Acórdão nº 239/21.5T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução26 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães A... Sociedade Unipessoal, Lda.

, intentou ação declarativa com processo comum contra: 1.ºs - AA e esposa, BB; 2.ºs - CC e esposa, DD; 3.º s - EE e FF, formulando os seguintes pedidos: a) ser reconhecido e assegurado à Autora o direito pessoal de restituição do prédio que identifica, na medida do seu interesse, como se o referido bem ora vendido aos 3.ºs RR nunca tivesse saído do património dos seus primitivos proprietários - os aqui 1.ºs RR -, face à ineficácia relativa de tal aquisição em relação à A; b) ser reconhecido à A o direito de executar o referido bem, supostamente adquirido pelos aqui 3.ºs RR., e, por isso, a seu favor registado, na exata medida do necessário para a satisfação do seu crédito - no valor de 71.308,84 €, a título de capital, acrescido dos juros de mora vencidos, no montante atual de 46.313,54 €, e vincendos, até eventual pagamento - sem a concorrência de qualquer outro eventual credor -, tudo de harmonia com o preceituado no art.º 616.º do CC. Alega, para tanto e em síntese: A) entre os anos de 2008 e 2011 vendeu ao 1.º réu - pai do 3.º réu - diversos bens alimentares pelo preço de 71.308,84 €, preço este que se mantém em dívida (cf., artigos 3.º e 5.º da petição); B) que os 2.ºs réus e 3.ºs réus sabiam da mencionada dívida (cf., artigos 6.º, 7.º, e 16.º da petição); C) que os 1.º os RR venderam, no dia 11 de abril de 2012, o bem mais valioso que tinham ao 2.º réu CC, irmão da 1.ª ré e, por isso, tio do 3.º réu (cf., artigos 8.º, 9.º e 10.º da petição); D) que os ali contraentes agiram de má-fé, na medida em que tinham a consciência do prejuízo que o ato causava à Autora (cf., artigos 18.º, e 28.º da petição); D) que, posteriormente, o 2.º réu, CC, vendeu o mencionado bem aos aqui 3.ºs RR (cf., artigos 19.º e 20.º, da petição); E) que os ali contraentes agiram de má-fé, na medida em que tinham a consciência do prejuízo que o ato causava à Autora (cf., artigos 28.º e 29.º da petição); e F) que a venda referida em C) acabou por ser declarada nula, com o fundamento na sua simulação, por efeito da decisão, entretanto transitada em julgado, proferida no âmbito da ação proposta pela autora, e que correu termos pelo juízo central cível ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ... (cf., artigo 12.º da petição). G) concluindo: pretende a Autora que a impugnação pauliana proceda contra a transmissão (posterior) do prédio descrito no artigo 8.º, o qual havia sido primeiramente transmitido pelos 1.ºs réus - devedores da Autora - para o 2.º réu CC no dia 11 de abril de 2012 (cf., artigos 3.º, 5.º, 8.º, 9.º e 10.º da petição).

Os 2.ºs e 3.ºs RR contestaram, invocando a exceção de caducidade do direito de impugnação, porquanto a propositura da ação ocorreu no dia 13 de janeiro de 2021, mais de oito anos depois da celebração do ato impugnável, para além do prazo de 5 anos previsto no artigo 618.º do CC. Mais sustentam que não pode ser impugnado um ato que não foi mantido na ordem jurídica, em razão da anulação de seus efeitos; que a procedência desta ação está afetada pela força do caso julgado decorrente da decisão, entretanto transitada em julgado, proferida no p. 6946/16.7T8GMR, que correu termos pelo juízo central cível ..., J..., nos termos da qual foi declarada nula por simulação a primeira transmissão, inviabilizando a possibilidade de se considerar a primeira transmissão como ato sujeito à pauliana, na medida em que, à luz da ordem jurídica, aquele ato já não é impugnável, por ter sido declarado nulo; ademais, quanto à primeira transmissão, esta ação corresponde a uma ação idêntica quanto aos seus efeitos, pedido e causa de pedir, havendo lugar à exceção de caso julgado.

A autora respondeu, alegando que o prazo de caducidade a considerar tem por referência o negócio concretamente impugnado - a transmissão (posterior) do prédio descrito no artigo 8.º, ocorrida em 17-11-2016 -, pelo que é em relação a essa data que deve ser contado o prazo de caducidade de 5 anos e não um outro que o precedeu, mais pugnando pelo prosseguimento dos autos, na medida em que a invalidade do negócio que conduziu à transmissão impugnada não obsta ao mérito da sua pretensão; os sujeitos processuais não são os mesmos (pelo menos todos), mesmo que o pedido nesta ação fosse o mesmo - que não é (porque não inclui a impugnabilidade do primeiro ato) - tal pedido foi naquela formulado a titulo subsidiário, razão pela qual, tendo procedido o pedido principal, ficou o tribunal impedido de apreciar o pedido subsidiário.

Foi proferido despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.

Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, a qual se transcreve na parte dispositiva: «Em face do exposto, nos termos do art. 240º/2 do C.C., declaro oficiosamente a nulidade da transmissão, efetuada em 17 de Novembro de 2016, entre os 2ºs e 3ºs réus, que teve por objeto o prédio dito em 8º da P.I., por redundar numa venda de bens alheios (art. 892º do C.C.) e, em consequência, ordeno o cancelamento do registo de aquisição a favor dos 3ºs Réus.

Custas da ação a cargo dos RR.».

Inconformados com a sentença proferida dela apelaram os réus EE e FF, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «i. Ao declarar oficiosamente a nulidade da transmissão, efetuada em 17 de novembro de 2016, entre os 2.ºs e 3.ºs réus, que teve por objeto o prédio descrito no artigo 8.º da P.I., por consistir numa venda de bens alheios, o tribunal condenou em objeto diverso do que se pediu, o que determina a nulidade da sentença (cfr., artigo 615.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Civil, que expressamente se invoca; ii. Não poderiam os recorrentes razoavelmente contar com a solução jurídica proferida pelo tribunal a quo a final, configurando tal solução – a decisão judicial – uma verdadeira decisão-surpresa, proibida nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do código de processo civil, o que consubstancia uma nulidade, devendo o ato – a sentença – ser anulado; iii. Ainda que declarada nula a sentença, entendem os Recorrentes que o tribunal de recurso deverá conhecer o objeto da apelação (as questões que a seguir se expõe), por assim o permitir e determinar o disposto no artigo 665.º, do Código de Processo Civil.

iv. Consideram os Recorrentes que foram incorretamente julgados os factos referidos nos pontos 25.º e 26.º da matéria de facto julgada provada.

  1. Do teor dos documentos aludidos (identificados como 11.º, 12.º, 13.º e 14.º) não é possível extrair qualquer dos factos julgados provados nos pontos 25 e 26, posto que representam factos absolutamente distintos destes. Os documentos aludidos apenas representam a natureza, composição, situação, caraterísticas, valor patrimonial e o titular do prédio em causa, pelo que jamais permitem sustentar, pelos próprios, qualquer dos factos julgados provados nos pontos 25 e 26, designadamente, que os aqui recorrentes sabiam que, aquando da primeira transmissão, nem os ali vendedores, nem os ali compradores, quiseram vender ou comprar, tendo o acordo sido celebrado com o intuito de impedir que o bem em questão respondesse pelas dívidas dos 1.ºs réus” e que (ponto 26) “a aquisição por banda do 3º réu visou impedir que o prédio objeto desse negócio viesse a responder pela dívida dita em 3).

    vi. O depoimento do 2.º réu, quer os depoimentos dos 3.ºs réus, não tiveram por objeto os factos julgados provados nos pontos 25 e 26 da sentença, pelo que deles não era possível extrair tais factos.

    vii. O réu CC, cujo depoimento se encontra gravado no sistema digital H@bilus Media Studio (cfr., ato com a referência eletrónica ...68) entre as 14h:43m.42s e as 15h:15m:56s do dia 8 de março de 2022, em momento algum afirma, direta ou indiretamente, sugere, aceita ou admite qualquer dos factos provados.

    viii. De igual maneira, tanto o réu EE, como a ré FF, cujos depoimentos se encontram gravados no sistema digital H@bilus Media Studio (cfr., ato com a referência eletrónica ...10), o primeiro entre as 10h:22m.11s e as 10h:50m:16s, e a segunda entre as 10h:51m.27s e as 11h:37m.24s, do dia 17 de fevereiro de 2022, em momento algum, afirmam, direta ou indiretamente, sugerem, aceitam ou admitem qualquer dos factos provados.

    ix. Por outro lado, as testemunhas GG, cujo depoimento se encontra gravado no sistema digital H@bilus Media Studio (cfr., ato com a referência eletrónica ...68) entre as 15h:17m41s e as 16h:13m:49s, do dia 8 de março de 2022, HH, II e JJ, cujos depoimentos se encontram gravados no sistema digital H@bilus Media Studio (cfr., ato com a referência eletrónica ...10), o primeiro entre as 11h:39m06s e as 12h:00m:51s, a segunda entre as 12h:00m51s e as 12h:23m:02s, e a terceira, entre as 12h:24m13s e as 12h:56m:22s, no dia 17 de fevereiro de 2022, as únicas ouvidas neste processo, não depuseram, por incúria, erro ou restrição voluntária dos temas da prova, sobre a matéria constante dos factos provados nos pontos 25 e 26 da sentença, pelo que destes depoimentos mostrava-se impossível julgar provados aqueles factos.

  2. Por fim, do conjunto dos factos julgados provados nos pontos 1 a 24 e 27 – que correspondem aos demais factos conhecidos pelo tribunal - não se mostra possível presumir judicialmente os factos julgados provados nos pontos 25 e 26, ficando por isso afastada a suscetibilidade da sua prova por presunção.

    xi. Entendem os Recorrentes que o tribunal «a quo», considerando os meios probatórios sobreditos, deveria dar como não provados os factos constantes dos pontos 25 e 26 da matéria de facto provada.

    xii. Com relevância para a questão da caducidade invocada e decidida, do processo, dos seus elementos e dos factos julgados provados, emergem os seguintes atos jurídicos: a) no dia 11 de abril de 2012, os 1.ºs réus fingiram vender ao 2.º réu, que fingiu comprar, o bem descrito no ponto 8 dos factos provados; b) no dia 17 de novembro de 2016, o 2.º réu transmitiu aos 3.ºs réus o bem que havia antes...

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