Acórdão nº 2429/21.1T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução26 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório AA, interdita por anomalia psíquica, representada pela sua tutora BB, ambas com domicílio na Urbanização ..., ..., da freguesia ..., ..., instaurou contra: CC (1.ª Ré), residente na Avenida ..., da freguesia ..., ... ...; DD (2.º Réu), residente na rua ..., freguesia ..., ... ...; EE (3.ª Ré), residente na rua ..., ... ..., do concelho ...; DD (4.º Réu), residente na rua ..., da freguesia ... (..., do concelho ...; e FF (5.ª Ré), residente na rua ..., fracção "...", da freguesia ..., ... ..., todos melhor identificados na petição inicial, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, tendo formulado o seguinte pedido: -A condenação dos Réus a pagar à Autora, a título de prestação de alimentos, a quantia mensal de € 1.015,09 (mil e quinze euros e nove cêntimos), com vencimento no 1.º dia do mês subsequente ao da propositura da presente acção.

Para tanto, a Autora alegou, em síntese, que: foi declarada a sua interdição por anomalia psíquica, tendo sido fixada como data de início da incapacidade o dia 13.11.2018; por força da doença que padece, não é capaz de prover à sua subsistência, tendo de ser auxiliada por terceiros na satisfação das suas necessidades básicas; a assistência de que carece é prestada pela filha BB, que foi nomeada sua tutora no processo de interdição, com quem reside, sendo esta auxiliada pela outra filha CC; para além disso, beneficia de cuidados domiciliários, que são prestados duas vezes ao dia pelo Centro Social e Paroquial de ...; tem gastos mensais no valor total de € 1.009,33, o que não é coberto pelos rendimentos que recebe, os quais ascendem apenas à quantia de € 659,24; os Réus não prestam assistência à Autora, nem quanto aos seus cuidados nem quanto aos alimentos de que carece, tendo condições económicas para o efeito; o custo da assistência providenciada pela tutora BB representa o montante de € 665,00, valor que deverá acrescer às despesas mensais que os Réus deverão suportar.

Regularmente citados: 1.º- A 1.ª Ré CC apresentou contestação, a fls. 53 a 54 (REF.ª ...29), na qual, por um lado, admitiu que a Autora se encontra interdita por anomalia psíquica e a depender de cuidados de terceiros, mas sustentou que ela também presta assistência à mesma, embora não o faça de forma financeira, ao que está impedida, por beneficiar quer ela quer o seu marido de reformas baixas e ter problemas de saúde; acrescentou que está de acordo a que se proceda à venda de bens de que a mãe é titular, com vista à satisfação do pagamento das despesas de que carece; 2.º- A 3.ª Ré EE, o 4.º Réu DD e a 5.ª FF apresentaram contestação conjunta, a fls. 55 a 63 (REF.ª ...12), onde, em síntese, por um lado, impugnaram o valor dado à causa, e, por outro lado, sustentaram que a mãe dispõe de reforma e de um bem imóvel, com cuja venda concordam, e que as despesas estão exageradamente alegadas; caracterizaram ainda as respectivas situações económicas; e argumentaram que o mais benéfico para a Autora seria a sua residência num lar; 3.º- O 2.º Réu DD apresentou contestação, a fls. 94 a 104 (sob a REF.ª: ...22), na qual, em súmula, em primeiro lugar, reiterou a contestação apresentada pelos 3.ª, 4.º e 5.ª Réus; em segundo lugar, a título de excepção, alegou que a propositura da presente acção está dependente de autorização judicial, que este Tribunal é incompetente para a fixação de uma remuneração ao tutor e, para além disso, que os Réus são partes ilegítimas, por não terem sido demandados todos os filhos da Autora; em terceiro lugar, e a título de impugnação, sustentou que as despesas invocadas encontram-se inflacionadas, devendo a tutora racionalizar os rendimentos que a mãe dispõe, e, quanto à situação económica, que se encontra desempregado, assim como a esposa, sendo pais de dois filhos, ambos estudantes, o que lhes impede de ter desafogo económico para contribuir com alimentos para aquela.

A Autora exerceu o contraditório quanto às excepções alegadas, bem como respondeu ao incidente de impugnação do valor da causa.

Realizou-se a audiência prévia no dia 09.02.2022, no qual se proferiu despacho saneador, onde se afirmou a validade e regularidade da instância, tendo-se julgado improcedente o incidente de impugnação do valor da causa e tendo-se desatendido as excepções de ilegitimidade, de falta de autorização e da existência de um conflito de interesses, nos termos que constam de fls. 139 a 141.

Fixou-se ainda o objecto do litígio e estabeleceram-se os temas da prova, em termos que não mereceram a reclamação das partes (fls. 141/verso a 142).

Realizou-se a audiência de julgamento nas sessões dos dias 09.06.2022, 15.06.2022 e 14.07.2022, com observância formalismo legal, conforme decorre das actas respectivas.

A final foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência: i) Condenou cada um dos Réus a prestar assistência à Autora, aos fins-de-semana, de forma rotativa, de modo a que a cada um deles caiba um fim-de-semana, de 5 (cinco) em 5 (cinco) semanas, a começar no primeiro fim-de-semana seguinte à notificação da presente sentença, com a ordem seguinte (sem prejuízo de alterações a efectuar, por acordo, entre os Réus e a tutora, que representa a Autora): 1.º- O primeiro turno caberá à Ré CC; 2.º- O segundo turno caberá ao Réu DD; 3.º- O terceiro turno caberá à Ré EE; 4.º- O quarto turno caberá ao Réu DD; 5.º- O quinto turno caberá à Ré FF.

ii) Cada turno deverá ser prestado entre as 8h até às 20h de sábado e entre as 8h até às 20h de domingo; iii) Condenou cada um dos Réus a prestar assistência à Autora, nos dias feriados, de forma rotativa, segundo a ordem indicada em i), no primeiro feriado seguinte à notificação da presente sentença, desde as 8h às 20h (sem prejuízo de alterações a efectuar, por acordo, entre os Réus e a tutora, que representa a Autora); iv) Absolveu os Réus do restante peticionado.

Inconformada com esta decisão, a autora dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (artigos 629º,1, 631º,1, 637º, 638º,1, 644º,1,a), 645º,1,a) e 647º,1 do Código de Processo Civil).

Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões: A.

Não se conformando com o teor da sentença de fls…, proferida no dia 30 de Agosto de 2022, a Autora, aqui Recorrente, vem dela interpor o presente recurso de apelação, cujo objecto compreende as seguintes ordens de razão: impugnação da decisão da matéria de facto constante do Facto Provado 17.º, nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil; errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 2003.º a 2010.º do Código Civil e errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 2011.º do mesmo código.

B.

Ora, nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil, “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

C.

Em cumprimento do disposto no preceito legal citado, o concreto ponto de facto que, na nossa perspectiva, está incorrectamente julgado é o constante do Facto Provado 17.º da sentença recorrida. Senão vejamos: D.

A sentença recorrida julga como provado que “A Autora gasta mensalmente quantia não inferior a € 855,00, com a sua alimentação, gastos de água, electricidade, medicação, produtos de higiene, roupa de dormir, lenha e com as despesas aludidas em 16. a 20.”; E.

Ora, salvo o devido respeito, é absolutamente incompreensível a decisão tomada a respeito das despesas médias mensais da Autora, considerando quer a vasta prova documental junta aos autos, quer o depoimento de parte prestado pela representante legal da Autora, BB, quer ainda os depoimentos das testemunhas, especialmente da testemunha GG e da testemunha HH (que se tratam do genro e filha da Autora que auxilia a tutora e que, por essa razão, têm especial conhecimento quanto à situação da Autora e, consequentemente, quanto às despesas mensais que a mesma suporta), tudo aliado ao contexto económico-financeiro vivido à data da sentença, num período pós-pandémico e de Guerra na Ucrânia, com a consequente inflação que, em maior ou menor medida, afeta todos os portugueses, incluindo a Autora.

F.

Desde logo, refira-se que, no entendimento da Autora, quanto às suas despesas médias mensais (Facto Provado 17.º), é matéria de facto assente que a mesma paga 292,75€ (duzentos e noventa e dois euros e setenta e cinco cêntimos) como contrapartida pelo serviço prestado pelo Centro Social e Paroquial de ..., conforme resulta do Facto Provado 16.º, e ainda que, para ir buscar e levar a filha HH, é necessária quantia não inferior a 100,00€ (cem euros), conforme resulta do Facto Provado 20.º; G.

No nosso modesto entendimento, toda a restante matéria de facto englobada pelo Facto Provado 17.º encontra-se incorrectamente julgada.

H.

Desde logo, no que respeita aos gastos da Autora com a alimentação, não podemos concordar com a motivação do Tribunal a quo quando refere que “(…) na impossibilidade de comprovação precisa desses gastos, entende-se, atenta a condição socioeconómica da Autora (idade, doença, patamar económico), e com base nas regras da experiência, que esta gasta, com a sua alimentação, o equivalente a 1/4 da retribuição mínima mensal garantida actual, o que corresponde a € 176,25 (€ 705,00/4)”.

I.

A prova documental junta aos autos (Doc. n.º ...4 instruído com a Petição Inicial) diz respeito a despesas de supermercado unicamente respeitantes à Autora, conforme se vislumbra pelo teor da referida factura, na qual se incluem produtos como cerelac e danoninho, produtos esses...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT