Acórdão nº 8447/20.0T9PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelLÍGIA TROVÃO
Data da Resolução11 de Janeiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 8447/20.0T9PRT.P1 Comarca do Porto Juízo Local Criminal do Porto – Juiz 3 Acordam em conferência, os Juízes na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO No âmbito do Processo Comum Singular nº 8447/20.0T9PRT do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Criminal do Porto – Juiz 3, na sequência do despacho proferido pelo Ministério Público finda a fase de inquérito, nos termos e para os efeitos do art 285º, nº 1 do CPP, veio o assistente deduzir acusação particular contra o arguido AA, imputando-lhes a prática de um crime de injúria p. e p. pelos arts. 181º nº 1, 182º e 183º do Código Penal.

*Tal acusação particular veio a ser rejeitada - ao abrigo do artigo 311º nºs 2 a), e 3 d), do Cód Proc. Penal - por manifestamente infundada, por se ter considerado que os factos ali narrados não constituem crime.

*Inconformado com a decisão, recorre o assistente BB, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “1 - Com relevância para o apuro da situação in casu, os factos constantes da acusação particular de fls., reconduzem-se ao Recorrido ser o sócio-gerente e administrador de várias empresas para as quais o queixoso trabalhou, com vínculo formal contratual laboral, ou prestador de serviços, tendo prestado serviços individualmente; 2 – As injúrias ocorrem quando o Recorrente ainda trabalhava para as empresas das quais o Recorrido é sócio e gerente, estando a ser afastado de todas as suas funções pelo que o corolário do comportamento hostil e provocador, por parte do Recorrido, foi o email junto como doc. nº da participação criminal de fls. – datado de 29 de Junho de 2020, pelas 20:26 horas e dirigido ao Queixoso, onde lhe dirige as expressões denunciadas; 3 – Epiteta o Recorrente de ardiloso – “Sendo o senhor ardiloso por conveniência nos seus actos”; falta de carácter – “demonstram o seu carácter, ou melhor, a falta dele”; mentiroso - “pois se alguém mente é o senhor”, “Quanto aos dias que diz ter permanecido no escritório a meu pedido, mente.”; falta de carácter - “hoje custa-lhe ter hombridade de admitir os seus actos”; mentiroso – “se alguém mente é o senhor”; 4 - O Recorrido fê-lo, de modo expresso, dando publicidade às expressões que proferiu uma vez que o indicado email foi dirigido não só ao Recorrente, mas à também colaboradora e colega de trabalho, CC e ao Ilustre Advogado da empresa, Sr. Dr. DD; 5 – A douta decisão do Tribunal a quo, nos termos do art.º 311º n.º 1 2 al. d) do C.P.P., entendeu que tais factos não constituíam crime, colocando todo o racional da sua argumentação de que as acima transcritas expressões, não teriam a virtualidade de causar dano à honra do assistente em qualquer das vertentes penalmente tuteladas; 6 – Ora, ressalvado o devido respeito, tal interpretação dos factos, não é inequívoca, literal e objectiva, mas resulta do livre arbítrio do julgador, sendo passível de interpretação diversa – numa palavra não se poderá, salvo o devido respeito por melhor opinião – afirmar peremptória e inequivocamente que tais imputações não têm dignidade penal; 7 – Isto quando é pacifica a doutrina de que a honra, enquanto valor juridicamente tutelado, assume uma dimensão ou sentido normativo-pessoal; 8 - “Difamar e injuriar mais não é basicamente que imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, entendida aquela como o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui tais como o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, ou seja a dignidade subjectiva, o património pessoal e interno de cada um, e esta última como sendo o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, o bom-nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, ou seja a dignidade objectiva, o património que cada um adquiriu ao longo da sua vida, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma a opinião pública” – cfr. Ac. Rel. de Guimarães, Proc. 1467/04-1, que cita o Ac. Rel Lisboa de 6.2.96, CJ, 1, 156, e este, por sua vez, cita o Cód. Penal Anotado de Leal. Henriques e Simas Santos (cfr. 2º Volume, 2ª edição, pág. 317).

9 - Com este sentido jurídico-penal do bem jurídico protegido, a honra, haverá, para a decisão a proferir, que indagar se os elementos colectados para o processo capacitam ou confortam a imputação autoral formulada pelo assistente/Recorrente ao arguido/Recorrido; 10 – Ora, apelando às expressões proferidas e ao contexto em que as mesmas foram escritas subjaz, de forma inequívoca, o carácter desonroso de per se, pois as mesmas são de molde a denigrir a honorabilidade do Recorrente perante terceiros, enquanto trabalhador mas, sobretudo, enquanto pessoa; 11 - Assumem, salvo devido respeito por melhor opinião, o caracter de imputações de factos susceptíveis de o lesar na sua dignidade pessoal, dado que o arguido quis, com tais afirmações significar que o Recorrente era uma pessoa ardilosa – segundo o dicionário www.dicionário/priberam.org - em que há ardil ou plano para enganar (ex.: plano ardiloso).2. Que usa ardis ou que quer enganar (ex.: pessoa ardilosa). = VELHACO "ardiloso", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/ardiloso [consultado em 29-06-2022] - sem carácter, sem hombridade e que mentia – no fundo que era uma pessoa enganadora, manhosa, artificiosa, enganosa, maliciosa, matreira ou capciosa; 12 - Ora estas afirmações, salvo melhor opinião, não poderão deixar de ser passíveis de serem lesivas da dignidade pessoal do Recorrente, pois não podem deixar de ser referenciadas e assumidas como uma imputação do facto desonroso; 13 – Ou, pelo menos, tal conformação é passível de ser aceite, portanto não é inequívoco que tais epítetos e imputações não sejam crime – existe uma ampla margem para a apreciação e integração dos factos sub judice; 14 – Atento o disposto no art. 311º do CPP n.º 2, al d) que a acusação considera-se manifestamente infundada se os factos não constituírem crime; 15 - Ora, como se refere no Acórdão do TRP de 18/01/2017 (processo nº 984/15.4T9VFR.P1, disponível nas bases de dados da DGSI): “Decorre deste normativo que quando o juiz recebe o processo para julgamento tem de o sanear, ou seja, certificar-se da inexistência de nulidades ou de questões prévias que obstem á apreciação do mérito da causa. Ademais se não tiver havido instrução o juiz pode ainda rejeitar a acusação se a considerar manifestamente infundada. Este conceito encontra-se densificado nas diversas alíneas do número 3 e, para o que aqui nos importa, sê-lo-á, quando os factos dela constantes não constituírem crime. (…); No entanto, salvo o devido respeito, como tem sido entendido na Jurisprudência, esta conclusão tem de se impor como inquestionável, ou seja, a leitura que se fizer dos factos não pode suscitar dúvidas a ninguém, de que aqueles concretos factos imputados ao arguido não constituem crime.”.

16 – Neste sentido TRL, acórdão de 07/12/2010, processo 475/08.0TAAGH.L1-5); 17 - Ora, dão-se por reproduzidas as expressões já supra transcritas, em que se verifica que o Arguido, usando do seu ascendente enquanto entidade patronal, e perante uma colega de trabalho e o Ilustre Mandatário, dirigiu-se ao Assistente, apodando-o de ardiloso, sem carácter e que mentia; 18 - Destas expressões, impõe-se concluir, salvo o devido respeito, que assiste razão ao Recorrente, porque a sua honra, bom nome, honradez e dignidade; 19 - Na verdade, do teor das mesmas não pode concluir-se, de modo inequívoco e incontroverso e sem suscitar dúvidas a ninguém, que elas não sejam injuriosas e que não atinjam o âmago dobem jurídico em causa – a honra; 20- Vide também neste sentido Ac. R.G. de 25/02/2019, Proc. n.º 611/15.0PBGMR.G1 ou da R.P de 20/10/2015, Proc. n.º 658/14.3GAVFR.P1; 21 - Assim, compulsado todos os argumentos supra aduzidos, não se poderá aderir à decisão do Tribunal “a quo” ao rejeitar a acusação, que deve ser recebida, seguindo-se os posteriores termos “.

Pugna pela revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que aceite a acusação particular e ordene o prosseguimento dos autos para julgamento e aferição dos factos em causa.

*O Ministério Público e o arguido responderam ao recurso sem formular conclusões, pronunciando-se pela sua improcedência.

*Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu favorável ao provimento do recurso, argumentando: “No email enviado pelo arguido ao assistente ele imputa-lhe factos e dirigi-lhe palavras, tendo o assistente considerado as palavras que lhe foram dirigidas ofensivas da sua honra e consideração.

Como se percebe e depreende do email e da primeira parte da acusação particular o assistente trabalhou para o arguido em várias empresas em que o mesmo era administrador e sócio-gerente e que a determinada altura a relação laboral se deteriorou, com acusações reciprocas.

Foi junta também aos autos a resposta dada pelo assistente ao arguido ao email acima referenciado e embora o assistente rebata as afirmações e acusações do arguido em nenhum momento tece juízos de valor directos sobre a pessoa do arguido.

O arguido utiliza no contexto de manifesto conflito laboral juízos de valor sobre o caracter do assistente, dizendo que o mesmo não tem caracter, que mente e é ardiloso a seu favor.

Como é evidente, dependendo do contexto, as palavras utilizadas pelo arguido podem ser suscetíveis de ofender a honra e consideração do assistente.

O arguido diz que o assistente mente e é enganoso (ardiloso), que utiliza, portanto, ardil, manha, em seu benefício, e que mente, também para ter vantagens indevidas.

O conceito de caráter é definido pelo conjunto de traços morais e éticos de um indivíduo. Em termos gerais, o caráter define a índole da pessoa e como ela rege as suas atitudes, dentro dos parâmetros da honestidade e do respeito ao próximo.

Assim, só se apelando a entendimentos doutrinais ou jurisprudenciais sobre o conceito de honra e...

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