Acórdão nº 241/19.7T8CNF.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução24 de Janeiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório 1. AA e BB, residentes em ..., intentaram acção declarativa contra CC e DD, residentes em ..., pedindo que os réus sejam condenados a reconhecer que sobre o seu prédio está constituída uma servidão de passagem a favor dos prédios dos autores, nos termos e condições constantes da petição inicial, e em alternativa ao pedido de reconhecimento do direito de servidão de passagem por usucapião, deve ser reconhecida uma servidão legal de passagem a favor dos prédios dos autores, por serem prédios encravados, a onerar o prédio dos réus, por ser por este prédio que com menor custo tal direito de passagem pode ser constituído.

Em síntese, invocam serem proprietários de um prédio rústico e de um prédio urbano, que confrontam com um prédio rústico dos réus. Que o acesso para os seus prédios sempre se fez através de uma faixa de terreno destinado ao efeito por si e pelos seus caseiros, com uma largura de 3 metros e comprimento de 200 metros, o qual se inicia na Rua ..., percorre os limites do prédio dos réus, até flectir e depois chegar até à sua propriedade. Embora parte desse caminho seja público, outra parte não o é, estando nele implantado um caminho de servidão. Sucede que em Março de 2019 os réus realizaram uma intervenção de terraplanagem no seu prédio, colocando pedra e rede no início do caminho, impedindo o acesso dos autores. Que não dispõem de qualquer outro acesso aos seus prédios através de trator ou carro de bois, o que coloca em causa a possibilidade de os caseiros agricultarem o prédio rústico, colocando em causa a sua subsistência. Arrogando-se titulares de um direito de servidão constituído por usucapião, pretendem que, caso assim não se reconheça a mesma, seja constituída uma servidão legal de passagem, porquanto a alternativa de acesso aos seus prédios implicaria a demolição de vários prédios e a ocupação de outros.

Os réus contestaram, impugnando as descrições dos prédios de que os autores se arrogam proprietários, acrescentando que nunca os mesmos tiveram acesso através do prédio dos réus, fosse a pé, trator ou carro de bois. Acrescentam que o caminho que se desvia do caminho de ... apenas dá acesso ao próprio prédio dos réus e não ao dos autores, não existindo nele quaisquer marcas. Referem ter colocado uma pedra e rede nos limites da sua propriedade para impedir os caseiros dos autores de por ali passar. Dizem que os prédios dos autores têm dois acessos pedonais, um pelo caminho de pé posto, que margina um rego de água de consortes, e outro pelo caminho..., sendo que é desproporcional o uso de um trator ou um carro de bois para cultivo de um terreno com área reduzida. Que a reclamada servidão não poderá ser constituída pelo seu prédio, por existir a possibilidade de os mesmos procederem à abertura de um caminho no muro da sua propriedade.

* A final foi proferida decisão que julgou improcedentes os pedidos deduzidos pelos AA contra os RR, deles os absolvendo.

* 2. Os AA interpuseram recurso, tendo formulado as seguintes conclusões: a.

O presente recurso vem alicerçado nos termos dos artigos 629.º, n.º 1, 644.º, n.º 1, alínea a), 645.º, n.º 1, alínea a), 647.º, n.º 1, 638.º, n.ºs 1 e 7, 639.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil.

b.

É do entendimento dos Recorrentes que, salvo o sempre muito e devido respeito, por diferente opinião, o Digníssimo Tribunal a quo fez uma incorreta apreciação da prova produzida nos autos, o que por consequência conduziu a uma desadequada decisão sobre a matéria de facto e a uma indevida interpretação e aplicação do direito, assim se impondo e justificando o presente recurso.

c.

Ademais, dos factos com relevância para o presente recurso, importa atentar nos factos n.ºs 10, 21, 22, 23, 24, 27, 28, 29, 30,31 e 32 dados como provados e nas alíneas C), D), E), I), J), K), L), M), N), O), P), Q), R), T), U), V), e W) da matéria não provada.

d.

A descrição do caminho feita no facto provado n.º 10, não se poderá reportar ao caminho em terra batida e sem pedras, uma vez que este, pelas suas características e condições do piso permite o trânsito, para além dos veículos destinados ao trânsito rural, a veículos automóveis, pelo que este ponto deverá ser alterado passando a constar o seguinte: «Esse caminho tem largura variável, entre os 2,20 metros e os 2,50 metros, sendo possível circular tanto com veículos ligeiros, como com veículos de quatro rodas motrizes destinados ao trânsito rural.

» e.

Os factos provados n.ºs 21, 22, 23 e 24 são suscetíveis de serem apreciados em conjunto, uma vez que as questões em causa estão intimamente ligadas entre si.

f.

Num momento inicial, nos factos provados n.ºs 20, 21 e 22, o Digníssimo Tribunal a quo deu, corretamente, como provada a existência de um carreiro muito estreito que permite aos consortes da água acederem à poça que represa essas mesmas águas, sendo que este não tem condições ou medidas para nele circularem bens de pequenas ou grandes dimensões.

g.

Sucede que esse carreiro, comummente designado como ... é, nos pontos n.ºs 23 e 24, designado, erradamente, como «caminho», pelo que se requer a sua correção e alteração, nos seguintes termos: «23.

Esse carreiro termina junto ao fontanário e ao caminho público do ...; 24.

Esse carreiro não reúne as condições mínimas de um caminho público, para o que seria necessário proceder a trabalhos de demolição de muros e construções e consequente reconstrução.» h.

Querem os Recorrentes chamar a atenção para a expressão «encurtam o percurso em algumas dezenas de metros» utilizada no ponto n.º 21 e que faz enunciar a existência de um atravessadouro, sendo certo que os atravessadouros, definidos como caminhos, embora alternativos e destinados a encurtar distâncias (atalho), deixaram de ser figuras reconhecidas juridicamente.

i.

Perante a factualidade dada como provada, podemos concluir que o aludido carreiro tem como finalidade permitir a ligação e o corte da água que corre na levada, sendo apenas utilizado pelos consortes da água, não tendo um fim ou utilidade pública, acrescentando ainda que os Recorrentes e os seus arrendatários só têm direito a nele circular, enquanto estes últimos forem arrendatários de terrenos servidos pelas águas da levada.

j.

Relativamente ao facto provado n.º 28, entendem os Recorrentes que o mesmo deve ser alterado, por forma a coincidir com a realidade dos factos, bem como com os depoimentos das testemunhas e com a matéria constante do facto provado no n.º 27, desta forma, deverá passar a constar do ponto n.º 28 o seguinte: «Esse acesso pedonal não reúne as condições mínimas de um caminho público, para o que seria necessário proceder a trabalhos de demolição de muros e construções.

» k.

Não corresponde à realidade o descrito no ponto n.º 29 dos factos dados como provados, tendo diversas testemunhas comprovado que no período de tempo anterior à ação, ou seja, até ser cortado o acesso pela propriedade dos Recorridos, o terreno dos Recorrentes era cultivado pelos seus caseiros, e que tendo-lhes sido cortado o acesso, não há qualquer possibilidade de passar com um trator ou qualquer outra alfaia agrícola, motivo pelo qual, no presente momento, aqueles terrenos se encontram por cultivar.

l.

Não corresponde da mesma forma à verdade que os arrendatários dos Autores sejam proprietários de terrenos nas imediações do Lugar ....

m.

Desta forma, deverá o ponto n.º 29 dos factos dados como provados ser corrigido, nos seguintes termos: «No presente, o terreno dos Recorrentes não se encontra plantado, uma vez que os seus arrendatários não têm acessos para circular com um trator ou qualquer outro tipo de máquinas ou alfaias agrícolas, razão pela qual tiveram que arrendar outros terrenos nas imediações do Lugar ...

.» n.

Os pontos n.ºs 30, 31 e 32, dos factos provados estão intimamente ligados entre si, pelo que devem ser apreciados em conjunto.

o.

Está plasmado no relatório de peritagem que a desvalorização do terreno, dos Recorridos, que não poderia ser ocupado para fins agrícolas, nunca seria superior a € 800,00 (oitocentos euros), bem como que, para assegurar o caminho nos termos previstos no ponto n.º 30 dos factos provados, seriam necessárias obras que nunca seriam feitas por um valor inferior a € 3 597,75 (três mil quinhentos e noventa e sete euros e setenta e cinco cêntimos), já com IVA incluído.

p.

Contudo, para tal seria necessário, os Recorrentes terem/pedirem autorização para circularem no caminho de consortes que é um prolongamento do caminho de ..., na extensão que prossegue depois de entrar no prédio dos Recorridos, uma vez que, este apenas pode ser utilizado pelos consortes, coisa que os Recorrentes não são [dessa extensão], e como tal não podem usar esse lanço de caminho, não tendo inclusive sido alegado qualquer direito ou feita prova dessa passagem.

q.

Tudo isto comprova, tudo o quanto foi alegado na PI, de que os Recorridos são proprietários de um prédio absolutamente encravado, e posto isto, feita a ponderação de interesses, tendo em conta critérios físicos e económicos, bem como elementos prevalentes que conduzam à afirmação do princípio do menor prejuízo, deve concedida a passagem pelo prédio ou prédios que sofram menores prejuízos, no caso concreto, o prédio dos Recorridos.

r.

Andou mal o Tribunal na decisão, ao dar como não provados os factos que a baixo iremos enunciar, por quanto foi feita prova clara dos mesmos.

s.

Relativamente à alínea C), esta deve ser apreciada junto com a alínea V), uma vez que ambas se reportam essencialmente ao mesmo facto.

t.

É possível depreender que até aos dias de hoje, no terreno dos Recorrentes ainda estão feitas as aberturas no muro, que eram utilizadas para a passagem do trator que ia «fresar» a terra, facto que compele a que as alíneas C) e V) sejam dadas como provadas.

u.

Entendeu o Tribunal a quo, na mesma medida, dar como não provados os factos constantes da alínea D), e da alínea R), no entanto, como foi demonstrado, a propriedade que pertence aos Recorrentes era e sempre foi cultivada pelos...

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