Acórdão nº 747/18.5T8STR.E1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA SOTTOMAYOR
Data da Resolução17 de Janeiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - Relatório 1. AA e BB, casados entre si, propuseram ação declarativa de condenação, com processo comum, contra o Banco BIC Português SA, formulando os seguintes pedidos: 1 - Condenação do réu a pagar aos autores a quantia global de € 112.000, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vincendos e contados desde 08.03.2018, sobre a quantia de € 100.000, até integral pagamento; 2 - Subsidiariamente, declaração da nulidade de qualquer eventual contrato de adesão que o réu invoque para ter aplicado o valor de € 100.000, que os autores lhe confiaram, em "Obrigações SLN Rendimento Mais 2004", sendo declarada ineficaz em relação aos mesmos autores a aplicação que o réu tenha feito desses montantes e, em consequência, ser o réu condenado a restituir aos autores a quantia de € 112.000, respectivos juros vencidos à taxa legal e juros moratórios legais vincendos desde 08.03.2018, inclusive, sobre a quantia de € 100.000, até integral pagamento; 3 - Em qualquer caso, condenação do réu a pagar aos autores a quantia de € 10.000 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios legais vincendos contados desde a data da citação até integral pagamento.

O réu contestou, invocando as exceções de incompetência territorial do tribunal e de prescrição e concluindo que a ação deve ser julgada improcedente.

Os autores responderam às exceções suscitadas pelo réu.

Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a exceção de incompetência territorial e se relegou para a sentença o conhecimento da exceção de prescrição. Procedeu-se à identificação do objeto do litígio e ao enunciado dos temas de prova.

  1. Realizou-se a audiência final, na sequência da qual foi proferida sentença que condenou o réu a pagar aos autores a quantia de € 100.000, acrescida de juros de mora à taxa legal, calculados sobre essa quantia, desde 23.10.2014 até integral pagamento, e a quantia de € 7.000 a título de danos morais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados sobre essa quantia, desde a data da citação até integral pagamento.

  2. O réu recorreu da sentença, tendo o Tribunal da Relação de Évora julgado o recurso improcedente e confirmado a sentença do tribunal de 1.ª instância.

  3. Novamente inconformado, o réu interpôs recurso de revista excecional, ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, do CPC, que foi admitido pela Formação a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do CPC.

  4. Na sua alegação de recurso, à qual juntou dois pareceres jurídicos, formulou, para o que aqui releva, as seguintes conclusões: «1. A decisão recorrida vem condenar o Banco R. por responsabilidade civil na qualidade de intermediário financeiro, por violação do dever de informação aquando da colocação de instrumento financeiro obrigacionista junto dos Autores.

  5. Para tanto, o douto aresto dá por verificado o cumprimento dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, e concretamente a ilicitude – que identifica com a dita falsidade/omissão de informação –, a culpa – que se presume nos termos gerais do art.799.º do Código Civil e art.314.º do Código dos Valores Mobiliários –, e o dano – correspondente ao valor da prestação não cumprida pela entidade emitente.

  6. Já no respeitante ao nexo de causalidade, o douto acórdão, caracterizando esta como uma responsabilidade contratual, limita-se a apreciar sumariamente toda a questão em torno do procedimento informativo.

  7. Ignorando por completo elementos fulcrais para o justo desfecho da causa, tais como a circunstância de aos Autores terem sido remetidos, periodicamente e ao longo de vários anos, os extratos bancários relativos à carteira de títulos destes.

  8. Extratos estes onde apareciam todos os produtos financeiros detidos pelos Autores, bem como os proveitos obtidos em função dos mesmos, devidamente identificados e separados entre si.

  9. Tendo, assim, ao longo de vários anos os Autores recolhido o valor de juros remuneratórios associado às obrigações subscritas, sem nunca de tal terem reclamado.

  10. Posteriormente, sem qualquer alicerce na prova e apenas com base num mero raciocínio judiciário, determinou o Tribunal da Relação que não fosse a suposta violação do dever de informação, quer quanto à omissão de informação, quer quanto à prestação de informação falsa, e os Autores nunca teriam subscrito tais obrigações.

  11. Ao percorrer tal caminho, optou o mui douto Tribunal da Relação por não considerar determinados elementos, tanto factuais como jurídicos – e que são merecedores de maior atenção –, proferindo uma decisão que, do ponto de vista jurídico, não pode ser tida como aceitável.

  12. No que concerne ao nexo de causalidade, incorreu o douto Tribunal da Relação por um caminho que tanto tem de simplista como de temerário, pois que, ao considerar a verificação do elemento do nexo causal nos termos em que o fez, decidiu sem que qualquer prova sobre o mesmo tivesse sido apresentada e produzida pelos Autores, acabando, ainda, o Tribunal Recorrido por não expor os devidos fundamentos e percurso cognoscitivo que o terão levado a decidir em tal sentido.

    Ora, 10. Do texto do art.799.º, n.º 1 do Código Civil não resulta qualquer presunção de causalidade. E, de resto, nos termos do disposto no art.344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei.

  13. Além do mais, sempre importa recordar que nunca tal solução seria adequada aos casos de incumprimento de prestações contratuais acessórias, apesar de cumprida a prestação principal – como se crê ser o caso.

  14. Para o efeito, prestação principal será aquela que é típica de um contrato, que o define enquanto figura contratual.

  15. No âmbito do contrato de intermediação financeira de receção e transmissão de ordens por conta de outrem, a prestação principal não pode deixar de ser reconduzida, só e apenas, à boa receção da ordem e consequente transmissão, a fim de ser executada perante o terceiro nos termos ordenados.

    Assim, 14. A prestação de informação exaustiva, suficiente e clara sobre o produto em causa, prestada no âmbito da atividade intermediação financeira, sempre constituirá já uma prestação secundária daquela atividade, destinada a complementar ou tornar perfeito o cumprimento da prestação principal – mas que nunca se pode confundir com esta! 15. De todo o modo, no âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem – in casu, não foi sequer devidamente sustentado o elemento do nexo causal.

    Acresce que, 16. Estando perante uma situação em que se configura existir dois contratos distintos e autónomos entre si: (i) contrato de intermediação financeira, e (ii) contrato de empréstimo obrigacionista entre os Autores e entidade terceira.

  16. Quando deparados com a invocação de um incumprimento contratual por parte dos Autores, entende-se, nesta sede, que o resultado relevante será o referente ao reembolso do investimento efetuado.

  17. Porém, neste caso, estamos perante uma falta de resultado no âmbito da subscrição obrigacionista, e não no âmbito do contrato de intermediação financeira –aliás, há muito cumprido.

  18. Pelo que, nunca pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear a responsabilização contratual no âmbito de um outro contrato, ainda para mais no caso de este ter sido cumprido.

  19. Quer isto dizer que, não bastará a mera invocação do incumprimento no seio do contrato de empréstimo obrigacionista para se apurar a responsabilidade do intermediário financeiro.

    Deste modo, 21. Em sede de responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, sempre caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, o que de todo não se verificou no caso concreto.

    De facto, 22. A prestação de informação falsa (ou a omissão de informação) está umbilicalmente ligada ao regime do erro, no que ao nexo de causalidade diz respeito.

    Assim, 23. Num primeiro momento, é indispensável que o investidor prove que, sem violação do dever de informação, não teria celebrado qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente daquele que celebrou. Num segundo momento, é necessário lograr fazer prova de que aquele concreto negócio produziu um dano. Por fim, e num terceiro momento, é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose póstuma objetiva ao tempo dos factos.

  20. E nada disto foi, no nosso mais humilde entender, feito! 25. Nestes termos, ou os Autores alegavam e provavam que se tivesse sido cumprido o dever de informação, não teriam realizado o investimento, ou, então, tem que suportar as consequências de um investimento que se veio a tornar ruinoso, pois não há forma de, pela responsabilidade, corrigir a titularidade do risco.

  21. O Tribunal a quo violou, portanto, por errónea interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 563.º e 799.º do Código Civil.

    Em todo o caso, 27. Dever-se-á concluir estarmos perante um caso em que será admissível a interposição de Recurso de Revista Excecional, nos termos do disposto no artigo 672º, número 1, alíneas a), b) e c), do Código de Processo Civil, com fundamento na violação da lei substantiva, com base em erro de julgamento na aplicação de direito, nos termos do artigo 674º, número 1, alínea a) do Código de Processo Civil.

    TERMOS EM QUE SE CONCLUI PELA PROCEDÊNCIA DO PRESENTE RECURSO E POR VIA DELE PELA...

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