Acórdão nº 4060/19.2T8LRS.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução19 de Janeiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.

AA intentou acção especial de acompanhamento de maior em benefício de BB: I. — requerendo que lhe seja aplicada a medida de acompanhamento de representação geral, com administração total de bens; II. — indicando-se a si próprio para exercer as funções de acompanhante, na qualidade de filho da beneficiária.

2. A beneficiária BB contestou, alegando: I. — a ilegitimidade do Requerente; II. — a desnecessidade de medidas de acompanhamento e, subsidiariamente, desde que as medidas de acompanhamento sejam consideradas necessárias, III. — a designação do seu cônjuge CC como acompanhante; IV — a designação dos seus filhos DD e EE como membros do conselho de família.

3.

O Requerente AA: I. — respondeu à excepção de ilegitimidade, concluindo pela sua improcedência; II. — requereu o suprimento da autorização da beneficiária para a propositura da acção.

3.

Foi suprida a autorização da beneficiária para a propositura da acção pelo requerente, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 141º, n.º 2, do Código Civil.

4.

O Tribunal de instância proferiu sentença, cujo dispositivo é do seguinte teor: “Pelo exposto, julga-se necessário o acompanhamento de BB, por esta se encontrar impossibilitada de exercer plena, pessoal e conscientemente os seus direitos e de cumprir os seus deveres, e 1. — Determina-se que beneficie das medidas de representação geral e administração total de bens, as quais se tornaram convenientes desde Dezembro de 2018; 2. — Limita-se os direitos pessoais de casar ou de constituir situações de união, de procriar, de perfilhar ou de adoptar, de cuidar e de educar os filhos ou os adoptados, de escolher profissão, de se deslocar no país ou no estrangeiro, de fixar domicílio e residência, de estabelecer relações com quem entender, de testar e bem assim o direito de celebrar negócios da vida corrente; 3. — Nomeia-se para o cargo de acompanhante CC, o qual no seu exercício deverá privilegiar o bem-estar e a recuperação da beneficiária, com a diligência requerida a um bom pai de família devendo, nomeadamente, assegurar que a beneficiária mantenha o seguimento médico regular em consultas com o seu médico assistente, cumprindo as prescrições que aí vierem a ser determinadas; deverá igualmente manter um contacto permanente com a beneficiária.

4. — Designam-se para integrar o Conselho de Família, AA, na qualidade de protutor, e DD, na qualidade de vogal.

5. Fixa-se em 5 anos o prazo de revisão oficiosa das medidas de acompanhamento, o qual se inicia com a data do trânsito em julgado da presente sentença. Sem custas (artigo 4.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. h) do Regulamento das Custas Processuais) .” 5.

Inconformados com o segmento da decisão relativo à designação dos membros do conselho de família, a beneficiária BB e o acompanhante nomeado CC interpuseram recurso de apelação e AA, recurso subordinado.

6.

O Tribunal da Relação julgou improcedentes os dois recursos, e decidiu:“Em face do exposto julga-se improcedente o recurso principal e o recurso subordinado, mantendo-se a sentença recorrida. Custas em cada um dos recursos pelos recorrentes respectivos.” 7.

Inconformados, a beneficiária BB e o acompanhante nomeado CC interpuseram recurso de revista.

8.

Finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões (transcrição): “1. A Beneficiária manifestou antecipadamente, a 1 de Março de 2018, a sua vontade, de forma livre e esclarecida, não só quanto à escolha do acompanhante, mas também quanto à escolha das pessoas a designar para o Conselho de Família.

2. Tal como na escolha do acompanhante, na escolha do protutor há que atender primeiramente à vontade do Beneficiário e se ela não existir, o que não é o caso, há que apurar e designar a pessoa, familiar ou não, que melhor salvaguarde o interesse imperioso do Beneficiário, como claramente resulta do disposto no Art. 143º do Código Civil.

3. Assim o impõe a Convenção dos Direitos as Pessoas com Deficiência, mormente os seus Arts. 3º e 12º que consagram os Princípios da Dignidade, da Autonomia e da Participação, plasmados, nomeadamente nos seguintes normativos da legislação nacional: legitimidade do próprio para intentar a acção de acompanhamento (Art. 141º, nº 1 do C.C.); a prevalência da sua vontade quanto à escolha do acompanhante (Art. 143º, nº 1 do C.C.); a relevância da vontade antecipadamente expressa (Art. 900º, nº 3 do C.P.C.).

4. O Art. 143º, nº 1 do C.C. remete para o regime da tutela com as devidas adaptações e não afasta a relevância da vontade antecipadamente expressa.

5. E o Art. 900º, nº 3 do C.P.C. manda atender à vontade antecipadamente expressa sem excluir quanto à designação do protutor.

6. O Tribunal a quo faz errada interpretação e aplicação das normas contidas nos mencionados artigos.

7. “Compete ao próprio beneficiário, por respeito à sua dignidade, autodeterminar a sua esfera de interesses. A ausência ou limitação da capacidade de autodeterminação imediata não afasta a manifestação da sua vontade anterior à incapacidade, pelo que as opiniões e interesses anteriormente manifestados terão obrigatoriamente de ser considerados, sendo aqueles tanto mais vinculativos quanto maior for o seu grau de concretude, a forma das declarações e a capacidade de autodeterminação na data em que foram formuladas. Quando seja necessário recorrer a um terceiro para apoiar ou assistir a formação ou formulação da vontade do beneficiário, aquele terá que se vincular ao querido e desejado por este e não a padronização por critérios estritamente objectivos(62).” (pags. 31 e 32 do artigo acima referido do Professor Geraldo Ribeiro). (negrito nosso).

8. “Toda a actuação sobre a esfera pessoal ou patrimonial do beneficiário terá que ser feita por referência aos interesses, vontade e valores manifestados anteriormente ao fenómeno incapacitante(67). O recurso a critérios objectivos apresenta-se, como já aludimos, como ultima ratio, na ausência de meios para reconstruir a vontade da pessoa incapaz, isto é, na impossibilidade de determinar a vontade presumida da pessoa. Mesmo a objectivização dos critérios de actuação não prescinde de um esforço de avaliação individual desses mesmos critérios, atento o momento e a oportunidade da situação(68).”(pag. 33). O sistema é construído a partir da presunção de plena capacidade e de garantia dos direitos interesses do beneficiário, em particular opondo-se ao acompanhante. A hetero-determinação é proibida, devendo prevalecer sempre a vontade do beneficiário.” (pag. 35 do artigo acima referido do Professor Geraldo Ribeiro).

9. Se fundamento não existe para desrespeitar a vontade antecipadamente expressa pela Beneficiária, também carece de fundamento a decisão de designar o filho mais velho, Requerente nos presentes autos, sem se apurar se o mesmo tinha ou não condições para o exercício do cargo de protutor.

10. Sendo que este, tendo-se ausentado há muitos anos da vida da sua mãe não conhece a sua vontade, os seus gostos e preferências, pelo que é impossível respeitá-las.

11. Tal decisão constitui violação dos direitos fundamentais da Requerida, plasmados nos Artigos 13º e 26º da Constituição da República Portuguesa, bem como uma inaceitável ingerência na vida privada e familiar da Requerida pelo Estado Português, ao contrariar a vontade expressa de uma cidadã sobre a gestão da sua vida, num momento em que ainda se encontrava lúcida.

12. A nomeação do filho mais velho da Requerida como seu protutor, contrariando a vontade expressa da mesma, viola o nº 1 do Artº 8 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que diz: “Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência”, sendo que, o nº 2 do mesmo artigo diz: “Não pode haver ingerência da Autoridade Pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei (negrito nosso) 13. Há que respeitar a vontade antecipadamente manifestada pela beneficiária e, em conformidade, designar-se para o cargo de protutor o seu filho EE.

14. O Tribunal a quo não só não atendeu à vontade antecipadamente expressa do acompanhado, como se impunha, nomeadamente por força do disposto no Art. 900º, nº 3 do C.P.C., como também não apurou de saber quem, na falta de escolha, melhor salvaguardaria o interesse do beneficiário.

15. Nem mesmo ponderou os critérios estabelecidos nos Arts. 1951º e 1952º do C.Civil, os quais, sempre terão que ser interpretados e aplicados à luz dos princípios consagrados na Convenção de Nova Iorque.

16. E se os tivesse ponderado teria chegado à conclusão de que o Requerente nunca deveria ser designado como protutor mais que não fosse pelo afastamento físico e emocional entre mãe e filho e também pela manifestação de vontade daquela em sentido contrário.

17. O Tribunal a quo faz assim uma interpretação errada das normas contidas nos Artigos 1 951º, 1952º e 1953º do Código Civil.

18. Na designação do protutor não se trata de acautelar os interesses de todos nem de fazer a vontade ao Requerente.

19. Trata-se de promover a Dignidade, a qualidade de vida os Direitos da Beneficiária bem como de respeitar a sua vontade.

20. Do Art. 1956º do Código Civil: resulta, desde logo, que as funções do protutor vão muito para além da simples fiscalização: a) Cooperar com o acompanhante no exercício das funções tutelares, podendo encarregar-se da administração de certos bens do menor nas condições estabelecidas pelo conselho de família e com o acordo do tutor; b) Substituir o acompanhante nas suas faltas e impedimentos, passando, nesse caso, a servir de protutor o outro vogal do conselho de família; c) Representar o acompanhado em juízo ou fora dele, quando os seus interesses estejam em oposição com os do acompanhante e o tribunal não haja nomeado curador especial.

21. Ou seja, por um lado pressupõe-se a boa articulação entre acompanhante e protutor por forma a poder existir cooperação, por outro, o protutor pode ser chamado a substituir o...

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