Acórdão nº 12995/20.3T9PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelEDUARDA LOBO
Data da Resolução11 de Janeiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 12995/20.3T9PRT.P1 1ª secção Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto I - RELATÓRIO Nos autos de Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que correm termos no Juízo Local Criminal do Porto - Juiz 1, Comarca do Porto, com o nº 12995/20.3T9PRT foi submetido a julgamento o arguido AA, tendo a final sido proferida sentença que absolveu o arguido da prática do crime de desobediência p. e p. no artº 348º nº 1 al. b) do Cód. Penal, que lhe fora imputado na acusação.

Inconformado, veio o Ministério Público interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões: 1 - O Tribunal a quo ao dar como não provado a matéria constante nas alíneas a, b, c, d, fez incorreto julgamento das provas produzidas em audiência.

2 – Existe contradição insanável da fundamentação quando, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta ou quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão entre os fundamentos invocados (Acórdão do S.T.J. de 13 de Outubro de 1999, C.J., Tomo III, p. 186).

3 – Perante a análise da prova produzida e o conjunto de factos dados como provados e não provados, bem como da motivação, desde logo se pode afirmar evidente contradição: Em resumo podemos extrair dos factos provados que: - O arguido foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 6 meses, tendo sido advertido para entregar a carta com a cominação que se não o fizesse cometia um crime de desobediência; - Sabia que era o único e exclusivo destinatário da ordem emanada pelo tribunal, cujo teor compreendeu e que tinha a obrigação de entregar a carta de condução no prazo estipulado, para cumprir a sanção.

- Não procedeu à entrega da carta nos 10 dias contados a partir do transito, em 10/12/2019.

- Que a carta se encontrava apreendida no processo de contraordenação.

- Que o arguido levantou a carta de condução no dia 3/07/2020 às 14h46m.

- Mas será que foi nesta data – 10/12/2019 -, que o arguido cometeu o crime de desobediência? - Não cremos que assim seja, porque o arguido não podia entregar a carta de condução porque não a tinha em seu poder.

- Porém, a obrigação que sobre si impendia, e que o mesmo tinha perfeito conhecimento, deveria ter sido cumprida assim que procedeu ao seu levantamento no Comando Territorial da GNR do Porto, no dia 3/07/2020, pelas 14h46m.

- E, é precisamente a partir desta data que o arguido incumpre a ordem emanada pelo Tribunal.

- Na verdade, é a partir dessa data que a carta de condução está em seu poder e que o arguido deveria ter cumprido a ordem do tribunal, que o mesmo compreendeu e, só em 30/11/2020 é que a carta lhe foi apreendida pela PSP, cfr. documentos de fls. 43 e 44 dos autos.

- Na sentença de que ora se recorre, ao dar como provado os pontos 1 a 7, não podia a Mma. Juiz dar como não provado as alíneas a) a d).

E o que faz a Mma Juiz? Entendeu que o arguido na data de 9/12/2019, não tinha a carta de condução em seu poder e, assim não a podia entregar! - Mas, o que acontece quando o arguido em 3/07/2020, tem a carta de condução em seu poder? - Não a entrega, tendo a mesma que ser apreendida pela PSP.

4 - A douta sentença, para além do vício supra apontado, em que apresenta, na apreciação da prova produzida, várias contradições sustentadas em considerações genéricas e abstratas, que em nada se compagina com a prova efetivamente produzida em sede de audiência e discussão de julgamento, sendo também patente o erro notório na apreciação da prova.

5 – Temos por verificado o erro notório na apreciação da prova, quando existe “desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência (decidiu-se contra o que se provou ou não provou ou deu-se como provado o que não pode ter acontecido)”, sendo que tal erro é de “tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, o que deve ser demonstrado a partir do texto da decisão recorrida por si ou conjugada com as regras da experiência comum”.

6 - Na verdade, segundo o nosso modesto entendimento, os meios de prova, carreados nos autos e produzidos em sede de audiência e discussão de julgamento, não foram devidamente apreciados na sua globalidade.

7 – A sentença dá como provado que o arguido foi advertido para proceder à entrega no prazo de 10 dias a contar do transito em julgado, e também que sabia que era o único e exclusivo destinatário da ordem emanada pelo tribunal, cujo teor compreendeu.

8 - Mas, como pode a sentença na motivação afirmar que o arguido não tinha intenção de desobedecer à ordem do tribunal se, quando ele foi levantar a sua carta de condução em 3/07/2020, não a entregou no tribunal, acabando por lhe ser apreendida em 30/11/2020? 9 - Como pode a Mmª Juiz concluir que o arguido não sabia estar a cometer um ilícito criminal, se dá como provado que: “2. Foi ainda advertido para, no prazo de 10 dias, a contar do trânsito da sentença, proceder à entrega da carta de condução na secretaria do Tribunal ou em qualquer posto de polícia sob pena de, não o fazendo, incorrer num crime de desobediência.

(…).

  1. O arguido bem sabia que era o único e exclusivo destinatário da ordem emanada pelo tribunal, cujo teor compreendeu, e que impendia sobre si a obrigação de entregar a carta de condução, no prazo de 10 dias, no referido processo ou outra entidade, a fim de cumprir a medida de inibição da faculdade de conduzir.” 10 - E quando acrescenta, “desde logo porque não a tinha na sua posse”, está a confundir os factos.

    1. O arguido não podia entregar a carta no dia 10/12/2019, porque não a tinha, mas a sua obrigação iniciou-se quando a foi levantar no dia 3/07/2020.

    2. E, é a partir dessa data que comete o crime! 11 - Refere a Mma. Juiz que as dúvidas sérias sobre tais factos teriam que ser resolvidas a favor do arguido, em nome do principio in dubio pro reo.

    12 - Mas que dúvidas subsistiram se a Mma Juiz deu credibilidade às declarações do arguido! 13 - Por não se fazer prova se que foi comunicado ao tribunal que a carta estava apreendida? a) Mas se no primeiro processo não se sabia da apreensão, como poderia o arguido pensar que o Tribunal ia “buscar a sua carta à GNR”, sabendo que era sobre si que pendia a obrigação de entregar a sua carta?? b) Na verdade, a carta de condução já estava apreendida quando o arguido foi julgado, mas ele nunca transmitiu tal facto ao tribunal, pois caso contrário estaria espelhado na sentença.

    14 - Analisando todos os factos provados e não provados, as declarações do arguido, os documentos e a motivação da sentença de que ora se recorre, resulta um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão, em que as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu uma ilação...

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