Acórdão nº 254/22.1YRCBR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelLOPES DA MOTA (DE TURNO)
Data da Resolução29 de Dezembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

AA, com a identificação que consta dos autos, interpõe recurso do acórdão de 23 de novembro de 2022 do Tribunal da Relação de Coimbra, que autorizou a sua extradição para o Brasil, para cumprimento da pena de 6 anos, 6 meses e 12 dias de prisão, fixada pela 2.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça ..., por decisão proferida em 25.02.2021, transitada em julgado a 17.05.2021, pela prática de um crime de roubo.

  1. Discorda da decisão, por, em seu entender, existirem dúvidas quanto à prescrição do procedimento criminal no Brasil, que poderá constituir motivo de inadmissibilidade de extradição [invocando a alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º do Tratado de Extradição entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil], e quanto ao seu estado de saúde e situação familiar, que considera suscetíveis de preencher a “cláusula humanitária” de denegação da cooperação internacional (nos termos do artigo 18.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto).

    Apresenta recurso com motivação de que extrai as seguintes conclusões: “1 – O presente recurso interposto pelo aqui recorrente tem por objecto a autorização da sua extradição para o Brasil.

    2 – Desde logo, o recorrente não se conforma com o indeferimento da prova por si requerida, nomeadamente do pedido de informação às autoridades da República Federativa do Brasil acerca da moldura penal do crime por si cometido.

    3 – Quanto a este ponto, importa mencionar que o recorrente foi condenado numa pena de 6 anos, 6 meses e 12 dias de prisão, não constando dos autos qualquer informação sobre a moldura penal aplicável ao crime por si cometido.

    4 - Cumpre realçar que, dos elementos carreados para os autos, surge a informação de que o procedimento criminal prescreve passados 12 anos da prática do crime, caso o máximo da pena aplicável seja superior a 4 anos e não exceda os 8 anos.

    5 – Assim sendo, decorridos mais de 15 anos entre a prática do crime e a condenação definitiva, importa aferir, para efeitos de verificação de eventual prescrição do procedimento criminal aquando da prolação da decisão condenatória, qual a moldura penal prevista para o crime cometido pelo extraditando.

    6 - Sendo que, tal informação apenas poderá ser fornecida pelas autoridades brasileiras e somente com tal informação se poderá constatar se é, ou não, admissível a extradição, uma vez que, de acordo com o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º do Tratado de Extradição entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil, aplicável por força do estatuído no artigo 3.º da Lei 144/99, a extradição é inadmissível quando se encontra extinto o procedimento criminal por prescrição, segundo a lei de qualquer um dos países.

    7 – Convém ainda mencionar que, o facto de ter sido proferida decisão final após o decurso do prazo de prescrição do procedimento criminal, não deve obstar à verificação solicitada e, em último caso, deverá ser fundamento suficiente para impedir a extradição do recorrente, a fim de obviar eventuais ilegalidades e/ou inconstitucionalidades, altamente lesivas da liberdade do recorrente.

    8 - Razão pela qual deverá ser derrogado o douto acórdão recorrido, devendo os autos ser devolvidos ao tribunal de origem para se proceder àquela diligência probatória requerida, a fim de se averiguar a eventual prescrição do procedimento criminal.

    9 - Relativamente à perícia médica requerida, convém mencionar que o n.º 2 do artigo 18.º da Lei 144/99 menciona que deve ser negada a extradição quando, tendo em conta as circunstâncias do facto, o deferimento do pedido possa implicar consequências graves no estado de saúde do extraditando.

    10 – Tendo sido para avaliar, efectivamente, a eventual existência de consequências graves na saúde do extraditando, fruto da extradição, que se requereu a prova pericial indeferida.

    11 – Sendo que, o indeferimento da realização da perícia requerida não permite ao tribunal inculcar que a não realização dessa intervenção cirúrgica possa colocar em causa a saúde, ou até a vida, do extraditando, facto que poderia, e deveria, ser aferido pelo tribunal, que acabou por considerar por não provado tal circunstancialismo.

    12 – Tal como considerou, erroneamente, como não provado o facto de a esposa do recorrente residir em Portugal, facto que é contrariado pelas suas declarações prestadas em sede de audiência, bem como com as regras de experiência comum, segundo as quais os casais residem juntos.

    13 – Pelo que, deveria ter sido dado como facto provado a coabitação entre o recorrente e a sua esposa, BB.

    14 – Por todo o exposto, deverão V. Exas. derrogar o douto acórdão recorrido, ordenando a remessa dos autos para o tribunal a quo, a fim de se produzir a prova requerida.

    15 – Caso assim não se entenda, e atenta a emergência e marcação da cirurgia do recorrente, deverá o acórdão recorrido ser revogado e ser negada a extradição de AA, em virtude de a mesma colocar em risco a sua saúde.

    Nestes termos, e nos melhores de Direito, deve ser dado inteiro provimento ao presente recurso e, por via dele, revogar-se o acórdão recorrido, ordenando-se a realização das diligências requeridas ou, em alternativa, que se revogue o acórdão recorrido, substituindo-se por outro, que negue a extradição do recorrente por razões de saúde cirurgia do recorrente, deverá o acórdão recorrido ser revogado e ser negada a extradição de AA, em virtude de a mesma colocar em risco a sua saúde.” 3.

    Respondeu o Ministério Público, concluindo pela improcedência do recurso, nos seguintes termos: “(…) 3. [A] questão da prescrição do procedimento criminal já havia sido suscitada pelo extraditando na oposição que deduziu nos termos do art. 55.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31-08.

  2. E, em resposta, dissemos que, sendo a presente extradição solicitada, nos termos dos arts. 31.º, n.º 1, da Lei nº 144/99, de 31-08, e 1.º do Tratado de Extradição entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil, para cumprimento de uma pena de prisão e não para o exercício de procedimento penal, “a questão da invocada prescrição do procedimento criminal mostra-se ultrapassada e não está em causa, pois o que importa apurar é se a pena que o extraditando tem a cumprir se encontra ou não extinta por prescrição”.

  3. E ainda que “…no caso, a prescrição da pena não ocorreu ainda, já que se trata de uma pena de 6 anos, 6 meses e 12 dias de prisão cuja decisão condenatória transitou em julgado em 17/05/2021 e que, conforme foi alegado nos arts. 9.º e 10.º do requerimento inicial, não está extinta, por prescrição, nem em face da Lei Brasileira (art. 109.º, III, do C. Penal Brasileiro), nem perante a Lei Portuguesa (art. 122.º, n.º 1, al. b), do C. Penal Português)”.

  4. Ora, os Tribunais Brasileiros proferiram já uma sentença transitada em julgado, no âmbito de um processo criminal onde a questão da eventual prescrição do procedimento criminal não deixou, obviamente, de ser apreciada, e durante o qual o ora extraditando, aliás, nunca a invocou, nomeadamente no âmbito do recurso (“apelação criminal”) que interpôs para o Tribunal de Justiça do Poder Judiciário de ....

  5. Encontra-se ultrapassada, pois, a questão do procedimento criminal do crime pelo qual o arguido foi condenado e não existe qualquer fundamento para ser invocada neste processo de extradição, quando o que está em causa é o cumprimento de uma pena já transitada em julgado - a qual não prescreveu - e não um qualquer procedimento criminal ainda em curso.

  6. Não assiste, assim, razão ao recorrente quando pede a derrogação do douto acórdão recorrido e a devolução dos autos ao tribunal de origem para se averiguar da eventual prescrição do procedimento criminal.

  7. Relativamente à perícia médica requerida, refere o extraditando que pretendia que fosse avaliada “…a eventual existência de consequências graves na (sua) saúde” como consequência da extradição, atento o disposto no art. 18.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, citada, que prevê que, caso resultem consequências graves para a pessoa visada em razão do seu estado de saúde, a cooperação possa ser negada.

  8. A realização de tal perícia havia sido requerida pelo extraditando na oposição que oportunamente deduziu e pretendia com a mesma comprovar que sofre de patologia grave de saúde, apurar o tipo de tratamento que a mesma exige e avaliar se a ausência desse tratamento e de acompanhamento especializado e a não realização da intervenção cirúrgica prevista poderia pôr em perigo a sua integridade física e/ou a sua vida.

  9. Porém, o Tribunal a quo entendeu que, por um lado, “…não decorre que se tenha apurado que não há garantias da realização da referida intervenção cirúrgica em território brasileiro…”; 12. E, por outro, que “…tais circunstâncias (…) não se incluem em nenhuma das causas de recusa facultativa de extradição previstas no artigo 4.º da Convenção da CPLP, norma esta que elenca de forma taxativa as causas de recusa facultativa da extradição, dela não decorrendo a possibilidade de denegação da cooperação internacional quando do deferimento do pedido e tendo em conta uma ponderação entre a gravidade do facto e a gravidade das consequências da extradição para o visado possam resultar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal, tal qual como sucede com o n.º 2 do artigo 18.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, em que o extraditando se ancora”.

  10. Diga-se que, no mesmo sentido, se havia já decidido no Ac. do STJ de 30/10/2013, processo nº 86/13.8YREVR.S1, Relator Conselheiro Oliveira Mendes, in jurisprudencia.pt, cujo sumário, nesta parte, reza assim: “Ao contrário do que sucede com o n.º 2 do art. 18.º da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, a Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP não prevê, no seu art. 4.º, a possibilidade de recusa da extradição, quando esta...

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