Acórdão nº 49/22.2GBVIS-B.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Dezembro de 2022
Magistrado Responsável | TERESA DE ALMEIDA (DE TURNO) |
Data da Resolução | 29 de Dezembro de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.
AA, de 57 anos, arguido identificado nos autos supra referenciados do Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, veio, nos termos do art. 222.º do CPP, requerer a providência de Habeas Corpus, alegando encontrar-se em situação de prisão ilegal, por ser o despacho judicial que aplicou a prisão preventiva violador de “cada uma das alíneas do n.º 6 art. 194.º do CPP, sendo por isso nulo e como consequência a prisão ilegal, por ter sido aplicada fora das situações previstas na lei”.
O peticionante encontra-se em prisão preventiva, acusado da prática de crime de incêndio florestal, p. e p. pelo artigo 274.º, n.ºs 1 e 2, al.a) do Código Penal.
-
Apresentou os seguintes fundamentos: (transcrição) “1.º O arguido foi detido de facto desde, pelo menos, as 9h50 do dia 20/07/22 por agentes da GNR.
-
A ser verdade que o arguido, como consta do auto de notícia elaborado pela GNR, confessou o crime de que agora vem acusado, aqueles agentes tinham por obrigação legal interromper a inquirição e proceder à comunicação de constituição de arguido, como prescreve os arts. 59.º, n.º 1 e 58.º, n.º 2 do CPP, o que não fizeram.
-
O suspeito apenas foi constituído arguido pela PJ várias horas depois dos agentes da GNR terem ido a sua casa e de se encontrar em sua custódia, em hora que no entanto não se pode precisar por não constar da constituição de arguido e termo de identidade e residência.
-
E apenas foi “formalmente” detido pela PJ naquele dia 20/07/22 pelas 21h.
-
Desde as 9h50 até à sua constituição de arguido, este esteve sempre sob a custódia de agentes da GNR, impedido na sua liberdade de movimento, que desobedeceram a lei, não o tendo constituído arguido, não o informando dos seus direitos nem procedendo à nomeação de defensor, tendo em conta que o arguido não sabe ler nem escrever.
-
O arguido foi presente a primeiro interrogatório judicial para aplicação de medidas de coação no dia 22/07/22, pelas 11h55, mais de 48h após ter sido abordado pelos agentes da GNR que impediram a sua liberdade de movimento, tratando-se de uma verdadeira e ilegal detenção.
-
Ou seja, quando foi presente a juiz encontrava-se numa situação de detenção ilegal.
-
Mas como se tal não bastasse, e talvez como presságio, foi o arguido sujeito a prisão ilegal por violação da lei.
-
Transcreve-se, desde já, o despacho que aplicou a prisão preventiva: “Nos termos dos artigos 191, 192, 193, no1, 2 e 3, 202, no1, al.a) e b) e 204, al. b) e c) do CPP sujeitar o arguido à medida de coacção de prisão preventiva, para além do TIR já prestado, por considerar ser tal medida a única que se revela adequada, necessária e suficiente a salvaguardar as elevadas exigências cautelares que se fazem sentir, sendo ainda proporcional, quer à gravidade dos crimes, quer às sanções que previsivelmente serão de aplicar.
Notifique, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 194, no10 do CPP. Proceda-se à emissão de mandados de condução do arguido ao EP competente. Notifique.” 10.º O referido despacho viola flagrantemente o disposto no art. 194.º, n.º 6 do CPP.
-
Não consta do despacho a descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, nem sequer a enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados.
-
Igualmente grave não contém a qualificação jurídica dos factos, nem sequer a sua previsão legal.
-
Questiona-se desde logo como se pode averiguar se a medida de coação de prisão preventiva é aplicável ou não, nos termos do art. 202.º CPP, se não há menção do crime que vem indiciado ou sua moldura penal! 14.º E por fim não há qualquer referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação impostos pelos arts. 193.º e 204.º CPP.
-
Aliás, e como é fácil de aferir, o despacho de aplicação de medidas de coação (que não pode ser confundido com o auto de interrogatório do arguido), não contém um único facto, apenas disposições legais.
-
O mencionado despacho viola cada uma das alíneas do n.º 6 art. 194.º do CPP, sendo por isso nulo e como consequência a prisão ilegal, por ter sido aplicada fora das situações previstas na lei.
-
Não foi sequer ponderado pelo Tribunal qualquer outra medida de coação, numa grosseira violação do disposto no art. 193.º, n.º 2 CPP.
-
O despacho diz que a prisão preventiva é a única medida de coação que se mostra adequada, necessária e suficiente mas não diz porque motivo uma medida de coação não privativa da liberdade não seria adequada, necessária e suficiente.
-
O Tribunal tinha por obrigação ponderar a aplicação de uma medida de coação menos gravosa para os direitos do arguido, nomeadamente uma medida de coação não privativa da...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO