Acórdão nº 2122/21.5T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelFRANCISCO SOUSA PEREIRA
Data da Resolução19 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO AA, com os demais sinais nos autos, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Óptica ..., Lda e contra ...1 - Ópticas, Lda, ambas nos autos também melhor identificadas, pedindo que seja declarada a ilicitude do despedimento e sejam as rés condenadas: A 2ª R. no pagamento: - da quantia de €17.040,63 a título de indemnização em substituição da reintegração; - da quantia a determinar a título de retribuições, incluindo proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal que a A. deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente sentença; - da quantia de €134,68 a título de retribuição do mês de Março de 2021; - da quantia de €394,51 a título da retribuição do mês de Abril de 2021; - da quantia de €1.330,00 a título de férias e respectivo subsídio vencidos a 1/1/2021; - da quantia de €665,00 a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal pelo trabalho prestado no ano de 2021; A 1ª R. no pagamento solidário da supra referida quantia de €1330,00 a título de férias e subsídio de férias; - todas estas quantias acrescidas de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%.

Para tanto e em síntese, alega: A 1.ª ré “Óptica ..., Lda” explorava um estabelecimento de óptica, situado no ..., loja nº ...9, em ....

Em 14/06/2004, admitiu a autora ao seu serviço, por contrato escrito, sem termo, para, sob a sua direcção, autoridade e integrada na sua organização, exercer funções de caixeira ajudante de primeiro ano naquele estabelecimento, com um período de trabalho semanal de 40 horas, distribuídas de segunda a sábado, e mediante o pagamento da retribuição mensal que indica.

Em 08/02/2021 passou a exercer as mesmas funções, no mesmo estabelecimento, com os mesmos horários, utilizando os mesmos instrumentos de trabalho, nas mesmas condições, ao serviço da 2.ª ré.

Foi o legal representante da 2.ª ré, BB, quem pagou à autora a retribuição do mês de Fevereiro, no montante de €750,00, sendo que a 2.ª ré proporcionou formação à autora na área de lentes para óculos, a qual ocorreu no dia 01/03/2021.

Em 05/03/2021 entrou de baixa médica até 16/04/2021, data em que retomou o trabalho.

Em .../.../2021 faleceu a mãe da autora e, apesar de estar a faltar justificadamente devido ao falecimento da mãe, em .../.../2021 foi convocada pela 2.ª ré para uma reunião, na qual o Sr. BB, em representação da ré, lhe disse que não voltasse mais ao trabalho e que o estabelecimento ia encerrar, pedindo-lhe ainda a chave do estabelecimento.

Apesar disso, após o período de cinco dias de ausência pelo falecimento da mãe, no dia .../.../2021 a autora dirigiu-se ao estabelecimento para trabalhar, mas o estabelecimento estava encerrado.

Tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se, nessa sede, a conciliação entre elas.

Regularmente notificadas para o efeito, as rés contestaram as pretensões contra si formuladas.

Alega/sustenta a 1.ª ré, em síntese, que na sequência de um ajustado contrato de “trespasse”, foram os trespassários, BB e CC e mulher – os quais, e nomeadamente o BB, se apresentaram em nome pessoal e não como representantes de qualquer sociedade comercial - que, a partir do início (dia 8) de Fevereiro de 2021, passaram a explorar o estabelecimento comercial onde trabalhava a aqui autora.

Por sua vez a 2.ª ré, em resumo, alega que nunca admitiu ao seu serviço, mediante contrato de trabalho, a aqui autora, pelo que é parte ilegítima na presente acção, e que não corresponde minimamente à verdade o que consta dos artigos 6º e seguintes da petitção inicial, pois nunca a A. trabalhou por conta da Ré ...1 - Ópticas, Lda, também não corresponde à verdade que esta tenha alguma vez pago à A. qualquer quantia a título de retribuição, como é também falso que esta ré tenha proporcionado à A. qualquer formação e também é evidente que esta ré jamais poderia ter procedido ao despedimento da autora.

Concluiu pugnando pela respectiva absolvição.

Prosseguiu a acção, tendo sido proferido despacho saneador no âmbito do qual se julgou improcedente a deduzida expecção da ilegitimidade passiva e, a final, sido proferida sentença com o seguinte dispositivo (para o que aqui importa considerar): “Condenar a R. “”...1 - Ópticas, Lda” a reconhecer a ilicitude do despedimento da A. e a pagar-lhe: - a quantia a determinar a título de retribuições, incluindo proporcionais de ferias, subsídio de férias e de Natal, que a A. deixou de auferir desde 14/6/2021 até ao trânsito em julgado desta sentença; - a quantia de €15.359,55 a título de indemnização pelo despedimento ilícito; - a quantia de €134,68 por cinco dias de trabalho no mês de Março; - a quantia de €394,51 de retribuição do mês de Abril; - a quantia de €665,00 de proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal correspondentes ao tempo de trabalho do ano da cessação do contrato.

Condenar solidariamente ambas as RR. no pagamento à A.: - da quantia €1.330,00 pelas férias e subsídio de férias vencidos no dia 1/1/2021; - juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, sobre os montantes de que são responsáveis.” Inconformada com esta decisão, dela veio a 2.ª ré, ...1 - Ópticas, Lda, interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição): “I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual decidiu pela procedência da acção proposta pela A., assim condenando a Ré e ora Recorrente.

II. salvo o devido respeito, não pode a decisão proferida pelo Tribunal a quo merecer o acolhimento do Tribunal ad quem, pois a mesma enferma de notório erro no julgamento da matéria de facto, III. bem assim como de um manifesto erro na aplicação do direito vigente ao caso vertente, uma vez que leva imanente uma imperfeita compreensão do regime substantivo disposto no art. 285.º do Código do Trabalho e do conceito de transmissão de empresa ou estabelecimento aí consagrado.

IV. Ademais, o Tribunal a quo não leva em linha de conta a fricção considerável e pertinente que resulta do cotejo entre a norma constante do art. 285.º/1 do CT e o direito fundamental à livre iniciativa privada, consagrado no art. 61.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

V. Impõe-se, assim, a revogação da sentença proferida pelo Tribunal a quo, substituindo-se a mesma, integralmente, por decisão que determine a absolvição da Ré e ora Recorrente da instância.

VI. O fundamento específico de recorribilidade encontra-se previsto no art. 79.º, a), sendo que resultaria, igualmente, do art. 79.º-A, n.º 1, al. a).

VII. A A. intenta a presente acção tendo como causa de pedir um seu alegado despedimento levado a cabo pela 2.ª Ré e ora Recorrente, despedimento esse configurado como sendo ilícito, o qual teria ocorrido em Maio de 2021.

VIII. Dos factos alegados pela A. depreende-se, ainda, conforme identificou a Sentença ora recorrida, que aquela se encontrava vinculada à 2.ª Ré, através de um contrato de trabalho, IX. porquanto a empresa ou estabelecimento perante o qual a A. se havia originalmente vinculado, em 2004, pertencente à 1.ª Ré, teria, entretanto, no primeiro quadrimestre de 2021, sido transmitido à 2.ª Ré, assim despoletando o prescrito no art. 285.º, n.º 1 do CT.

X. A Recorrente impugna, nos termos do disposto no arts. 80.º, n.º 3 do CPT e 640.º do C.P.C., a decisão proferida sobre a matéria de facto, XI. por entender que o Tribunal a quo deveria ter dado como não provada a tese da existência de uma transmissão da empresa ou estabelecimento da 1.ª para a 2.ª Ré e, assim, consequentemente, como não provado, ainda, o alegado despedimento ilícito da A. levado a cabo pela ora Recorrente.

XII. Resulta dos presentes autos, compulsando as provas testemunhal e documental produzidas, ou, por outro prisma, compulsando a insuficiência e vaguidade das mesmas, XIII. que, em certo momento do ano de 2021, no primeiro quadrimestre, a 1.ª e a 2.ª Rés terão encetado negociações no sentido de 1.ª transmitir à 2.ª o estabelecimento comercial por aquela explorada e em crise nos presentes autos – uma óptica -, negociações essas, contudo, que notoriamente não terão chegado a bom porto, XIV. ao invés do que julgou o Tribunal a quo. Para que não reste dúvidas, reafirmamos, aqui, o já alegado noutra sede – entre a 1.º e a 2.ª Ré não se operou a transmissão de qualquer estabelecimento, não se verificando a previsão ínsita no art. 285.º, n.º 1 do CT.

XV. Não se tendo transmitido a titularidade do dito estabelecimento, dúvidas não podem restar, caso a lógica ainda presida à dilucidação das questões sub judice, de que não se transmitiu, também, a posição contratual da 1.ª Ré, como empregadora da A., para a esfera jurídica da 2.ª Ré.

XVI. Se assim é, e que o é não se pode questionar, como se verá adiante, lógico é, também e ainda, que a 2.ª não podia, nem pode, ter procedido ao despedimento, ainda para mais ilícito, da Autora.

XVII. Cremos que não será preciso explicitar este particular, mas, de qualquer forma, sempre se deixará expresso, para qualquer eventualidade, que não despede quem não é empregador.

XVIII. Nestes termos, e salvo o devido respeito, deve a solução dada à matéria de facto controvertida ser radicalmente alterada, expressamente se impugnando a mesma, devendo ser julgados como não provados os segmentos ora expostos.

XIX. Expressamente se impugna a decisão sobre a matéria de facto constante do ponto 4) dos factos dados como provados pela Sentença recorrida, impondo-se, alternativamente, a sua consideração como não provado.

XX. Os concretos meios probatórios que impõem tal alteração da decisão sobre a matéria de facto são os seguintes: • o depoimento da testemunha DD, registado no sistema de gravação digital (com as referências: data - 30.05.2022 - início 15:47:33 e término 15:53:20; cfr. ficheiro áudio...

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