Acórdão nº 1353/20.0T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA CRISTINA CERDEIRA
Data da Resolução26 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO AA intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, contra BB e CC, pedindo que: a) Seja declarado válido e em vigor o contrato de arrendamento celebrado entre a Autora e os Réus; b) Sejam os Réus condenados a realizar as obras no imóvel cujo ... se encontra arrendado à Autora, de modo a eliminar a infiltração das águas pluviais no seu interior, bem como a eliminar a existência de humidades e do cheiro a “mofo”, assim como a substituir ou corrigir tudo quanto foi danificado por força daquelas infiltrações, onde se inclui tectos, paredes, portas, tijoleira, azulejo e chão; c) Em alternativa ao pedido formulado na anterior alínea b): 1. Sejam os Réus condenados a permitirem o acesso ao ... andar do imóvel sito na Travessa ..., freguesia ... e ..., concelho ..., de modo a aí se poderem realizar todas as obras necessárias para resolver as infiltrações; 2. Sejam os Réus condenados a pagarem o montante de € 23.790,66, correspondente às obras necessárias a realizar no ... e no ... andar daquele imóvel; Cumulativamente: d) Sejam os Réus solidariamente condenados ao pagamento de um montante a título de indemnização pelos danos morais causados à Autora, em montante nunca inferior a € 2.000,00, a que deverão acrescer os juros de mora vencidos; e) Sejam os Réus solidariamente condenados ao pagamento da quantia de € 20,00 por cada dia de atraso na realização das obras no imóvel habitado pela Autora.

Alega, em síntese, que há 53 anos, juntamente com o seu falecido marido, na qualidade de arrendatários, celebraram verbalmente com DD, esta na qualidade de senhoria, um contrato de arrendamento habitacional que teve por objecto o ... da casa, coberto e quintal de um prédio misto sito na Travessa ..., também conhecido por Lugar ..., da localidade de ..., actual freguesia ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz predial de ... sob o artigo urbano ...78 e sob o artigo rústico ...79, sendo que entretanto faleceu a referida DD e aquele prédio viria a ser adquirido pelos aqui RR., há cerca de 15 anos.

Mais alega que, de há uns anos a esta parte, têm ocorrido infiltrações de águas das chuvas no interior do locado, provenientes do telhado e do ... andar da casa, as quais vêm provocando humidades e estragos nos tectos, paredes, portas e chão do locado que descrimina na petição inicial, bem como danificando peças de roupa, mobiliário e electrodomésticos, para além de ser notório um cheiro a “mofo”, em termos que a impedem de usufruir de uma boa habitabilidade do locado e causa risco para a saúde dos que aí habitam.

Acrescenta que o estado do imóvel foi dado a conhecer aos RR. em 2016, através de procedimento camarário ao qual foi atribuído o nº. ...16, tendo os serviços do departamento de ordenamento e gestão urbanística da Câmara Municipal ... efectuado uma vistoria ao locado, através da qual concluíram que o estado da conservação do locado era “mau”.

Apesar de terem sido notificados pela autarquia para procederem às obras necessárias à reabilitação do edifício, sendo-lhes concedido um prazo para o efeito, os RR. nada fizeram, situação que tem causado danos à A., pois tem despendido horas em reuniões com advogados e em deslocações à Segurança Social, tem suportado com cada vez mais penosidade a vivência no locado e não recebe visitas, por ter vergonha do estado da casa em que habita, encontrando-se acometida por sentimentos de tristeza e revolta.

A A. procurou a empresa de construção civil C... Unipessoal, Lda. para que orçamentasse o valor das obras necessárias para terminar as infiltrações de água e as humidades, assim como a substituição e rectificação de tudo quanto foi danificado com aquelas infiltrações e humidades, as quais foram orçamentadas em € 18.450,00 (€ 15.000,00 + IVA), orçamento esse que remeteu aos RR. por carta registada de 27/11/2019, com a informação do que se tornava necessário corrigir e substituir no locado e do respectivo custo, de acordo com o teor do orçamento elaborado.

Os RR. responderam ao solicitado em 14/12/2019, dizendo que têm “dúvidas acerca da viabilidade dessas obras que preconiza”, e apresentaram um outro imóvel para arrendamento, com características e preço de renda muito diferentes dos do locado, que não é do interesse da Autora.

Refere, ainda, que de modo a dissipar as dúvidas quanto à viabilidade das obras no locado, que permitam que o mesmo seja habitável, sem necessidade de qualquer demolição, procurou uma outra empresa de construção civil, denominada S..., Lda., a qual, após visita ao locado, elaborou um documento onde concluiu que “as infiltrações que ocorrem no ..., se devem ao facto do andar superior que se encontra devoluto, para além de não ter janelas também tem algumas telhas partidas que necessitam de ser substituídas, e telas asfálticas danificadas … apresentamos uma proposta estimativa para a reparação do telhado e colocação de janelas/portas de alumínio no andar”, constando do orçamento para substituição e rectificação de tudo quanto foi danificado com as infiltrações e humidades, assim como para resolução daquelas infiltrações, o valor de € 23.790,66 (€ 19.342,00 + IVA).

Os RR. apresentaram contestação, impugnando parcialmente a matéria alegada pela A. na petição inicial, mais alegando que esta actua em claro abuso de direito, na modalidade “tu quoque”, uma vez que o estado de degradação do locado, assim como da parte que corresponde ao ... andar da casa, resulta de factos que lhe são imputáveis – a invasão e estragos causados por si e seus familiares no restante prédio – bem como na modalidade de “desproporção grave entre o benefício do titular exercente e o sacrifício por ele imposto a outrem”, dado que o custo das obras pretendidas é manifestamente desproporcionado em face da renda mensal que é paga.

Alegam, ainda, que ocorre colisão entre o direito da A. e o direito dos RR., que pretendem proceder à demolição, ainda que parcial, do imóvel que se encontra em estado de ruína, o que ainda está a ser objecto de apreciação pela Câmara Municipal ..., na sequência de requerimento dos RR. formulado nesse sentido.

Deduziram reconvenção, alegando que caso a Câmara Municipal considere que o imóvel não está em ruína e determine coercivamente a realização das obras sugeridas pela A., estas terão de ser consideradas obras de remodelação ou restauro profundo, pretendendo os RR., com esse fundamento, proceder à denúncia do contrato de arrendamento.

Concluem, pugnando pela improcedência da acção, com absolvição dos RR. do pedido formulado pela A., e pela procedência da reconvenção e, por via disso: a) Ser a reconvinda condenada a reconhecer que o imóvel onde se insere o locado (e o próprio locado) está em situação de ruína; b) Caso assim não se entenda, ser a reconvinda condenada a reconhecer que o imóvel onde se insere o locado (e o próprio locado) tem de sofrer obras que deverão ser consideradas como de remodelação ou restauro profundo; c) Em consequência, ser denunciado o contrato de arrendamento de duração indeterminada que está em vigor entre a A. e os RR. nos termos e com os efeitos do regime jurídico consagrado no Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de Agosto.

A A. replicou, impugnando a matéria alegada pelos RR. a título de defesa por excepção (abuso de direito nas modalidades apontadas e colisão de direitos) e em sede de reconvenção.

Termina, pugnando pela improcedência das excepções deduzidas e da reconvenção, com a absolvição da A./reconvinda do pedido reconvencional.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual foi fixado o valor da causa e procedeu-se ao saneamento da acção, verificando-se a validade e regularidade da instância, tendo sido, ainda, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova, que não sofreram reclamações.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.

Após, foi proferida sentença que julgou a presente acção e a reconvenção improcedentes e, em consequência, absolveu a Autora/Reconvinda e os Réus/Reconvintes dos pedidos que contra os mesmos foram, respectivamente, formulados.

Inconformada com tal decisão, a Autora dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]: 1. Por Douta Sentença proferida pelo Juízo Local Cível ... - Juiz ..., foi decidido julgar improcedente a ação intentada pela Autora, ora Recorrente e, em consequência, os Réus ora Recorridos foram absolvidos dos pedidos que contra os mesmos foram formulados.

  1. Aquela decisão foi suportada no entendimento do Julgador de 1ª Instância de que, apesar das obras que a Recorrente peticionava que fossem os Réus condenados a realizar, serem necessárias a pôr termo a infiltrações e humidade no locado, e que são obras que se destinam a manter o locado em condições de habitabilidade, ainda assim, face ao valor da renda mensal estipulada e ao custo mínimo das obras pretendidas, existiria uma manifesta desproporção no exercício do direito que a Autora pretende ver reconhecido, com a consequente improcedência dos pedidos por si formulados.

  2. Ora, desta decisão recorre a Recorrente, por dela não concordar, tendo o presente Recurso como objeto precisamente a interpretação que o Tribunal de 1ª Instância apresentou sobre o abuso de direito, na modalidade de desproporção no exercício, e a sua aplicação no caso em apreço, tendo em consideração a factualidade que se encontra plasmada na douta Sentença, 4. Sendo que, a decisão sobre a matéria de facto, provada e não provada, não merece reparo por parte da Recorrente.

  3. Por força do decidido quanto à matéria de facto, impunha-se uma decisão diversa na aplicação do Direito, decisão essa que deveria excluir a aplicação do instituto do abuso de direito que tinha sido invocado pelos Recorridos, e que deveria culminar na condenação destes nos pedidos contra si formulados.

  4. Quanto à duração do contrato de arrendamento, foi dado como provado que a Autora...

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