Acórdão nº 4058/18.8JAPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelPEDRO M. MENEZES
Data da Resolução11 de Janeiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º: 4058/18.8JAPRT.P1 Origem: Juízo Local Criminal de Oliveira de Azeméis Recorrente: «C..., S.L.» (assistente) Referência do documento: 16482021 I1.

O presente recurso vem interposto de decisão proferida no Juízo Local Criminal de Oliveira de Azeméis que, após julgamento, condenou o arguido nos autos, «pela prática de 1 (um) crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 255.º al. a) e 256.º n.º 1, d) do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de €6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz o montante de € 1300,00 (mil e trezentos euros)».

  1. Nele, a recorrente, assistente nos autos, pede a substituição da pena aplicada – de multa – por pena privativa da liberdade, suspensa na sua respetiva execução, subordinada à condição de, no período que vier a ser fixado, solver-lhe o arguido o montante da indemnização que àquela foi arbitrada na decisão recorrida.

  2. Este é, na parte aqui relevante, o texto da decisão recorrida, que se reproduz verbatim (a numeração dos factos provados foi por nós acrescentada): «I. Relatório: Nestes autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, por remissão para a douta acusação do Ministério Público foi pronunciado o arguido: AA […] imputando-lhe a prática, como autora material, na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido nas disposições conjugadas dos artigos 255.º, alínea a) e 256.º n.º 1 al. d) , ambos do Código Penal, nos termos da acusação de fls. 82 e ss., que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.

    *A ofendida “C..., S.L.” deduziu pedido de indemnização cível, pedindo a condenação do arguido no pagamento da quantia de 28.498,00€ pelos prejuízos patrimoniais causados e da quantia de € 5.000,00 a titulo de danos não patrimoniais, valores acrescidos de juros vincendos desde a notificação até integral pagamento.

    […] Factos provados Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos: 1) Em data não concretamente apurada, o arguido AA, emitiu o cheque nº ..., ao portador, datado de 15/04/2018, no montante de € 28.498,00, sacado sobre a conta nº ..., do Banco 1..., agência de ..., titulada por AA, para pagamento de pagamentos do fornecimento de leitões no ano de 2017 por parte da empresa “C..., S.L.” de que BB é legal representante.

    2) Em data não concretamente apurada, o arguido AA entregou o referido cheque a BB, legal representante da sociedade “C..., S.L.”.

    3) No entanto, com claro intuito de não ver pago o valor do cheque e para evitar que fosse feita qualquer comunicação ao Banco de Portugal sobre a existência de cheques sem provisão, o arguido decidiu comunicar à Instituição Bancária onde tinha domiciliada a conta bancária, o extravio dos referidos cheques.

    4) Assim, em 14/05/2018, o arguido outorgou um requerimento dirigido ao Banco 1..., da agência de ... em que pediu o cancelamento do cheque supra mencionado, indicando como motivo o seu extravio (cfr.fls.78).

    5) Pelo que, em cumprimento de tal ordem do arguido, ao ser apresentado a pagamento por BB tal cheque foi devolvido por mandato do banco sacado, com a menção aposta no verso de “Cheque revogado p/ justa causa extravio” (cfr. fls.45-46).

    6) Ao ter sido dada tal instrução ao banco sacado para a revogação da ordem de pagamento contida naquele cheque, comunicando-lhe que o mesmo se encontrava extraviado, o arguido quis e alcançou, que esse banco o devolvesse com essa indicação, obtendo o mencionado benefício, que sabia não lhe caber e causando prejuízos patrimoniais de, pelo menos, valor igual ao constante no dito título de crédito.

    7) O arguido bem sabia que a razão invocada junto daquele banco era falsa, como sabia que BB era o legítimo dono e possuidor desse título de crédito.

    8) Assim, bem sabia o arguido, que o conteúdo que fez constar no pedido dirigido ao Banco e que motivou a devolução do cheque, não tinha qualquer correspondência com a realidade dos factos.

    9) Sabia o arguido, de igual modo, que não lhe assistia legitimidade para tal actuação e que, de tal forma lesava a fé pública inerente a tal documento, cuja natureza conhecia.

    10) Tinha igualmente conhecimento que tal comunicação ao banco era juridicamente relevante, pois vinculava tal instituição de crédito a rejeitar o pagamento do cheque, com a dita causa, e assim prejudicava o beneficiário do mesmo, o que pretendeu e logrou conseguir.

    11) O arguido agiu, assim, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

    Mais se provou que: 12) O Ofendido e sociedade viram o respetivo nome a ser atingido negativamente no mercado, tendo o seu representante legal sido incomodado com toda esta conduta do Arguido, sendo que não foi ressarcido dos danos.

    13) A denunciante instaurou execução para obter o pagamento do cheque dos autos, acrescido dos correspondentes juros e tal crédito foi reclamado, com base no cheque dos autos, no proc. de insolvência nº 702/21.6T8OAZ, que corre termos no Juízo de Comércio de Oliveira de Azeméis, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, que declarou a insolvência pessoal do aqui arguido e da sua esposa.

    14) Com a declaração da insolvência pessoal e social do arguido, ante os créditos reclamados e ali graduados, não será a demandante ressarcida de tais valores, o que se refletiu na sua esfera, 15) O arguido continua a exercer a sua profissão de assador de leitões, na empresa que então geriu, agora em nome da neta de 22 anos, sendo que os seus rendimentos, acima do salário mínimo nacional (pensão de reforma auferido pelo arguido na Suiça - €600,00 - e rendas no valor de €150,00) estão penhorados à ordem da massa insolvente.

    16) Vive em casa própria, com a esposa, que recebe de reforma por invalidez, a quantia de cerca de 300€.

    17) Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais, conforme se infere do CRC junto aos autos a fls. 340.

    Factos não provados: […] Motivação da decisão de facto Quanto aos elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito, o Tribunal fundou a sua convicção com base na análise global e comparada quer dos abundantes elementos documentais analisados em sede d e audiência de julgamento, que das declarações do arguido, o qual confessou, integralmente e sem reservas, os factos de que vem acusado, e ainda reconheceu ser sua a letra das assinaturas dos documentos contantes nos autos, quer na assinatura do cheque quer no requerimento declaração que remeteu ao banco, acabando por explicar, abundantemente o modo de execução dos factos e as razões subjacentes, tudo em conformidade com a factualidade que lhe vinha imputada, demonstrando consciência e vontade da ilicitude do seu comportamento.

    […] Enquadramento jurídico-penal […] Da escolha e medida concreta da pena Devidamente subsumida a conduta do agente, cumpre agora proceder à determinação da natureza e medida da sanção a aplicar ao arguido.

    O crime de falsificação de documento que vem imputado ao arguido é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

    O artigo 41.º, n.º 1, do Código Penal estabelece que a pena de prisão tem a duração mínima de um mês. Por sua vez, o artigo 47.º, n.º 1, do mesmo diploma legal prescreve que a pena de multa tem, em regra, o limite mínimo de 10 dias e o máximo de 360.

    Assim sendo, a moldura penal abstrata do crime em apreço é de um mês a três anos de prisão ou 10 a 360 dias de multa.

    Existindo dois tipos de sanção em alternativa, a primeira operação a realizar é a da escolha entre pena de prisão ou pena de multa.

    Dispõe o artigo 70.º do Código Penal que, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dará preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. De acordo com o artigo 40.º daquele diploma legal, tais finalidades consistem na tutela de bens jurídicos e na socialização do agente.

    Esta orientação é a mais consentânea com o objetivo político-criminal de aplicação preferencial de medidas não privativas da liberdade e com a consideração, decorrente dessa finalidade, da prisão subsidiária como ultima ratio, atentos os efeitos criminógenos e estigmatizantes que lhes estão comprovadamente associados.

    Cabe, também, realçar que na “Introdução” do Código Penal de 1982 é inequívoca esta opção pelas reações penais não detentivas, mormente nos nºs 9 e 10, onde a prisão surge como “um mal que deve reduzir-se ao mínimo necessário” e se “depositam as melhores esperanças” nas medidas não privativas da liberdade.

    No caso vertente, tomando em consideração o tipo de documento em causa, o modo de execução e o resultado das condutas do arguido, temos que o grau de ilicitude se situa entre o médio e alto.

    Neste caso as exigências de prevenção geral revelam-se algo elevadas, face à intensidade de violação do bem jurídico, uma vez que os documentos em causa são de grande circulação e...

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