Acórdão nº 3887/17.4T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Janeiro de 2023
Magistrado Responsável | ALEXANDRA ROLIM MENDES |
Data da Resolução | 26 de Janeiro de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Relatório: 1. AA, casado, com o número de identificação civil ..., residente na Rua ..., ... ..., ..., intentou a presente ação declarativa contra “V... ASEGURADORA, COMPAÑIA DE SEGUROS Y REASEGUROS, S. A., contribuinte fiscal (CIF) A-..., com sede na Calle ..., ... ..., Espanha, e representada em Portugal pela C..., UNIPESSOAL, LDA., com sede no Largo ..., ... ..., pedindo a condenação da demandada a pagar-lhe: (i) a quantia de € 162.730,00 (cento e sessenta e dois mil, setecentos e trinta euros), relativa aos prejuízos sofridos em resultado do acidente dos autos, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação (compatível com o mecanismo da correção monetária da obrigação de indemnizar) e, (ii) as despesas medicamentosas, médicas, de tratamento fisiátrico, que vierem a ser realizadas e que deverão ser suportadas pela demandada, ou (iii) em alternativa, e por estes danos não poderem ser determinados ou quantificados nesta data, requer-se seja a sua liquidação remetida para execução de sentença.
Alegou para o efeito em resumo que: - no dia 22/02/2016, pelas 09:15 horas, na Estrada ... (Graus – ..., sentido ... (...), Espanha, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, marca ..., com matrícula ..-LQ-.., propriedade do demandante e por si conduzido, o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula espanhola .... F, propriedade e conduzido por BB e o veículo ligeiro de passageiros, matrícula espanhola .... B; - em resultado da existência de gelo no pavimento, o demandante perdeu o controlo sobre o veículo e, em despiste, o veículo “saiu de frente”, acabou por invadir a berma que, do lado esquerdo delimita a via, imobilizando-se numa pequena ribanceira; - nenhuma consequência adveio ao demandante e esposa, passageira, do despiste; - decorridos mais de 10 minutos após o seu despiste, eis que o veículo de matrícula espanhola .... F, que antes circularia pela A-.... no mesmo sentido de marcha, também ele se despistou, invadindo a mesma berma, tendo atropelado/abalroado o demandante que estava ao lado da porta do condutor do seu veículo; - decorridos alguns minutos após este último despiste seguido de abalroamento, o veículo de matrícula espanhola .... B, também ele se despistou e invadiu a mesma berma esquerda, colidindo no ... do demandante; - como consequência do acidente descrito, o demandante deu entrada no Serviço de Urgências do Hospital ..., onde lhe foram detetadas múltiplas e graves lesões; - apesar dos tratamentos a que se submeteu, o demandante ficou a padecer definitivamente de sequelas; - as sequelas incapacitam o demandante para qualquer atividade desportiva e de lazer; - atualmente, e desde que teve alta médica, mercê destas sequelas, o demandante não é mesma pessoa; - o demandante necessitará no futuro, periodicamente, de acompanhamento e tratamento psiquiátrico e ortopédico, bem como medicamentoso; - também teve um avultadíssimo dano patrimonial; - sofre de uma incapacidade permanente parcial, que terá repercussões (negativas) na sua atividade profissional; - no atropelamento, o demandante perdeu um relógio, para além do vestuário que trazia vestido que ficou destruído.
* A ré deduziu contestação, impugnando parcialmente o alegado, e invocando a prescrição do direito invocado pelo autor na presente ação.
Alegou, por sua vez, em resumo, que: - o veículo do autor, para além de se despistar e invadir a berma que do lado esquerdo delimita a via, colidiu frontalmente contra uma árvore que aí se encontrava; - escassos momentos após aquele primeiro despiste, o autor viu o veículo espanhol da marca ... a despistar-se, vindo na sua direção, e nessa altura, para se pôr a salvo do atropelamento por aquele veículo, empurrou a outra ocupante do seu veículo e lançou-se por uma ribanceira de dois metros de altura abaixo, acabando por aí ficar estendido, numa zona de pedras; - as lesões de que padeceu o autor não podem ser imputadas àquele, mas ao impacto causado pelo embate frontal do seu veículo ... na árvore; - o autor teve alta médica em 22.6.2016.
Conclui que a exceção deduzida pela ré deve ser julgada procedente e, caso assim se não entenda, deve a presente ação ser julgada em função da prova que vier a produzir-se.
* O autor apresentou resposta à exceção deduzida, alegando que: - apenas no dia 24 de agosto de 2016 obteve alta; - o demandante, a solicitação da representante da seguradora espanhola em Portugal, a C..., de 21 de Novembro de 2016, reclamou em 15 de Dezembro do mesmo ano, alguns dos danos/prejuízos, salvaguardando outros danos, dado que aguardava a avaliação do dano corporal atribuída pelo médico; - reclamação esta que foi novamente dirigida àquela representante portuguesa C..., agora por advogado, ora mandatário, com data de 20 de Janeiro de 2017.
Conclui pela improcedência da exceção de prescrição.
*Foi proferido despacho saneador, relegando-se para final a apreciação da exceção de prescrição, bem como despacho que identificou o objeto do litígio e enunciou os temas de prova, que não foi objeto de qualquer reclamação.
Realizou-se o julgamento na sequência do qual foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos formulados pelo A..
Inconformado veio o A. recorrer formulando as seguintes Conclusões: I. O recorrente não pode conformar-se com a sentença proferida pelo tribunal da 1ª instância, que declarou a ação improcedente, motivo pelo qual interpõe o presente recurso, que versa sobre matéria de facto e matéria de direito.
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O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, deve, pois, conter-se dentro dos seguintes parâmetros: a)- o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente; b)- sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento; c)- nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
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Dentro destas balizas, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente.
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O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis.
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Assim, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal conclua que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância.
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O Recorrente considera incorretamente julgados e, por esse motivo impugna a decisão proferida quanto aos seguintes pontos da matéria de facto dada como não provada: - que logo após o demandante ter saído do veículo e ter constatado que o mesmo não sairia do local pelos seus próprios meios, contactou a assistência em viagem, ao mesmo tempo que estava a proceder à trasladação da bagagem do veículo para junto do rail metálico de proteção (que delimita a berma da faixa de rodagem); - que nenhuma consequência adveio ao demandante e esposa do despiste referido em 2.8.; - que o veículo ..., modelo ... atropelou/abalroou o demandante; - que as lesões descritas em 2.13. supra e as sequelas referidas em 2.25. e 2.26. tenham sido causadas pelo invocado atropelamento/abalroamento, nem que o foram pelo salto e subsequente queda mencionados supra em 2.11.; VII. Ora, salvo melhor opinião, lavrou em erro o Tribunal ao considerar estes factos como não provados (“- que logo após o demandante ter saído do veículo e ter constatado que o mesmo não sairia do local pelos seus próprios meios, contactou a assistência em viagem, ao mesmo tempo que estava a proceder à trasladação da bagagem do veículo para junto do rail metálico de proteção (que delimita a berma da faixa de rodagem); que nenhuma consequência adveio ao demandante e esposa do despiste referido em 2.8.;”).
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Na verdade, quanto a este facto concreto, apenas duas pessoas poderiam descrever o que se passou, porque apenas duas pessoas se encontravam lá naquele momento, o próprio Autor e a sua Esposa CC.
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Nos termos do art. 466º nº 3 do Código de Processo Civil, o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.
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Inexiste qualquer hierarquia apriorística entre as declarações das partes e a prova testemunhal, devendo cada uma delas ser individualmente analisada e valorada segundo os parâmetros explicitados. Em caso de colisão, o julgador deve recorrer a tais critérios sopesando a valia relativa de cada meio de prova, determinando no seu prudente critério qual o que deverá prevalecer e por que razões deve ocorrer tal primazia.
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As corroborações periféricas consistem no facto das declarações da parte serem confirmadas por outros dados que, indiretamente, demonstram a veracidade da declaração. Esta corroboração vem da única testemunha que presenciou o facto, e que afirmou que nenhum dano adveio ao autor como consequência do embate contra árvore.
XII. Mesmo que assim não fosse, sempre se podem abarcar aqui os factos-bases ou indícios de presunções judiciais.
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Ora, será de admitir que o Autor - após o embate com a árvore, e se o mesmo tivesse provocado as lesões supra descritas - fosse capaz de agarrar na esposa e, com a força e destreza que seria necessário, empurrá-la para fora de perigo e ainda saltar para se...
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