Acórdão nº 0467/22.6BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Janeiro de 2023
Magistrado Responsável | FRANCISCO ROTHES |
Data da Resolução | 11 de Janeiro de 2023 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de anulação de venda com o n.º 467/22.6BEAVR Recorrente: AA Recorrida: AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA 1. RELATÓRIO 1.1 O acima identificado Recorrente, inconformado com a sentença proferida nestes autos pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro – que julgou improcedente a reclamação judicial que deduziu, ao abrigo do disposto no art. 276.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contra a decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Ílhavo, que lhe indeferiu o pedido de anulação de venda de prédio efectuada no âmbito de um processo de execução fiscal –, dela interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.
1.2 Com o requerimento de interposição de recurso apresentou a respectiva motivação, com conclusões do seguinte teor: «i. O Tribunal a quo julgou totalmente improcedente a reclamação judicial, entendendo que a decisão reclamada não era merecedora de qualquer censura, decisão que aqui se sindica perante este Venerando Tribunal, e que enferma de erro de julgamento.
ii. A questão decidenda essencial consiste em apurar se o prosseguimento da execução fiscal – no caso, para a fase da venda em sede da execução – após a publicidade do registo da dissolução, liquidação e cancelamento da matrícula com a consequente extinção da Sociedade primitiva Executada, constitui ou não fundamento para nulidade da mencionada venda.
iii. A Sentença recorrida decidiu pela negativa, entendendo que a prévia penhora do imóvel propriedade da extinta Sociedade seria inoponível a quaisquer actos dispositivos sobre o mesmo.
iv. Sucede, porém, que, conforme tem sido entendido por boa e ampla doutrina e jurisprudência, face ao termo da personalidade jurídica da Sociedade, conforme previsto no n.º 2 do artigo 160.º do Código das Sociedades Comerciais, passou aquela a ser encabeçada por todos os sócios, aos quais se transmitiu o património de que aquela era titular à data do encerramento da liquidação.
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E foi isso, precisamente, que sucedeu no caso dos autos, em que o imóvel de que a extinta Sociedade era titular, e que se encontrava penhorado ao abrigo dos autos de execução fiscal, passou a pertencer à generalidade dos seus sócios, vi. A isso não obstando o prévio registo da penhora em sede dos autos de execução fiscal, porquanto nunca poderia a execução prosseguir contra uma entidade desprovida de personalidade jurídica e judiciária, no caso a extinta Primitiva Executada.
vii. Em tais casos, deve o órgão de execução fiscal consignar nos autos executivos a ocorrência da dissolução e liquidação e posterior cancelamento da matrícula com a consequente extinção da Executada, viii. E ordenando, caso assim o entenda, que a execução prosseguisse contra a generalidade dos antigos sócios daquele ente colectivo, ix. Caso em que cabe ao credor – no caso, a Fazenda Pública – o ónus de alegar e demonstrar se existia ou não activo da extinta Executada, partilhado ou a partilhar entre os anteriores sócios daquela, o que nos autos de execução fiscal em apreço não foi feito.
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Tudo se passando naqueles autos como se a Primitiva Executada não tivesse sido dissolvida e liquidada, como se a sua matrícula não tivesse sido cancelada e mantendo aquela a respectiva personalidade jurídica e judiciária! xi. Solução que, nos termos legais, não se pode acolher, uma vez que, conforme referido, na situação em apreço, a execução não poderia prosseguir contra aquela.
xii. Sendo, por conseguinte, evidente que o prosseguimento dos autos contra a referida Executada, designadamente para a fase da venda em sede de execução fiscal, constitui nulidade que afecta o mencionado acto de transmissão – a qual, reitera-se, ocorreu cerca de cinco meses após o cancelamento da matrícula da Primitiva Executada.
xiii. Mal andou, portanto, o Tribunal a quo na Sentença recorrida, a qual enferma de erro de julgamento, assim se impondo a sua revogação, por erro de julgamento, e substituição por outra que decida conforme aqui se deixou exposto».
1.3 Os Recorridos não contra-alegaram.
1.4 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso. Isto, após enunciar os termos do recurso, com a seguinte fundamentação: «[…] A questão que vem suscitada pelo Recorrente consiste em saber se a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento na apreciação que fez da questão da nulidade da venda suscitada no âmbito do processo de execução fiscal e objecto de indeferimento por parte do órgão de execução fiscal.
Invoca a este respeito o Recorrente que «verificou-se uma transmissão ocorrida em sede de execução fiscal de um imóvel que já não pertencia à Sociedade Executada, mas sim à generalidade dos respectivos sócios, …Sendo que, conforme acima se deixou exposto, o órgão de execução fiscal não ordenou, como se impunha, que a execução fiscal prosseguisse contra os antigos sócios da Executada originária. Nem tão pouco carreou o órgão de execução fiscal para aqueles autos executivos qualquer informação quanto à dissolução e liquidação da primitiva Executada e respectivo registo comercial,…».
Ou seja, para o Recorrente a venda realizada na execução fiscal consubstancia a venda de coisa alheia e o «artigo 892.º do Código Civil dispõe que a venda de bem alheio é nula sempre que o vendedor careça de legitimidade para efectuar a mesma». E que «Verificando-se a impossibilidade do objecto da venda em sede de execução fiscal, por o bem não pertencer à Sociedade Executada na data em que ocorreu a transmissão, a mencionada venda é nula por incidir sobre bem alheio, Nulidade essa que é invocável a todo o tempo e por qualquer interessado, e é de conhecimento oficioso - cf. artigo 286.º do Código Civil».
Dispõe a este propósito o artigo 839.º, n.º 1, alínea d) do CPC, que a venda fica sem efeito se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono.
Todavia não é essa a situação que ocorre nos autos. Com efeito, o imóvel penhorado nos autos de execução fiscal e objecto de venda ao Banco……. pertencia de facto à sociedade executada.
Resulta igualmente dos autos que a marcação da venda foi notificada à sociedade executada, pelo que não se suscita a verificação de preterição de formalidade legal que se repercuta na sua realização. O facto de a sociedade ter sido entretanto extinta em momento anterior à passagem do título de adjudicação e o complexo de direitos e obrigações se ter transmitido aos sócios não altera essa realidade, uma vez que nesse intervalo não havia lugar à prática de qualquer acto que requeresse a intervenção do executado. Com efeito, a emissão do título de adjudicação do bem vendido ao adquirente pelo órgão de execução fiscal, embora constitua o acto que conclua a transmissão operada com a venda do bem em leilão, a sua validade não fica afectada pelo facto de a sociedade executada ter sido entretanto extinta. Na verdade, o que ocorre é que os sócios vêm ocupar a posição no processo de execução fiscal que até aí era ocupada pela sociedade, conforme resulta dos artigos 162.º, 163.º e 164.º do Código das Sociedades Comerciais, mas a sua intervenção só é exigida se for praticado qualquer outro acto processual na execução que demande essa sua intervenção como “sucessores” da sociedade executada. E a emissão do título de adjudicação não é um desses casos, cuja execução se impunha ao órgão de execução fiscal, atento o cumprimento das demais formalidades pelo adquirente do bem.
Ou seja, no período de intervalo que mediou entre a adjudicação do bem ao adquirente e a emissão do título respectivo, altura em que foi registada a extinção da sociedade executada, não se impunha a prática de qualquer acto processual por parte do órgão de execução fiscal que demandasse a intervenção da executada ou dos seus sucessores.
Daí que a invocação por parte do Recorrente de que estamos perante a venda de um bem alheio é, salvo o devido respeito, juridicamente caricata e sem qualquer fundamento legal. É que pese embora com...
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