Acórdão nº 126/20.4PBMAI.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelPAULO COSTA
Data da Resolução11 de Janeiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n º 126/20.4PBMAI.P1 Processo número n º 126/20.4PBMAI.P1 Relator: Paulo Emanuel Teixeira Abreu Costa Adjuntos: Nuno Pires Salpico Paula Natércia Rocha Acórdão, julgado em conferência, na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto: I - Relatório.

AA, Assistente nos autos identificados em epígrafe, notificado que foi do despacho de não pronuncia proferido Tribunal Judicial da Comarca de Porto- Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos-J1, não concordando com o mesmo, veio apresentar RECURSO nos termos que ali constam, que ora aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos, concluindo pela forma seguinte (partes relevantes): (transcrição) “I. O presente recurso versa sobre a decisão instrutória proferida em 18/02/2022 que não pronunciou o arguido, entendendo não existirem indícios suficientes da prática do crime que lhe era imputado em sede de acusação particular.

  1. Não se conforma o arguido com tal decisão, não obstante o devido respeito pelo Tribunal a quo, centrando-se o recurso na sindicância da matéria de facto carreada para os autos e sua valoração feita na decisão recorrida.

  2. Existem indícios suficientes que permitem pronunciar o arguido, devendo o mesmo ser submetido a julgamento.

  3. A decisão recorrida viola o dever de fundamentação, não especificando os factos considerados indiciados e não indiciados.

  4. O art. 205.º, n.º 1 da CRP impõe a fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente.

  5. Os actos decisórios devem ser sempre fundamentados quanto aos motivos de facto e de Direito.

  6. Isso mesmo decorre do estatuído na al. b) do n.º 1 e n.º 5 do art. 97.º, art. 308.º, n.º 2, importando as consequências previstas nos arts. 118.º, 119.º e 120.º, todos do CPP.

  7. A narração dos factos não indiciados é fundamental no despacho de não pronúncia, porque é sobre esses factos que incidem os efeitos do caso julgado.

  8. Somente assim se permite a plena sindicância da decisão pelo Tribunal de recurso.

  9. A decisão recorrida meramente remete a sua concordância para os despachos de arquivamento do inquérito e de não acompanhamento da acusação particular proferidos pelo Ministério Público, bem como assim as alegações produzidas pela defesa em sede de debate instrutório.

  10. A decisão recorrida é completamente omissa quanto à decisão de facto, não se descrevendo nem se especificando quais os factos que se consideraram suficientemente indiciados ou não indiciados.

  11. O despacho de não pronúncia proferido deveria especificar, ainda que resumidamente, os factos que possibilitaram chegar à conclusão de insuficiência da prova indiciária, o que não sucede in casu.

  12. Omite-se qualquer descrição, desde logo de tempo, modo e lugar, que permita enquadrar a decisão proferida numa qualquer valoração fáctica.

  13. A não descrição da matéria fáctica determina a nulidade do despacho proferido, expressamente cominada na lei – arts. 118.º, 119º e 123.º do CPP; nulidade esta oficiosamente cognoscível em sede de recurso.

  14. A decisão recorrida não respeitou, violando os arts. 205.º, n.º 1 da CRP, art. 97.º, n.º 1, al. b), e n.º 5, art. 308.º, n.º 2 e 283.º do CPP, sendo nula, nos termos supra referidos dos arts. 118.º, 119º e 123.º do CPP, devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que supra a omissão descrita.

  15. Por outro lado, a decisão recorrida não sindica/valora a prova recolhida em sede de inquérito, mormente os autos de inquirição do Assistente, e da ofendida/testemunha, BB, constantes de fls. 12 e ss. E fls. 16 e ss., respectivamente.

  16. O Assistente deduziu acusação particular imputando ao arguido a prática de um crime de injúrias, p. e p. pelo art. 181.º, n.º 1 do CP.

  17. O que não é contrariado, como sustentou o Digno Procurador da República em sede de inquérito, pelas declarações de CC, constantes de fls. 91, e que terá servido, igualmente, de arrimo à decisão instrutória proferida, aqui recorrida.

  18. A decisão instrutória assentou somente nas alegações constantes do requerimento de instrução, não fazendo qualquer valoração da restante prova constante do inquérito, como devia.

  19. Descurou as declarações do Assistente, aqui recorrente, como da testemunha BB, quando ambos afirmam que o arguido lhes dirigiu a seguinte expressão em público e na presença de outras pessoas: “qualquer dia fodo estes merdas todos”.

  20. Não deveria a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz de Instrução ter tomado posição, sem fundamentação bastante, sobre a prova indiciária recolhida em inquérito, em contraposição com aqueloutra alegada em sede de instrução.

  21. Pois que, sendo a prova produzida no inquérito de cariz formal, no sentido de que o arguido proferiu, dirigindo-se ao Assistente, as expressões que este tem como lesivas da sua honra e consideração, expressões que o assistente afirma terem-lhe sido dirigidas por ele e confirmadas pela testemunha BB, não pode sem qualquer motivo expresso, esta prova ser ignorada ou afastada pelo Mmº Juiz de Instrução, tanto mais que, o arguido e a testemunha por si indicada, apenas se limitam a contradizer tal versão negando os factos.

  22. Pelo que, salvo melhor entendimento, para se propender para o entendimento da inexistência de indícios suficientes, seria necessário o Mmº Juiz de Instrução fundamentar na decisão recorrida de não pronuncia a opção por uma das versões factuais em confronto, o que implicaria tomar posição quanto ao valor relativo da correspondente prova recolhida no inquérito e dos respetivos fundamentos de tal valoração.

  23. Resultando claro que, não será possível em sede de instrução, qualquer tomada de posição face à prova indiciária testemunhal recolhida em inquérito, a qual tem o seu meio natural de formação na audiência de julgamento, onde graças à concentração, à imediação e à oralidade que lhe são próprias, toda a prova é produzida perante o mesmo julgador, em igualdade de condições, assegurando-lhe as condições para bem avaliar do seu valor e alcance.

  24. A imediação, o contraditório, a concentração e a oralidade, são princípios sobretudo presentes em sede de audiência de julgamento, onde, aí sim devem ser tomadas as devidas valorações sobre a prova produzida, desde logo ao abrigo do estatuído no art. 127.º do CPP.

  25. Num juízo de prognose não poderia deixar de resultar uma forte probabilidade de o arguido ter proferido tais expressões dirigidas ao Assistente.

  26. Pelo que, a decisão recorrida de não pronúncia não valorou devidamente a prova indiciária produzida, nem dela retirou as conclusões lógicas que a mesma impunha, violando as regras da experiência comum.

  27. Destarte, viola a decisão proferida, aqui recorrida, os arts. 127.º e 308.º, n.º 1 do CPP, e ainda o art. 181º do C.P., impondo-se a sua revogação, e determinando-se a sua substituição por outra que pronuncie o arguido pelo crime p. e p. pelo art. 181.º do CP..” O M.P. respondeu concluindo pela improcedência do recurso argumentando, nos seguintes termos: “Entendemos que não assiste razão ao recorrente.

    1. O despacho recorrido fundamentou a sua decisão por remissão para as razões de facto e de direito enunciados do despacho do MP e no RAI, conforme expressamente previsto no art. 307, n° 1 do CPP.

      Nestas peças processuais ficaram explanados os motivos pelos quais se concluir pela insuficiência de indícios para acusar e pronunciar, ou seja, não se poder considerar como suficientemente indiciado que o arguido tenha dito:" "Qualquer dia fodo estes merdas todos", por esta versão ser negada pelo arguido e companheira deste.

      Dada a simplicidade da questão, ao facto de o despacho de arquivamento do MP estar devidamente fundamentado, entendemos que o despacho recorrido não e nulo.

    2. Nos termos do disposto no art. 308°, nº 1 do CPP, o juiz de instrução profere despacho de pronúncia se verificar que estão reunidos os indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança.

      O conceito de indícios suficientes é o fundamento legal para que o MP deduza acusação ou arquive o inquérito, conforme resulta do art. 283°, n° 1 e 277°, n° 2 do CPP.

      Entende a doutrina e a jurisprudência dominante que os indícios são suficientes quando se conclua ser mais provável a condenação do que a absolvição (teoria probabilidade dominante).

      Os indícios recolhidos resultam apenas dos depoimentos recolhidos que são contraditórios entre si.

      Não restam dúvida de que o assistente e mulher têm um litígio com o arguido e que, na data e local constante da acusação particular, se cruzaram com o arguido e companheira deste, tendo mantido entre si uma troca de palavras. A dúvida subsiste em saber se o arguido proferiu ou não a expressão "Qualquer dia fodo estes merdas todos", já que o mesmo nega e a sua versão é confirmada pela companheira.

      Por força do princípio in dúbio pro reu, a possibilidade da absolvição do arguido em sede de julgamento é superior à da condenação, razão pela qual se entende que indícios não são suficientes para a pronúncia.

      Concluiu-se, assim, que o despacho recorrido não violou as normas citadas devendo ser negado provimento ao presente recurso.” Neste tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da não procedência do recurso.

      Cumprido o preceituado no artigo 417º número 2 do Código Processo Penal nada veio a ser acrescentado de relevante no processo.

      Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.

      Nada obsta ao conhecimento do mérito.

  28. Objeto do recurso e sua apreciação.

    O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar ( Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT