Acórdão nº 682/18.7T8PVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução19 de Janeiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I.

Relatório 1.

Em 18 de abril de 2018, com o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, AA instaurou ação declarativa sob forma comum contra BB e requereu a intervenção principal do lado ativo de CC pedindo a final que a ré seja condenada a transmitir para a autora e seu marido a fração correspondente a uma habitação sita no 2º andar direito traseiras, então inscrita na matriz predial de ... sob o artigo ...53 (atualmente inscrita na matriz predial da União das freguesias ... e ... sob o artigo ...31) e descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...02... e registada a seu favor.

Para fundamentar as suas pretensões a autora alegou, em síntese, que em meados de 2002, início de 2003, a autora e o então namorado, agora seu marido, decidiram adquirir casa tendo em vista o casamento de ambos; para o efeito, após procura em várias localidades perto do Porto, adquiriram, em regime de compropriedade, uma fração no ..., tendo recorrido ao crédito bancário; tendo em conta as possibilidades financeiras do casal, a instituição bancária apenas lhes concedeu crédito quando os pais do seu marido se aprestaram a ser fiadores, o que aconteceu; após o casamento, o casal constituído pela autora e seu marido fixaram a sua residência na dita fração onde permaneceram até meados de 2009; nessa altura, após o nascimento da filha de ambos, DD, o casal constituído pela autora e seu marido CC decidiram adquirir casa em ..., tendo, para o efeito encetado procura para a mesma; quando finalmente encontraram o que procuravam, apartamento em ... tipologia T2, o seu marido, em 27 de junho de 2009, celebrou contrato-promessa de compra e venda com a proprietária da fração que pretendiam adquirir, EE, pelo preço de € 125.000,00 tendo entregue, a título de sinal, a quantia de € 5.000,00; na mesma data, tendo em conta a futura aquisição da fração, decidiram arrendar a fração do ..., e combinaram entre si que tal quantia seria destinada a liquidar o empréstimo da fração que iam adquirir em ...; o que aconteceu, pelo que em agosto de 2009 arrendaram a fração supra mencionada pelo valor de € 450,00 e foram habitar para casa dos pais da autora, com a filha menor de ambos, até à conclusão dos procedimentos necessários à aquisição da fração de ...; encetados os procedimentos bancários destinados à concessão de crédito para aquisição da fração de que já tinham celebrado contrato-promessa e entregue o sinal, o casal, constituído pela autora e o seu marido, foi confrontado com a necessidade de encontrar fiadores para garantia do contrato de mútuo, tendo para o efeito solicitado aos pais do cônjuge marido que interviessem na concessão do crédito hipotecário como seus fiadores, o que foi por eles recusado; face à recusa destes e por sugestão de uma amiga bancária do cônjuge marido, o casal solicitou à ré, irmã do marido da autora, que interviesse na qualidade de adquirente na aquisição da fração prometida comprar, já que tinha condições de crédito muito boas, ficando a autora e o seu marido fiadores do crédito; foi assegurado à ré, que o casal assumiria, na íntegra, todas as despesas com a aquisição da fração bem como o pagamento do empréstimo contraído, condomínio, IMT, etc., o que efetivamente aconteceu; por seu turno, a ré obrigou-se a transmitir a propriedade da fração para o casal constituído pela autora e seu marido, logo que para tanto fosse interpelada; assim, em 16 de outubro de 2009, no posto de atendimento da ... Conservatória do Registo Predial ..., foi celebrada a compra e venda da fração autónoma “HA” correspondente a uma habitação sita no 2º andar direito traseiras, então inscrita na matriz predial de ... sob o artigo ...53 (atualmente inscrita na matriz predial da União das freguesias ... e ... sob o artigo ...31) e descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...02... e na qual figura como compradora a ré e a autora e o seu marido como fiadores; desde janeiro de 2010 até dezembro de 2016, a autora e seu marido e a filha menor de ambos e, posteriormente e desde janeiro de 2017, a autora e a filha, mantêm na fração, em que a ré figura como compradora, o centro da sua atividade familiar social e económica, de forma ininterrupta, ali comendo e confecionando a alimentação, recebendo familiares e amigos, bem como toda a correspondência; desde aquela data que pagam os consumos de água, gás e eletricidade, prestação de condomínio, IMI e taxas de conservação e esgotos e, ainda, a prestação bancária devida pelo empréstimo hipotecário e tudo quanto se mostra necessário à sua manutenção; dela dispondo à vista de toda a gente e com conhecimento de todos quantos nisso tivessem interesse, sem malícia e sem perturbação ou oposição de alguém, decidindo dela sem interferência de outrem e sobre ela intervindo sem pedir licença a ninguém, como donos e efetivos proprietários que sempre foram; e quando a autora desabafava com o seu marido que qualquer dia a irmã poderia exigir a fração, este logo lhe respondia que não era bem assim, já que tinha como provar que era ele que pagava tudo; e, efetivamente, assim aconteceu, pelo menos até recentemente, nomeadamente após a separação entre a autora e o seu marido ocorrida em julho de 2016; desde então, a ré conluiada e a pedido do marido da autora, que pretendia manter-se na casa de morada de família, mas sem esta e a filha de ambos, passou a enviar cartas solicitando a entrega da fração, ao que a autora nunca acedeu.

  1. Citada, a ré contestou comprovando ter-lhe sido concedido apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, impugnou a maior parte dos factos alegados pela autora, negando que tenha celebrado a compra do imóvel ocupado pela autora na qualidade de mandatária sem representação da autora e do marido desta, tendo ao invés acedido à proposta de seu irmão, marido da autora, que face à impossibilidade financeira de consumar a aquisição da fração autónoma, a convenceu a adquiri-la para si, o que aceitou, acordando que cederia temporariamente a seu irmão CC a assinalada fração habitacional, para que este, juntamente com mulher e filha menor, a utilizasse, a troco de uma verba mensal correspondente ao montante da prestação crédito bancário concedido pela Caixa Geral de Depósitos à ré (ascendendo à data a € 239.06) e do não reembolso a este do montante por ele pago à anterior proprietária a título de sinal (€ 5.000,00) e sem prejuízo de correrem por exclusiva responsabilidade de seu irmão o pagamento das despesas de condomínio, à época cerca de € 60,00 mensais, e, bem assim, consumos de água e luz; deduziu reconvenção pedindo que na eventualidade de procedência da ação, deve a autora ser condenada a reembolsar a ré de todas as despesas que haja feito no cumprimento do alegado mandato e na hipótese de improcedência da ação pediu a condenação da autora ao pagamento da quantia de € 12.582,25 pela ocupação sem título da fração autónoma de que é dona, pedindo ainda a condenação da autora como litigante de má-fé em multa exemplar e em condigna e exemplar indemnização a seu favor.

  2. A autora não contestou a reconvenção.

  3. Admitiu-se a intervenção principal do lado ativo (despacho de 9.7.2018), solicitada pela A. na sua PI, de CC que citado ofereceu articulado corroborando, no essencial, a contestação da ré e pugnando pela total improcedência da acção, comprovando ter requerido apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, tendo o Instituto de Solidariedade e Segurança Social., I.P. comunicado a juízo a concessão do interveniente do benefício de apoio judiciário por ele requerido.

  4. Realizou-se uma infrutífera tentativa de conciliação, sendo a instância suspensa por acordo das partes pelo prazo de trinta dias.

  5. Proferiu-se despacho a admitir a reconvenção e fixou-se o valor da causa no montante de € 142.772,25.

  6. Proferiu-se despacho saneador tabelar, identificou-se o objeto do litígio, enunciaram-se os temas da prova, conheceu-se dos requerimentos probatórios das partes e designaram-se datas para realização da audiência final.

  7. A audiência final realizou-se em três sessões e em 26 de novembro de 2021 foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, decide-se: III. a) Julgar a ação improcedente; III. b) Julgar a reconvenção parcialmente procedente, condenando-se a Autora/Reconvinda a pagar à Ré/Reconvinte a quantia de € 11.500,00, acrescida da quantia mensal de € 650,00, a contar de junho de 2018 até à entrega da fração autónoma HA devoluta de pessoas e bens; III. c) Absolver a Autora/Reconvinda do demais que foi peticionado pela Ré/Reconvinte.

    Condena-se a Autora a pagar as custas da ação e condenam-se a Autora/Reconvinda e a Ré/Reconvinte a pagar as custas da reconvenção na proporção do respetivo decaimento (art.

    527.º do Código de Processo Civil), sem prejuízo para o apoio judiciário que lhes foi concedido.

    Registe e notifique.

    ” 9.

    Em 26 de Janeiro de 2022, inconformada com a sentença AA interpôs recurso de apelação.

  8. O Tribunal da Relação conheceu do recurso, alterou a matéria de facto e decidiu: “Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da ... secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar procedente o recurso de apelação interposto por AA e, em consequência, em alterar os fundamentos de factos da sentença recorrida nos termos que ficaram expostos quando se conheceu da reapreciação da decisão da matéria de facto e em revogar o seu dispositivo, condenando-se BB a transmitir para AA e CC a fração correspondente a uma habitação sita no 2º andar direito traseiras, então inscrita na matriz predial de ... sob o artigo ...53 (atualmente inscrita na matriz predial da União das freguesias ... e ... sob o artigo ...31) e descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...02...

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