimos locais são importantes para fins de prevenção especial por visarem a ressocialização do arguido em liberdade
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Nenhum meio de prova foi considerado provado que revele que o arguido tenha tentado aproximar-se da assistente ou a tenha perseguido, ou sequer arranjado algum estratagema para o conseguir
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O arguido encontra-se sujeito ao sistema judicial, que respeita, e desde então, não mais violou os direitos da vítima, nem as medidas de coação impostas em sede de inquérito
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O recorrente anuiu expressamente à obrigação de se sujeitar a tratamento psicológico e psiquiátrico, acolhendo como boa, considerando que o seu estado de saúde foi elemento causal e determinante dos factos praticados
XVI.O arguido sofre de depressão desde o ano 2017, salvo o devido respeito, considera o recorrente que não foi devidamente valorado o relatório médico junto a fls. 319 dos autos. Devia ter tido algum peso a seu favor na determinação da medida da pena
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Do relatório social, mais se apurou com relevo a favor da condição social do arguido, que vivencia uma relação afetiva desde o início do corrente ano que foi descrita por si e pela companheira como gratificante, circunstância que deve depor a seu favor. Devia ter tido algum peso na determinação da medida da pena
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O Tribunal recorrido violou o artigo 71º artigo 40º do Código Penal e artigo 18º nº 2 da C.R.P
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, no ponto B. alínea b., substituindo-se por outra que imponha ao arguido a proibição de se aproximar da assistente, a menos de 200 metros e/ou de permanecer num raio de 200 metros da residência elou do local de trabalho da assistente, durante o período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada
Assim se fazendo justiça.” O Ministério Público respondeu às motivações do recurso apresentado pelo Arguido/Recorrente, pugnando pela improcedência do mesmo
Neste Tribunal, o Exma. Procurador-Geral Adjunto teve vista dos autos, emitindo parecer no sentido da improcedência do recurso do arguido/recorrente
O recorrente, notificado nos termos e para os efeitos previstos no art.º 417º, nº 2 do CPP, quedou-se pelo silêncio, nada tendo vindo alegar
Efectuada a conferência prevista no art.º 419º do CPP, cumpre agora apreciar e decidir
FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS NA SENTENÇA RECORRIDA São os seguintes os factos que a sentença recorrida indica como estando provados: 1. O arguido AA é casado com a assistente DD, tendo dois filhos em comum: EE, nascido a …de 2009 e FF, nascida a … de 1997
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Iniciaram relação de namoro há cerca de 31 anos, tendo passado a residir em comunhão de cama, mesa e habitação há 29 anos, casando em 22 de agosto de 1992
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Sempre residiram em …, inicialmente na zona da …; há cerca de vinte e cinco anos mudaram para Rua …, em …, e há 13/14 anos mudaram para a atual residência na Rua …, em …
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Desde, pelo menos, o ano de 2008, o arguido, em datas e com frequência não apurada, dirigiu-se à esposa, no interior da residência comum e disse “Tu não vales nada. Filha da Puta. Tu é que és a culpada de eu não andar focado nas coisas”
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Desde o ano de 2017 e até ao momento em que a sobrinha de ambos passou a residir com o agregado, em 2018, e porque a assistente tomou conhecimento de relacionamento extraconjugal mantido pelo arguido, a relação deteriorou-se e o arguido passou a ser seguido em consultas de psicologia e de psiquiatria
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A partir do ano de 2020 e até ao final da coabitação, o arguido passou a discutir com a assistente, em datas não apuradas ocorridas todas as semanas, mais que uma vez por semana, dizendo-lhe “Puta. Filha da puta. Tu não vales nada, tu não ganhas nada, tu ganhas uma merda. Se tiraste o 12.º ano tens de me agradecer a mim. O teu dinheiro não dá nem para comprar as tuas cuecas”. Por diversas vezes em número não apurado, o arguido disse também à assistente: “Tu não sabes. Cala-te”
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Em várias dessas discussões, o arguido disse à assistente que se matava, tendo numa delas, em data não apurada, chegado a retirar uma arma do seu local de armazenamento e levado a mesma para a sala, não tendo chegado, contudo, a retirar o cadeado de segurança
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Em dezembro de 2020 o arguido teve um acidente de viação, e em janeiro de 2021 teve outro acidente de viação, tendo dito à assistente que a culpa era dela, porque ele não sabia no que ela estava a pensar, e estava com falta de foco por causa dela. Além disso, disse-lhe que ela era a...
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