Acórdão nº 038/22.7BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelJOAQUIM CONDESSO
Data da Resolução18 de Janeiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO X RELATÓRIO X"Z..., S.A.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso para uniformização de jurisprudência, ao abrigo do artº.284, do C.P.P.T., dirigido ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do S.T.A., visando o acórdão proferido pelo S.T.A.-2ª.Secção, no pretérito dia 12/01/2022, no âmbito do proc.887/20.0BELRS (cfr.fls.29 a 35-verso do processo físico), o qual termina negando provimento ao recurso e confirmando a sentença recorrida que julgou parcialmente procedente impugnação tendo por objecto acto de liquidação de I.R.S. e juros compensatórios, no valor total de € 8.179,46 e relativo ao ano fiscal de 2016.

A recorrente invoca oposição entre o acórdão recorrido e o aresto, igualmente da Secção de Contencioso Tributário, deste Supremo Tribunal Administrativo, proferido no proc.399/13.9BEAVR, em 24/04/2019 e já transitado em julgado (cfr.cópia junta a fls.36-verso a 43 do processo físico), relativamente à questão que se consubstancia no alcance do dever geral de fundamentação dos actos administrativos que impende sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira, com assento legal e constitucional, no contexto específico da fundamentação dos actos de liquidação por remissão.

XPara sustentar a oposição entre o acórdão recorrido e o aresto fundamento, a sociedade recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.4 a 24 do processo físico), formulando as seguintes Conclusões: (a) O presente recurso, com vista à uniformização de jurisprudência, vem interposto do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 12 de janeiro de 2022, no processo número 887/20.0BELRS, no qual o Tribunal negou provimento ao recurso ordinário interposto pela ora Recorrente, contra a sentença proferida em 1.ª instância pelo Tribunal Tributário de Lisboa, subscrevendo assim o sentido do julgado na mesma preconizado; (b) O acórdão impugnado colide frontalmente com anterior decisão, também proferida por este Supremo Tribunal, no âmbito do processo número 0399/13.9BEAVR, a qual já transitou em julgado, sendo que além da intolerável contradição verificada (contrária aos significativos imperativos de segurança jurídica que, em respeito pelo princípio do Estado de Direito democrático, devem imperar no plano judicativo-decisório em sede tributária), o acórdão fundamento encontra-se inquinado de ilegalidade do ponto de vista substantivo, na medida em que nele se propugna um entendimento manifestamente ilegal no que respeita ao dever geral de fundamentação dos atos administrativos que impende sobre a Administração Pública lato sensu – e, para o que nos importa, sobre a Autoridade Tributária –, com assento legal e constitucional; (c) A mobilização do presente expediente processual – visando a uniformização jurisprudencial, com a anulação do acórdão impugnado e a sua substituição por outro, no sentido da pretensão da Recorrente, uniformizando-se a jurisprudência nesses termos – encontra-se perfeitamente justificada, pelo que o mesmo deve ser admitido, como, também de seguida, demonstrará a Recorrente; (d) No caso sub judice verifica-se uma patente e inaceitável contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito, nomeadamente, a respeito da interpretação dos mais relevantes comandos legais referentes ao direito/dever de fundamentação dos atos administrativos (cf. o artigo 77.º da Lei Geral Tributária, o artigo 153.º do Código do Procedimento Administrativo e o número 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa), no contexto específico da fundamentação dos atos de liquidação por remissão, defendendo a Recorrente que essa remissão deve ser expressa, clara e contextual, além de contemporânea do ato, o que resulta igualmente do acórdão fundamento; (e) No acórdão impugnado, o Supremo Tribunal Administrativo julgou o recurso interposto pela ora Recorrente, confirmando, no que releva na presente sede, o entendimento plasmado na sentença proferida em 1.ª instância pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no sentido em que é equiparável à fundamentação por remissão acolhida pelo legislador nos artigos 77.º da Lei Geral Tributária e 153.º do Código do Procedimento Administrativo, a remissão de cariz verdadeiramente antecipatório que alegadamente teve lugar no caso sub judice, promovendo, através do seu juízo, uma interpretação manifestamente contrária à lei e, bem assim, atentatória do disposto no número 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa, ignorando, por completo, o conteúdo e extensão efetiva do dever geral de fundamentação dos atos administrativos; (f) Andou mal o Supremo Tribunal Administrativo na decisão impugnada, pois que no acórdão fundamento foi defendida uma tese interpretativa oposta, ignorada por aquele Tribunal em sede de recurso (dado que a mesma foi suscitada pela Recorrente nas suas alegações), viabilizando assim a manutenção, por tempo indeterminado, de um conflito jurisprudencial na ordem jurídica, o qual coloca em perigo os imperativos de segurança jurídica que devem conformar, em toda a sua amplitude, o ordenamento jurídico tributário, além de ter dado primazia a um entendimento que contende frontalmente com a letra e o espírito das normas convocáveis em matéria de fundamentação dos atos administrativos, acima identificadas e concretamente em crise na presente sede (i.e., integrantes do quadro regulador convocado quer no acórdão impugnado, quer no acórdão fundamento); (g) O Supremo Tribunal Administrativo acolheu, no acórdão fundamento, pretensão idêntica àquela perfilhada pela ora Recorrente, tendo-o feito em circunstâncias em tudo idênticas e cotejáveis (não só ao nível do quadro regulador convocável e aplicável, mas também em termos fáticos), garantindo, desse modo, uma interpretação jurídico-normativa em linha com aquele que foi o intuito (espírito) do legislador aquando da previsão do dever de fundamentação dos atos administrativos; (h) Da análise dos acórdãos em confronto resulta estar em causa o mesmo quadro regulador, cuja coincidência decorre do facto de se estar diante de situações (fáticas) em tudo idênticas, sendo suscitados, com vista à composição do litígio, os mesmos preceitos legais em ambas as situações – o artigo 77.º da Lei Geral Tributária, o artigo 153.º do Código do Procedimento Administrativo e, bem assim, o número 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa –, todos referentes ao dever de fundamentação dos atos administrativos, com a nuance de que, num e noutro aresto, tais comandos legais são interpretados, pelo mesmo Tribunal, de modo dissonante, gerando-se uma evidente apoquentação interpretativa no ordenamento jurídico-tributário, que carece de ser solucionada; (i) Também se verifica uma inarredável identidade factual entre os acórdãos em oposição, porquanto (i) estão em causa sociedades comerciais, enquanto sujeitos passivos de imposto; (ii) ambas as sociedades comerciais foram objeto, ainda que em momentos distintos, de um procedimento de inspeção tributária; (iii) os atos de liquidação que, alegadamente, se fundaram nas correções plasmadas nos relatórios de inspeção tributária elaborados e notificados às referidas sociedades respeitam a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, apenas diferindo, de modo pouco significativo, na concreta nomenclatura da rubrica em causa; (iv) sem prejuízo da ausência de uma total coincidência, nos termos apontados, o teor da notificação é objetivamente comparável, na medida em que, no acórdão impugnado, apenas se refere, quanto à “[n]atureza do rendimento”, que se trata de “[c]apitais” e “[v]alores mobiliários – Entidades registadoras, deposit. (sic) e outras”, mais se indicando um valor de “[i]mposto”, com a referência de que o “[p]eríodo a que respeita o imposto” é “01/02/03/04/05/06/07/08/09/10/11/12”, (v) sendo que, no acórdão fundamento, é feita uma referência, quanto à “natureza do rendimento”, de que se trata de “[c]apitais – Outros rendimentos” (para além de “valores mobiliários” de entidades emitentes ou registadores, depositantes e outras, “juros de depósitos à ordem e a prazo”, do período 2011.12 e valor do “Imposto: € 30.019,77”– estando em causa, em ambos os casos, referências inaceitavelmente parcas e prolixas; (vi) num e noutro caso está-se perante atos de liquidação de imposto que, inegavelmente, não estabelecem qualquer ligação, quer ao relatório de inspeção tributária, quer a qualquer outra decisão ou procedimento de liquidação; (j) Em ambas as situações foi precisamente a mesma a questão submetida ao escrutínio do Tribunal, em matéria de fundamentação dos atos administrativos, conduzindo ao fornecimento de uma decisão baseada nas normas basilares nesse concreto domínio, e não em quaisquer outras (por não haver qualquer questão, dita colateral, a solucionar); (k) Atendendo à concretização jurisprudencial do disposto no número 3 do artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, resulta que por “jurisprudência consolidada” deve entender-se jurisprudência uniformizada (i.e., acórdãos proferidos pelo Pleno da Secção), pelo que, no presente caso, inexiste, ao que a Recorrente conseguiu apurar, jurisprudência consolidada, nos termos e para os efeitos previstos no número 3 do artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário; (l) Em todo o caso, a norma que se retira do número 3 do artigo 284.º do CPPT, na parte em que refere “[o] recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo”, é inconstitucional, uma vez que o facto de o legislador acabar por atribuir, na prática, ao próprio Supremo Tribunal Administrativo, em cada caso e sem um critério geral e abstrato previamente definido, o poder de concretizar e aplicar o conceito de “jurisprudência mais recentemente consolidada”, impede o Recorrente de saber se o seu recurso para uniformização de jurisprudência vai ou não ser aceite, pode não poder antecipar com...

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