Acórdão nº 551/21.3T8ELV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução24 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora
  1. Relatório A Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT) aplicou a AA, Lda., com sede na …, …, concelho de …, uma coima única no valor de 65 000€, pela prática de quatro contraordenações: - uma contraordenação ambiental muito grave, prevista no artigo 111.º, § 1.º, al. a) do Decreto-Lei n.º 127/2013 e 22.º, § 4.º, al. b) da Lei n.º 50/2016, de 29 de agosto; - uma contraordenação ambiental grave, prevista no artigo 67.º, § 2.º, al. r) e 48.º do Decreto-Lei n.º 178/2006 e do artigo 22.º, § 3.º, al. b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto; - uma contraordenação ambiental grave, prevista no artigo 39.º, § 3.º, al. b) e 18.º, § 3.º do Decreto-Lei n.º 151-B/2013 e artigo 22.º, § 3.º, al. b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto; - e uma contraordenação ambiental muito grave, prevista nos artigos 81.º, § 3.º, al. c) do Decreto-Lei n.º 226-A/2007 e 22.º, § 4.º, al. b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto

    Inconformada com tal decisão a arguida impugnou judicialmente a decisão administrativa punitiva, suscitando a nulidade do procedimento, por preterição dos seus direitos de defesa e de contraditório, por não ter sido notificada para comparecer à inquirição de testemunha de defesa que havia arrolado; mais considerando estar o procedimento contraordenacional prescrito (por os factos se reportarem a 24/7/2007, a inspeção se ter realizado a 15/2/2016, e a notificação da decisão punitiva ter ocorrido apenas a 11/3/2021); e os agentes da sociedade arguida terem agido sem consciência da ilicitude

    Distribuídos os autos ao …º Juízo (1) Local Criminal de …, veio o M.mo Juiz a decidir por despacho, julgando inválida a decisão administrativa impugnada, «com fundamento em irregularidade, a inquirição da testemunha BB efetuada no dia 29/5/2018 com fundamento na violação do direito de defesa da recorrente (na vertente possibilidade de intervir na produção das provas por si oferecidas), decidindo consequentemente, porque os enferma, invalidar os atos decisórios subsequentes à referida inquirição (mormente a decisão de 1/3/2021) na medida em que a irregularidade declarada afeta os termos subsequentes do procedimento, com fundamento em irregularidade, mais determinando, após trânsito, a remessa de certidão integral dos autos à autoridade administrativa competente para os fins tidos por convenientes [eventual sanação do(s) vício(s) identificado(s)].» Inconformado com tal decisão o Ministério Público interpôs o presente recurso, rematando a respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): « (…) 2) Citando a Douto Despacho recorrido, o recorrente impugnou judicialmente a decisão administrativa proferida pela IGAMAOT invocando, para além do mais o seguinte: “Para o efeito, a recorrente alegou, em síntese, a nulidade do procedimento com fundamento na preterição do direito de defesa e do princípio da contraditório, alegando, para o efeito, que pese embora tenha procedido à indicação, em sede de audição prévia, de BB como testemunha, não foi notificada para comparecer no acto de inquirição, devendo sê-lo ao abrigo do artigo 43.º e 44.º da Lei n.º 114/2015 e artigo 61.º, n.º1, al. a) do Código de Processo Penal, arguido ainda que tinha direito e interesse em comparecer na mesma, de modo a instar a testemunha acerca da factualidade em crise, o que determina a nulidade do acto; (…)”

    3) Nos presentes autos, pela decisão recorrida constante de fls. 419 a 429, referência citius …, proferida em 22.09.2022, da qual se recorre, o Tribunal julgou o “recurso de impugnação judicial da decisão administrativa proferida pelo Exmo. Senhor Inspector-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, que condenou a recorrente (…) procedente por provado e, em consequência, julga inválida, com fundamento em irregularidade, a inquirição da testemunha BB efectuada no dia 29/05/2018 com fundamento na violação do direito de defesa da recorrente (na vertente possibilidade de intervir na produção das provas por si oferecidas), decidindo consequentemente, porque os enferma, invalidar os actos decisórios subsequentes à referida inquirição (mormente a decisão de 01/03/2021) na medida em que a irregularidade declarada afecta os termos subsequentes do procedimento, com fundamento em irregularidade, mais determinando, após trânsito, a remessa de certidão integral dos autos à autoridade administrativa competente para os fins tidos por convenientes [eventual sanação do(s) vício(s) identificado(s)]”

    4) O Tribunal a quo fez uma errada interpretação das normas contidas nos artigos 50.º, n.º 4, da Lei n.º 50/2006, e 61.º, n.º 1, al. a) e g) do Código de Processo Penal

    5) Consideramos que a autoridade administrativa (ou a entidade a quem foi delegada a competência para realizar a inquirição da testemunha) não estava obrigada a comunicar à arguida recorrente a data designada para inquirição da testemunha

    6) O Tribunal a quo fundamentou a decisão recorrida nos seguintes termos: “Ora, não sendo a recorrente notificada para, querendo, comparecer nas inquirições, como poderá a mesma exercer materialmente o direito de defesa que a lei lhe atribui? O direito de defesa não se esgota na possibilidade de indicar os meios de prova que pretenda ver produzidos mas também na possibilidade de participar na sua produção

    Tal ideia resulta implícita no disposto no artigo 50.º, n.º4 da Lei n.º 50/2006. Ao determinar que “as testemunhas são obrigatoriamente apresentadas, por quem as arrola, na data e hora agendadas para a diligência”, tal circunstância que é pressuposto da sua apresentação pelo cidadão o conhecimento da realização da diligência, não sendo a falta de comparência do arguido, das testemunhas e peritos, quando devidamente notificados, razão que obste ao prosseguimento do procedimento contra-ordenacional (artigo 51.º da Lei n.º 50/2006). Tal entendimento resulta, ainda, arreigado no disposto no artigo 61.º, n.º1, al. a) e g) do Código de Processo Penal, aplicável subsidiariamente ao procedimento sancionatório de natureza contra-ordenacional, cabendo ao visado no mesmo o direito de “estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito”, bem como de “intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurarem necessárias.”

    7) O processo contraordenacional na fase administrativa é dominado pela autoridade administrativa competente, não estando o arguido no mesmo patamar da autoridade administrativa e não classificada como uma fase de contraditório pleno, sendo que o processo contraordenacional, especialmente na fase administrativa, acaba por se distinguir do processo penal por ter exigências formais menos profundas e maior simplicidade na sua tramitação

    8) Contrariamente ao sentido da interpretação constante da decisão recorrida, consideramos que o artigo 50.º, n.º 4, da Lei n.º 50/2006, apenas visa impor um dever acrescido de colaboração aos arguidos que pretendem apresentar testemunhas na defesa, com o intuito de evitar especiais formalismos e simplificar a tramitação do processo. Não tem como ratio impor que seja dado conhecimento ao arguido da data designada para a inquirição da testemunha, para que esteja presente e possa intervir num contraditório pleno

    9) Acresce que tal solução também não resulta da aplicação subsidiária do artigo 61.º, n.º 1, al. a) e g) do Código de Processo Penal. Com efeito, não resulta daquela norma qualquer obrigatoriedade de dar a conhecer aos arguidos, na fase de inquérito, as datas designadas para inquirição de testemunhas, ainda que indicadas pela defesa, e permitir que possam intervir nas inquirições com contraditório pleno

    10) Pelo exposto, ao decidir como decidiu o Douto Despacho recorrido violou o disposto nos artigos 50.º, n.º 4, da Lei n.º 50/2006, e 61.º, n.º 1, al. a) e g) do Código de Processo Penal

    11) Nesta medida, deve ser revogado a Douto Despacho recorrido e, em consequência, ser substituído por Douto Despacho que julgue não verificada a irregularidade invocada e referida em 2) e 3) destas conclusões e que designe data para realização de Audiência de Julgamento para produção de prova quanto aos factos da acusação e da defesa apresentada pelo recorrente.» Admitido o recurso, a sociedade comercial arguida respondeu pugnando pela sua improcedência, aduzindo, em síntese (transcrição): «1 - Não sendo o arguido notificado para, querendo, comparecer nas inquirições, não poderá o mesmo exercer materialmente o direito de defesa que a lei lhe atribui; 2 - O direito de defesa não se esgota na possibilidade de indicar os meios de prova que pretenda ver produzidos mas também na possibilidade de participar na sua produção

    3 - Tal resulta, implícito no disposto no artigo 61º, n.°1, al. a) e g) do Código de Processo Penal, aplicável subsidiariamente ao procedimento sancionatório de natureza contraordenacional, cabendo ao visado no mesmo o direito de "estar presente aos atos processuais que diretamente lhe disserem respeito", bem como de “intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurarem necessárias." 4 - A falta de notificação ao arguido e/ou seu mandatário, realizando-se em data e hora agendada pela autoridade administrativa, sem a presença do arguido e/ou do seu mandatário, viola de forma grave o direito de defesa assegurado ao arguido pelos artº 50, nº4 da Lei nº50/2006 e as garantias de processo criminal asseguradas constitucionalmente ao arguido pelo artº 32 da C.R.P

    5 - A inquirição de testemunhas arroladas pelo arguido sem notificação a este ou ao seu mandatário do dia e hora da realização da diligência de inquirição inquina de nulidade a instrução de processo contraordenacional

    6 - A sentença recorrida aplicou corretamente os princípios legais e constitucionais consagrados no artº 50, nº4 da Lei nº 50/2006 e artº 32 da C.R.P.» Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância, na intervenção a que...

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