Acórdão nº 999/20.0PWPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA JOANA GRÁCIO
Data da Resolução25 de Janeiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. n.º 999/20.0PWPRT.P1 Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Criminal do Porto – Juiz 4 Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório No âmbito do Processo Comum Singular n.º 999/20.0PWPRT, a correr termos no Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 4, por sentença de 20-12-2021, foi decidido: «Tudo visto e ponderado, atentas as disposições legais citadas e as considerações expendidas, decide-se: Julgar parcialmente improcedente, por não provada, a acusação e, em consequência: - absolver os arguidos AA e BB, da prática, como co - autores materiais, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º, al. a) do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

- Condenar o arguido CC como autor material da prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, alínea a) do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-A e I-B anexa ao mesmo diploma, na pena de quatorze meses de prisão.

- Suspender a execução da pena de prisão ora aplicada ao arguido CC, pelo mesmo período de quatorze meses de prisão, ao abrigo do art. 50º do CP.

Declarar perdido a favor do Estado o produto estupefaciente apreendido.

Condenar o arguido CC a pagar as custas, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UCs.

- Proceda-se ao depósito - art. 372º, n.º 5 do CPP. - Notifique.

- Comunique ao Gabinete de Combate à Droga do Ministério da Justiça – artigo 64º, n.º 2 do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

- Após trânsito extraia certidão de todo o processado e remeta para a Comissão para Dissuasão da Toxicodependência – art. 5º da Lei n.º 30/2000.»*Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, solicitando a revogação da sentença proferida e a sua substituição por outra que contemple a condenação dos arguidos AA e BB e a elevação da medida concreta da pena quanto ao arguido CC.

Apresenta nesse sentido as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição): «DOS ARGUIDOS AA E BB Do erro notório, relativamente à co-autoria e venda de estupefacientes 1.

Os arguidos AA e BB foram absolvidos da prática do crime tráfico de estupefacientes de menor gravidade, em razão do tribunal a quo ter considerado que, sem prova testemunhal directa do acordo entre os três arguidos e da venda de estupefacientes, não é possível presumir os correspondentes factos, descritos nos pontos A, B e C dos factos não provados.

  1. Sob pena de destruição do Estado de Direito (art.º 1º da Constituição da República Portuguesa), e à luz do princípio da prova livre (art.º 125º do Código de Processo Penal), do princípio da livre apreciação (art.º 127º do Código de Processo Penal) e do princípio do inquisitório (art.º 340º do Código de Processo Penal), o tribunal pode e deve socorrer-se de presunções judiciais/prova indirecta, mesmo que contra os arguidos, quando existir um nível de certeza prática de que tais factos correspondem à verdade.

  2. No caso dos autos, a mera análise dos pontos de factos provados 1, 2, 3, 5, 6 e 7, à luz das mais elementares regras do normal acontecer, evidencia uma colaboração dos arguidos entre si, com vista à venda de estupefacientes a terceiros.

  3. Com efeito, não há outra hipótese razoável que explique as circunstâncias dos arguidos AA e BB terem os seus bens pessoais na casa do arguido CC, o arguido AA ter as chaves de casa do arguido CC, os arguidos AA e BB terem dinheiro e substâncias estupefacientes consigo, e o cofre na casa do arguido CC se encontrar aberto, com muitos mais estupefacientes lá dentro, para além dum trânsito de e para a casa do arguido CC por parte dos outros dois arguidos, no contexto duma colaboração entre os três arguidos, com vista à venda do estupefaciente a terceiros.

  4. Se a causa dos factos provados 1, 2, 3, 5, 6 e 7 não pode ser atribuída senão aos pontos de facto não provados A, B e C, “o indício diz-se necessário e o seu valor probatório aproxima-se da prova directa”.

  5. Assim, a decisão de não prova dos pontos de facto A, B, e C, corresponde a um erro notório na apreciação da prova (art.º 410º/1, al. c), do Código de Processo Penal); suprível através da sua passagem para o rol dos factos provados (artº. 426º/1 do Código de Processo Penal, a contrario).

    Do erro de julgamento, relativamente co-autoria e a intenção de venda 7.

    De acordo com o depoimento da única testemunha ouvida na audiência de discussão e julgamento, o agente de polícia DD, que foi considerado credível pelo tribunal a quo (cfr. gravação com nome da testemunha, disponível na sessão de julgamento de 23/11/2021, circa 02:52 a 03:00 e 03:31 a 05:00): a.

    Os arguidos AA e BB encontravam-se juntos, quando foram interceptados; b.

    O arguido AA tinha a chave da caixa de correio da casa do arguido CC, onde foram encontradas as substâncias estupefacientes aludidas no ponto 5 dos factos provados.

    c.

    E foi o arguido AA que indicou a existência de cocaína e heroína nessa caixa de correio.

  6. Os três factos/indícios acrescentados pela testemunha, à luz das regras da normalidade, reforçam o nível de certeza da prática dos pontos de facto A, B e C, que já resultava da análise dos pontos 1 a 7 dos factos provados.

  7. Assim, a não se entender que existiu um erro notório, a conjugação da argumentação contida nas conclusões 1 a 8 evidencia violação de regras da normalidade na decisão de não prova dos pontos de facto A, B e C, a justificar a sua passagem para o rol dos factos provados.

    Do erro notório, relativamente à detenção de estupefacientes, por parte do arguido BB 10.

    Como resulta do ponto 3 dos factos provados, o arguido BB tinha consigo cocaína, canábis e MDMA.

  8. Apesar disso, a sentença recorrida, no ponto C) dos factos não provados, sem explicar os motivos, também deu como não provado os elementos subjectivos relativos à mera detenção dos estupefacientes.

  9. À luz das mais elementares regras da normalidade (art.º 127º do Código de Processo Penal), é óbvio que, qualquer pessoa que tenha consigo cocaína, canábis e MDMA, quer ter consigo estas substâncias.

  10. Assim, devia ter-se considerado provado que “O arguido BB actuou de modo livre, deliberado e consciente, sabendo que a detenção não lhe era permitida, querendo atuar desta forma”.

  11. Uma vez que estes factos estão contidos no ponto C) (são um minus relativamente a este): a.

    a sua consideração não consubstancia qualquer alteração de factos, b.

    e a decisão da respectiva não prova corresponde a um erro notório na apreciação da prova, suprível através da sua passagem para o rol dos factos provados e correspondente alteração do ponto C) dos factos não provados, para evitar eventual contradição.

    Da insuficiência de factos, relativamente à detenção de estupefacientes por parte do arguido AA 15.

    Relativamente à detenção de estupefacientes por parte do arguido AA, do depoimento da testemunha DD (cfr. gravação com nome da testemunha, disponível na sessão de julgamento de 23/11/2021, circa 03:31 a 05:00), resultou a demonstração de dois factos: a.

    O arguido AA tinha a chave da caixa de correio da casa do arguido CC, onde foram encontradas as substâncias estupefacientes aludidas no ponto 5 dos factos provados.

    b.

    Logo após a sua intercepção por parte dos órgãos de polícia, o arguido AA indicou a existência de cocaína e heroína nessa caixa de correio.

  12. De acordo com o art.º 21º do DL 15/96, basta a mera detenção para que o crime de tráfico de estupefacientes se verifique.

  13. Os factos indicados pela testemunha evidenciam que as substâncias encontradas na caixa de correio estavam sob domínio/ detenção do arguido AA, pelo que, nos termos do art.º 368º/2, al. a), do Código Processo Penal, deveriam constar da matéria de facto a decidir pelo tribunal.

  14. Inexistindo a pronúncia expressa do tribunal a quo sobre os preditos factos juridicamente relevantes, verifica-se o vício do art.º 410º/2, al. a), do Código de Processo Penal.

  15. O suprimento do vício poderá fazer-se através da consideração dos factos supra transcritos na conclusão 15 como provados, e com a prova do elementos subjectivos contidos no ponto C), relativos à mera detenção de estupefacientes por parte do arguido AA. Sugere-se a seguinte redacção: a.

    O arguido AA actuou de modo livre, deliberado e consciente, sabendo que a detenção não lhe era permitida, querendo atuar desta forma.” DO ARGUIDO CC 20. Tendo em conta o nível de especialização e preparação criminosa não despicienda, o papel director do arguido CC na conduta descrita nos autos (era ele que detinha a “fonte” de estupefacientes traficada), e a quantidade de estupefacientes apreendida, parece-nos que a pena decretada peca por defeito, sendo mais adequada a sua condenação numa pena de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa por igual período.

    Pelo exposto, roga-se que: 1) se declare que a decisão de não prova dos pontos A, B e C dos factos não provados consubstancia um erro notório na apreciação da prova, se supra o vício através da sua passagem para o rol dos factos provados, e, em consequência, se condene os arguidos AA e BB pelo crime pelo qual vinha acusados; 2) se assim não se entender, se declare que a mesma decisão de não prova consubstancia um erro de julgamento, com o suprimento e as consequências referidas no ponto anterior; 3) se se entender que não existe qualquer erro relativamente à decisão de não prova da co-autoria e intenção de venda: a.

    se considere que a decisão de não prova da vontade e consciência de detenção de estupefacientes por parte do arguido BB, factos estes contidos no ponto c) dos factos não provados, consubstancia um erro notório na apreciação da prova, se supra o vício através da sua passagem para o rol dos factos provados, e, em consequência, se condene o arguido BB; b.

    e se considere que existe uma insuficiência de factos, relativamente à detenção de estupefacientes por parte do arguido AA, se supra o vício através do aditamento de tais factos e da passagem dos respectivos...

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