Acórdão nº 59/18.4GTSTR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelMARGARIDA BACELAR
Data da Resolução24 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: No Tribunal Judicial da Comarca de … - Juízo de Competência Genérica do … - Juiz …, mediante acusação do Ministério Público, foi julgado em processo comum, perante o tribunal singular, com documentação das declarações oralmente prestadas em audiência, o Arguido a seguir identificado

AA, solteiro, socorrista e motorista, nascido a … 1993, em …, filho de BB e de CC, residente na Rua …, …

A final, foi decidido julgar a acusação procedente, e, em consequência:

  1. Condenar o arguido AA, pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de homicídio por negligência p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 137.º n.º 1 e 2 na pena de um ano e oito meses de prisão

  2. Suspender a execução da pena de um ano e oito meses de prisão, aplicada ao arguido AA, por igual período – artigo 50.º n.º 5, do Código Penal

  3. Condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 12 meses nos termos do artigo 69.º n.º 1, al. a), do Código Penal

    Inconformado, o arguido AA interpôs recurso da referida decisão, que motivou formulando as seguintes conclusões: “A – O arguido apresentou a sua contestação a qual foi admitida (despacho de 28/4/2021, ref. 86550972), em que alegou diversos factos com relevância para a sua defesa e para a boa decisão da causa – (cfr. art. 6º da motivação)

    1. – Estes factos alegados na contestação não constam do rol da matéria de facto da sentença, sendo que tais factos são relevantes para a decisão da causa, até porque através dos mesmos se pode aferir pela responsabilidade ou não responsabilidade criminal do arguido

    2. - A enumeração de tais factos trata-se de uma garantia do arguido, de que o tribunal teve em conta os factos, as provas e os argumentos, tanto da acusação como da defesa, e, por outro lado, ao não enumerar os factos da contestação, o direito de defesa do arguido ficou limitado, pois limitou o âmbito de recurso, já que tais factos se tornam insindicáveis

    3. - A douta sentença padece de nulidade, por força dos arts. 379º, nº 1, al. a) e c) e 374º, nº 2, ambos do Cód. Proc. Penal, o que o arguido desde já invoca, para todos os efeitos

    4. – Da matéria de facto da sentença não consta a narração os elementos subjetivos do crime de homicídio por negligência, já que não é mencionado que o arguido sabia e tinha conhecimento de que teria que utilizar óculos de correção e que estava em excesso de velocidade; não é mencionado que que o arguido representou como possível a realização de um facto que preenche o crime ou, pelo menos, que não chegou sequer a representar a possibilidade de realização do facto; não consta a atuação livre do arguido e a consciência da ilicitude. Pelo que, deverá o arguido ser absolvido

    5. – A prova pericial (fls. 86 a 89, 118 a 121 e 129 a 138) é nula e nunca deveria ter sido admitida, não podendo ser valorada. Esta foi ordenada por despacho de 5 de Novembro de 2018, do qual consta que deverá ser efetuada por técnico da …, pelo que, violou o art. 152º, nº 1 do CPP ao não ter sido nomeado um estabelecimento oficial ou um perito de entre a lista da comarca

    6. – Violou também o disposto no art. 160º-A, nº 1 do CPP e o art. 32º, nº 2 da CRP ao ter sido escolhido um técnico que tem interesse na decisão dos presentes autos, já que foi realizada pela empresa “…, Lda” representante da marca “…”, fabricante do veículo que o arguido conduzia no momento do acidente, pelo que não foi imparcial, já que a empresa teria muito pouco interesse em que houvesse qualquer deficiência e defeito que pudesse responsabilizar o fabricante

    7. - Finalmente, a perícia violou o art. 154º, nº 4 do CPP, uma vez que o arguido nunca foi notificado da realização da perícia

      I. – Os factos 4, 5, 6, 13, 14, 15, 16, 17 e 18 não resultaram como provados, até porque não há nenhum meio de prova que os sustente

      J.– O Tribunal ad quo considerou que o arguido exercia a condução em excesso de velocidade e de forma desatenta, descuidada e imprudente (ponto 4), sendo tal facto mais não é do que um mero juízo conclusivo

    8. - Não consta da matéria de facto provada qual a velocidade máxima no local, nem qual a velocidade a que o veículo conduzido pelo arguido seguia

      L. – Na auto - estrada onde ocorreu o acidente a velocidade máxima é de 120km/h, sendo que, no local exato do embate esta diminui para 100km/h, havendo uma distância de apenas 20 metros entre a mudança de limite máximo de velocidade, pelo que se depreende que era impossível para o arguido diminuir a velocidade em apenas 20 metros

    9. – Assim, o ponto 4 da matéria de facto dada como provada foi incorretamente julgado e houve insuficiência para a decisão da matéria de facto provada

    10. – Em relação aos pontos 5, 6 e 13, os mesmos contradizem a prova testemunhal e documental

    11. – O arguido sempre disse que o embate apenas tinha ocorrido derivado a um problema no sistema de travagem que conduzia: “Conforme meto os pés no travão, o pedal estava, vinha acima e abaixo, e não reagia. (...)Depois nunca tive travão. Até porque faço 170m sem uma única travagem.(...) Ia a tentar abrandar quando me apercebo que não tenho travão.”, o que é totalmente compatível com o que se desenrolou no embate e, posteriormente, o que se verificou na via e nos veículos

    12. – As declarações da testemunha DD, militar da GNR, que elaborou o relatório final, comprovam que as marcas do pavimento são compatíveis com uma falha nos travões

    13. – Se de facto, o arguido estivesse distraído e em excesso de velocidade (conforme refere o Tribunal ad quo), quando se apercebesse do obstáculo, a sua primeira reação seria travar repentinamente, deixando marcas de travagem no pavimento, contudo, não estavam presentes quaisquer marcas de travagem na via. (cfr. ponto 35 da matéria de facto provada)

    14. – O veículo que o arguido conduzia, umas semanas antes do acidente, reprovou com deficiências no sistema de travagem, na Inspeção Periódica realizada às 11h47, sendo que, no mesmo dia, pelas 17h13, num Centro de Inspeção distinto, noutra localidade, o veículo aprovado, apresentando outras deficiências

    15. – Esta situação ora descrita causou estranheza, nomeadamente, às testemunhas, militar da GNR, DD e ao mecânico, EE, pois que, das regras da experiência comum, se depreende que é praticamente impossível arranjar um sistema de travagem em tão pouco tempo..

    16. – O veículo em causa já tinha tido problemas com os travões, sendo que colegas de trabalho do arguido, que já o tinham conduzido, reportaram a situação à entidade patronal, conforme declarações da testemunha FF

    17. – Da prova documental infere-se ainda que o veículo em causa já tinha reprovado quatro vezes na Inspeção Periódica – relatório final da GNR (fls. 539 a 561)

      V. - Ao contrário do que consta da perícia, nunca poderia ter sido efetuado um teste computorizado ao veículo, já que o mesmo não dispõe de sistema ABS, pois é que resulta do relatório final da GNR fls. 539 a 561) e das declarações da testemunha EE, mecânico, pelo que, não se entende como é que um perito efetuou um teste, que é impossível de fazer, ao veículo!! (fls. 120) W. - Conforme consta das várias fotografias juntas aos autos (nomeadamente fls. 130 e 131), a dianteira do veículo ficou completamente destruída, pelo que, não poderia ter sido realizado qualquer teste com toda a credibilidade necessária, ao sistema de travagem do mesmo, aliás, a testemunha EE referiu isso mesmo

      X. - Assim, e porque esta perícia muitas dúvidas levanta, violando até as garantias de defesa do arguido e o princípio do in dúbio pro reo, a mesma deveria ter sido desconsiderada pelo Tribunal

    18. Em relação aos pontos 5, 6 e 13 da matéria de facto, houve erro notório de apreciação de prova, foram incorretamente julgados e houve violação do princípio do in dúbio pro reo

    19. – Quanto ao ponto 14 este foi incorretamente julgado, já que resultou de toda a prova de que o arguido não tinha necessidade de utilizar os óculos de correção para que pudesse executar a sua condução em segurança, tal como referiu nas suas declarações e como consta do documento ora junto pelo arguido no requerimento de 1.6.2021

      AA.– Em relação aos pontos 15, 16 e 17 houve erro notório na apreciação da prova e violação do princípio do in dúbio pro reo

      BB.– Antes do ofendido ter entrado no veículo do arguido, o mesmo tinha sofrido uma queda, ficando com as lesões constantes do diário clínico (fls. 90) e do relatório da autópsia consta “Podendo ter sido algumas devido ao acidente de viação e outras a queda” CC.- Se um especialista médico não conseguiu concluir, com toda a certeza necessária, qual a causa principal para a morte do ofendido, e de acordo com o princípio do in dúbio pro reo, o Tribunal ad quo deveria ter decidido a favor do arguido e ter considerado que não ficou provado o nexo de causalidade, já que não há qualquer certeza de que a morte do arguido tenha resultado do embate

      DD.– Quanto ao ponto 1 da matéria de facto não provada, entendemos que houve erro notório na apreciação da prova e violação do princípio do in dúbio pro reo, já que deveria resultar como provado a probabilidade da queda nas escadas ter provocado a morte do ofendido

      EE. - Porque não há certezas de que o arguido tenha cometido qualquer crime, deve o mesmo ser absolvido, em honra do princípio do in dúbio pro reo

      FF. – É elemento essencial do crime de homicídio negligente a violação de um dever de cuidado, sendo que, o arguido cumpriu todas as suas obrigações e atuou sempre com toda a diligência necessária, não potenciando qualquer perigo para a vida da vítima

      GG.- O acidente ocorreu apenas e só devido a um problema no sistema de travagem, sendo que era à entidade patronal, e não arguido, que competia averiguar da parte mecânica do mesmo, pelo que, não há qualquer nexo de causalidade entre a conduta do agente e o resultado que se verificou, sendo tal resultado imputável à deficiência no sistema de travagem, não se encontra preenchido o tipo...

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