Acórdão nº 02520/11.2BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelNUNO BASTOS
Data da Resolução11 de Janeiro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. Relatório 1.1. E.... GRANDES ARMAZÉNS, S.A., sociedade anónima com o número de identificação fiscal e de pessoa coletiva ..., com sede na Av.ª ..., ..., em Lisboa, não se conformando com a douta sentença do Tribunal Tributário de Lisboa na parte em que julgou improcedente a impugnação judicial das liquidações adicionais de IVA n.ºs 11104175, 11104177, 11104179, 11104181, 11104183, 11104185, 11104187, 11104189, 11104191, 11104193, 11104195 e 11104197, no montante total de € 379 233,50 e respetivas liquidações de juros compensatórios, no montante total de € 27 358,82, todas relativas a períodos de 2009, dela interpôs o presente recurso, para o que apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: «(...) 1) A alínea a) do número 1 do artigo 18.º do CIVA, em conjugação com a verba 1.12 (actual 1.11) constante da Lista I a ele anexa, determinam a aplicação da taxa reduzida de IVA de 5% aos “Refrigerantes, sumos e néctares de frutos ou de produtos hortícolas, incluindo os xaropes de sumos, as bebidas concentradas de sumos e os produtos concentrados de sumos”. A categoria é notoriamente muito abrangente no sentido de nela incluir todo o tipo de sumos e refrigerantes.

2) O n.º 1 do ponto 1 da Portaria n.º 703/96, de 6 de Dezembro e a alínea a) do n.º 1 parte I do anexo 1 do D.L. n.º 225/2003, de 24 de Setembro não constituem normas limitadoras do alcance e efeitos normativos tributários da norma fiscal que não prevê qualquer restrição a este respeito, mormente porque dela não ressalta qualquer referência ao estado físico do sumo impondo somente que se trate de refrigerantes, sumos ou nectares, como são os produtos “concentrado pó ….” e “concentrado pó ...”.

3) A corroborar este entendimento está o parecer técnico do fabricante dos produtos em análise, no qual se lapidam as reais características constituintes dos sumos em pó “…” e “...”, e que considerou que “o legislador português decidiu aplicar em termos genéricos a referida taxa de 5% a todo o tipo de sumos e refrigerantes, sejam estes em pó ou já preparados em estado líquido, incluindo as bebidas concentradas e os produtos concentrados de sumo, não prevendo qualquer distinção a este respeito. Pelo que um entendimento contrário a esta disposição violaria o princípio da legalidade tributária aplicável às normas fiscais. Só se admitiria esta interpretação se o legislador tivesse expressamente excluída da previsão da norma em análise os sumos em pó, o que não sucede no caso em apreço” pelo que a liquidação adicional de IVA é anulável por violação de lei, atento o erro nos pressupostos na errada interpretação e aplicação das normas supra aludidas, devendo ser anuladas nos termos do artigo 135º do CPA, aplicável ex vi da alínea d) do artigo 2.º do CPPT.

4) A alínea a) do número 1 do artigo 18.º do CIVA, em conjugação com o disposto na alínea c) da verba 2.4 constante da Lista I a ele anexa, tornam obrigatória a aplicação da taxa reduzida de IVA de 5% às “Pastas, gazes, algodão hidrófilo, tiras e pensos adesivos e outros suportes análogos, mesmo impregnados ou revestidos de quaisquer substâncias, para usos higiénicos, medicinais ou cirúrgicos”.

5) O “papel higiénico húmido” em nada difere, no suporte ou na finalidade das designadas “toalhitas higiénicas”, cujo enquadramento na referida verba mereceu a concordância do Senhor Subdirector-Geral dos Impostos, conforme informação ao Processo T1202005225.

6) O “papel higiénico húmido”, tal como as toalhitas descartáveis, toalhitas intímas, tiras, ou quaisquer outros produtos em suportes análogos, para uso higiénico, subsume-se à mencionada norma, sendo as liquidações adicionais de IVA, ora em crise, anuláveis por violação de lei, atento o erro na interpretação e aplicação das normas supra referidas, devendo ser anuladas nos termos do artigo 135º. do CPA, aplicável ex vi alínea d) do artigo 2.º do CPPT.

7) Tendo em vista a fidelização dos seus clientes, a Recorrente implementa campanhas comerciais que se iniciam com a atribuição de um cartão promocional na primeira compra do cliente. A partir dessa primeira compra, começa a acumulação no cartão promocional do valor de um desconto correspondente a uma certa percentagem do montante de compras efectuado, susceptível de vir a ser descontado numa compra posterior, em determinados departamentos e num determinado período de tempo, sendo o cliente a decidir se e quando o pretende utilizar e, bem assim, em que compra(s) o pretende fazer.

8) O desconto é concedido no momento da subsequente compra e o seu valor figura, imediata e directamente, no respectivo “talão de venda”, sendo total e integralmente cognoscível pelo adquirente do bem.

9) Assim, “no momento de uma segunda compra, é deduzido ao valor da mesma, a verba constante do cartão promocional, inerente ao desconto promocional atribuído na primeira compra, pagando o cliente a importância resultante da diferença entre aqueles dois montantes.” - L) dos factos provados, pág.34.

10) Em suma: o desconto é concretizado no momento da segunda compra em que o cartão promocional é utilizado - e não antes nem depois - sendo-o sempre com o necessário, incontestável e notório conhecimento do cliente que solicita a sua utilização e dele beneficia.

11) Não obstante o desconto ser imediatamente excluído do valor tributável para efeitos da operação económica real que lhe está subjacente, dificuldades do sistema informático da Recorrente originavam registos contabilísticos que desvirtuavam a real substância da operação efectivamente em causa. As alterações informáticas correspondentes à operação real (liquidação do IVA pelo valor líquido do desconto no momento da utilização deste) só foram possíveis de concretizar nos sistemas da Recorrente em finais de 2011.

12) Certo é que o cliente pagava somente o valor que resultava da diferença entre o valor da sua compra e o valor do cartão promocional que estava a utilizar. É essa diferença que corresponde à quantia realmente recebida pela Recorrente. E o cliente sabia que pagava unicamente o valor dessa diferença porque o desconto era necessariamente aplicado a pedido e por vontade dele e assim figurava no documento de suporte da compra.

13) E é o valor dessa diferença – e só esse – que corresponde ao valor tributável ou matéria colectável e que, como tal, pode ser tributado em sede de IVA nos termos, entre outros, do artº. 16, nº.6, alínea b) do CIVA e dos arts. 73 e 79 da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006.

14) Com efeito, o IVA baseia-se no princípio fundamental de aplicação de um imposto exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços transacionados. Neste sentido, é o princípio de um “imposto exatamente proporcional ao preço” que determina que o valor tributável para efeitos de IVA deva corresponder ao valor transacional, i.e., à contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, e não ao valor normal das operações (cf. artigos 72.º e seguintes da Diretiva IVA com correspondência no artigo 16.º do CIVA).”.

15) Do valor tributável para efeitos de IVA são portanto excluídos os “abatimentos e bónus concedidos ao adquirente ou ao destinatário” – cf. artigo 79.º, alínea b) da Directiva IVA e artigo 16.º, n.º 6, alínea b) do CIVA, sendo que o diploma nacional acrescenta a esta enumeração o sinónimo “descontos”. O desconto consubstancia “uma redução do preço a que um artigo é licitamente oferecido ao cliente, dado que o vendedor aceita privar-se de receber a quantia que o abatimento representa, justamente com a finalidade de incitar o cliente a comprar esse artigo" (Caso Boots, Proc. C-126/88, de 27.3.1990) e a sua exclusão do valor tributável é, desde logo, uma consequência natural e incontornável do princípio da contrapartida real e efectiva.

16) No caso concreto, não há quaisquer dúvidas de que, como é reconhecido na sentença, “no momento da primeira compra, o valor compreendido no cartão promocional não tinha qualquer impacto quer ao nível do valor dessa compra quer ao nível do valor pago pela mesma” (pág.58, §3º), e que, “como resulta do probatório, no momento da emissão do cartão promocional, a Impugnante não procedia a qualquer registo contabilístico do desconto atribuído no cartão promocional sendo somente “no momento da segunda compra, [que] era deduzido ao preço a pagar pela mesma, pelo cliente, o valor constante do cartão promocional” (pág. 58, §7º) .

17) Assim, como é dito no Parecer da Profª. Clotilde Celorico Palma junto aos autos, é manifesto que a real substância da operação “não consubstancia, nunca, nem a permissão de utilização de um mero meio de pagamento pelos clientes da E...., nem sequer a concessão de um desconto diferido no tempo em relação à primeira compra efectuada, tratando-se, sim, de um desconto utilizado em compra posterior e que produz efeitos neste momento, ou seja, no momento em que ocorre a operação tributável.

18) Com efeito, é numa subsequente transmissão de bens que se efectiva realmente o valor do desconto consustanciando-se, assim, imediata e instantaneamente, na redução do respectivo valor tributável dessa mesma subsequente compra de bens sujeitos à campanha promocional em questão, e nunca, como é bom de ver, numa redução do valor tributável da compra inicialmente efectuada.

19) Ou seja, o desconto em causa configura inequivocamente uma operação económica e comercial autónoma, sendo concedido aquando da compra subsequente, pelo que, de acordo com as regras do CIVA, é imediatamente/directamente reflectido no "talão de venda" 20) Não estamos, assim, perante um desconto "fora da factura" como a AT erroneamente pretende concluir fazendo-se prevale[c]er da forma sobre a substância, nunca sendo concedido antes ou tão pouco depois da referida compra.” (Parecer, pp.9-10) 21) Neste sentido, como foi entendido pela AT na sua Informação Vinculativa proferida no processo nº. 1518, “na produção de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT