Acórdão nº 399/21.5PASTS-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelPEDRO M. MENEZES
Data da Resolução11 de Janeiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º: 399-21.5PASTS-A.P1 Origem: Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos (Juiz 3) Recorrente: Ministério Público Referência do documento: 16445829 I 1.

O Ministério Público impugna, com o presente recurso, decisão proferida no Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos (Juiz 3), que, reconhecendo a existência de nulidade insanável por ausência do defensor do arguido a diligência de tomada de declarações para memória futura realizada no âmbito de inquérito a que respeita o recurso, declarou a mesma (integralmente) inválida.

  1. Este é o texto da decisão recorrida, que se reproduz verbatim: «Veio a Ilustre Mandatária do ofendido, por requerimento a fls. 365 a 366, requerer que seja declarada a nulidade das declarações para memória futura do menor […], por violação do disposto nos artigos 119.º, alínea c), 271.º, 58.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal e artigo 32.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.

    Para tanto, e em síntese, alegou que juntou procuração aos presentes autos em 11 de maio de 2022, tendo requerido a consulta do processo e só, em 26 de julho de 2022, foi deferida a consulta.

    Mais referiu que com a consulta do processo teve conhecimento da diligência das declarações para memória futura do menor AA, não tendo sido notificada para o efeito.

    Termina pugnando a nulidade das declarações de memória futura do menor, porquanto a não presença da mandatária constituída consubstancia uma nulidade insanável.

    A digna Magistrada do Ministério Público pugnou pela improcedência da alegada nulidade, uma vez que o denunciado esteve representado por defensora oficiosa.

    Cumpre, pois, apreciar e decidir.

    Ora, nos termos conjugados dos artigos 271.º, n.ºs 3 e 5 e 64.º n.º 1 al. f), ambos do Código de Processo Penal, artigo 24.º, n.º 5 do Estatuto da Vítima, e artigo 33.º, n.ºs 2 e 4 da Lei 122/2009, de 16 de Setembro, na diligência de tomada de declarações para memória futura terá sempre de estar presente o defensor do arguido que, por intermédio do Magistrado Judicial que preside, pode formular perguntas à testemunha e, dessa forma, exercer o seu direito de defesa ou de contraditório.

    Com efeito, e como é sabido, o que se pretende com a tomada de declarações para memória futura é proteger a vítima da indesejada revitimização, que ocorrerá necessariamente caso a mesma tenha de prestar declarações perante diversas entidades.

    Contudo, se se proceder a tal diligência, que, no caso, foi deferida, em que se pretende tomar declarações para memória futura sobre factos relevantes para a incriminação, antes da constituição como arguido e sem que se propicie o cabal exercício do contraditório ao denunciado/suspeito, com a nomeação de defensor e a sua notificação para comparência no ato, de forma a exercer os direitos que a lei reconhece à pessoa que pode vir a assumir a qualidade de arguido, tal implica, que, caso seja deduzida acusação, necessariamente, a testemunha/vítima tenha de ir a julgamento prestar novamente declarações, não se prevenindo, assim, a vitimização da mesma, que se pretende evitar - cf. neste sentido ver o Acórdão da Relação de Lisboa de 28-06-2022, disponível em www.dgsi.pt.

    Para além disso, a ausência do defensor no ato de tomada de declarações para memória futura constitui nulidade insanável, nos termos do artigo 119.º, al. c), do Código de Processo Penal.

    Neste sentido veja-se o Acórdão da Relação do Porto de 23 de novembro de 2016, proferido no processo 382/15.0T9MTS, em que se pode ler: «É obrigatória a notificação do arguido já constituído no processo e do seu defensor para comparecerem à tomada de declarações para memória futura (artº 271º CPP). II - A presença do defensor nesse ato é obrigatória e a do arguido facultativo. III - Quer a falta de notificação quer a falta do defensor no ato constitui nulidade insanável do artº 119º ai.e) CPP, tornando nula a decisão nos termos do artº 122º1 CPP. IV - Antes da constituição de arguido, podem ser tomadas declarações para memória futura, nos casos em que o mesmo ainda não está identificado ou em casos excecionais, mas sendo sempre obrigatória a nomeação de defensor e a sua presença no ato podendo ali exercer os direitos que a lei reconhece ao arguido».

    Ora, no presente caso, a diligência de declarações para memória futura não foi notificada ao denunciado e, apesar de ter sido nomeado defensor ao denunciado na diligência ( cf. se alcança do auto de declarações para memória futura, de 29 de junho de 2022, com referência Citius 438237634 ), a verdade é que este já tinha constituído mandatário em data anterior à diligência ( por falha do serviço não se atentou que já estaria junto aos autos procuração a favor da Ilustre mandatária).

    Deste modo, sufragando a jurisprudência explanada que equipara o denunciado ao arguido, consideramos que no presente caso era absolutamente necessária a notificação do denunciado para comparência no ato e a notificação da Ilustre mandatária, já que neste caso o denunciado já a tinha constituído (cf. artigo 32.º, n. º3, da Constituição da República Portuguesa), assim se respeitando os direitos constitucionalmente consagrados de escolha de defensor, da assistência de defensor e da defesa efetiva num processo equitativo, para cabal direito ao contraditório, evitando que tal ato seja declarado nulo, nos termos do artigo 119.º, alínea e), do Código de Processo Penal.

    Face ao exposto, ao abrigo dos artigos 119.º, n. 0 2, alínea c) e 121.º, n. º1, do Código de Processo Penal, declara-se inválido o ato de prestação de declarações para memória futura de AA, em 29 de junho de 2022.» 3.

    O recorrente verbera a esta decisão (reproduzem-se as «conclusões» com que termina o seu arrazoado): «1. O instituto processual das declarações para memória futura encontra-se regulamentado no artigo 271.º do Código de Processo Penal; no...

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