Acórdão nº 11/20.0GAMRA.E1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Janeiro de 2023

Data12 Janeiro 2023
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Proc. n.º 11/20.0GAMRA.E1-A.S1 Rec. para fixação de jurisprudência Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.

O arguido AA veio, em 7.11.2022, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos dos artigos 437.º, n.º 2, 4 e 5 e 438.º do CPP, do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28.09.2022 proferido nestes autos n.º 11/20.0GAMRA, suscitando duas questões controvertidas e invocando em relação a cada uma delas um acórdão fundamento distinto.

  1. Para o efeito, nas conclusões do recurso apresentou os seguintes fundamentos (transcrição sem sublinhados): I] O arguido AA por acórdão da Relação de Évora de 28 de Setembro de 2022, de que se recorre, transitado em julgado a partir do dia 2 do Novembro, viu confirmado o acórdão proferido pelo Juízo Central Criminal ... que o tinha condenado, em concurso efectivo: - pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada e agravado, previsto e punido pelos artigos 131º, nº 1, 132º, nº 1 e nº 2, alínea l), 22º, 23º, todos do Código Penal, e pelo nº 3, do artigo 87º, da Lei nº 5/2006, de 23/02 (Regime Jurídico de Armas e Munições), na pena de 5 (cinco) anos de prisão; - pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea c), da Lei nº 5/2006, de 23/02 (Regime Jurídico de Armas e Munições), na pena de (dois) anos de prisão; - pela prática de um crime de tráfico de armas, previsto e punido pelo nº 1, do artigo 87º, da Lei nº 5/2006, de 23/02 (Regime Jurídico de Armas e Munições), na pena de 2 (dois) anos de prisão e, em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, condenar o arguido AA na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

    II] Não conformado com o Acórdão da Relação de Évora, o qual manteve a decisão da primeira instância e de que se recorre, e por se verificar posições divergentes na nossa jurisprudência quanto à mesma matéria de direito, interpõe recurso extraordinário para clarificação, uniformização e fixação de jurisprudência quanto a duas questões: na primeira a agravação da pena nos crimes cometidos com arma imposta pelo nº 3, do artigo 86º, da Lei nº 5/2006, de 23/02 (Regime Jurídico de Armas e Munições), no caso à moldura penal do crime de homicídio qualificado na forma tentada e a segunda questão o concurso aparente ou efectivo do crime de homicídio com arma e o crime de detenção de arma proibida; III] Quanto à primeira questão em apreciação nesta instância temos a posição do acórdão recorrido, numa interpretação literal, que defende existir a agravação do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, pelo uso da arma de fogo, por referência ao n.º 3 do art. 86.º da Lei n.º 5/2006, de 23/02.

    IV] Por outro lado, temos o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 07/01/2014, Processo n.º 323/11.3GBGDL.E1, (consultável no site da www.dgsi.pt), transitado em julgado a 17/02/2014 (acórdão de fundamento), que defende inexistir fundamento para aplicação da agravação prevista no nº 3 do art. 86º da Lei n.º 5/2006, de 23/02 ao tipo de crime de homicídio qualificado do art. 132.º do Código Penal, independentemente da circunstância ou do exemplo-padrão de que a qualificação resultar ser ou não o previsto na alínea h).

    V] Nos dois acórdãos a questão centra-se no sentido lógico-valorativo dos preceitos legais previstos nos arts. 131.º e 132.º do Código Penal e na realidade reveladoras de maior ou menor ilicitude e/ou de maior ou menor culpa com vista à aplicação da pena específica.

    VI] Por um lado, o acórdão de que se recorre temos uma interpretação mais literalista que fundamenta a existência de agravação da pena pelo uso de arma no crime de homicídio, independentemente da sua qualificação.

    VII] Por outro, o acórdão fundamento tem o entendimento que o tipo de crime previsto no art. 132.º do CP - homicídio qualificado - sendo logicamente o mais grave, não haverá lugar à aplicação do nº 3 do art. 86º (logicamente a incidir sobre o tipo base), pois já ocorreu agravação por via do próprio tipo (qualificado). Agravação prevista pelo art. 132.º do Código Penal é sempre superior à que resultaria da pena prevista no art. 131º após incidência do art. 86º, nº 3 do RGAM.

    VIII] os acórdãos supra transitaram em julgado e não são suscetíveis de recurso ordinário.

    IX] No que concerne à segunda questão em apreciação nesta instância temos a posição do acórdão recorrido, que defende existir um concurso real e efectivo de crimes, designadamente, o crime de homicídio qualificado, na forma tentada, agravado pelo uso da arma de fogo, por referência ao n.º 3 do art. 86.º da Lei n.º 5/2006, de 23/02 e o crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea c), da Lei nº 5/2006, de 23/02 (Regime Jurídico de Armas e Munições).

    X] Por outro lado, temos o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 09/04/2013, Processo n.º 641/11.0JDLSB.L1-5, (consultável no site da www.dgsi.pt), o qual subiu para o Supremo Tribunal de Justiça apenas quanto à medida da pena, já transitado em julgado (acórdão de fundamento), que defende existir um crime de homicídio qualificado em concurso aparente com o crime de detenção de arma proibida.

    XI] Nestes dois acórdãos, os arguidos ao obterem a arma e passar a detê-la sem autorização ou fora das condições legais, preenchem os elementos da previsão incriminadora do art. 86, n.º 1 da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, contudo a questão em causa coloca-se quanto aos ilícitos praticados com aquela arma. Existe, pois, a visão da unidade de ilícito global/ prevalência de um ilícito em relação ao outro ou coexistência/pluralidade de ilícitos, ou seja, a questão que se coloca é de saber se no crime de homicídio com recurso a arma proibida, os ilícitos são coexistentes ou um deles originar uma preponderância ou dependência em relação ao outro ilícito.

    XII] No acórdão recorrido, o arguido foi condenado em concurso real e efectivo por entenderem existir uma coexistência de ilícitos.

    XIII] Contudo, no acórdão fundamento defendeu a “unidade de sentido social do acontecimento ilícito global” porquanto, o arguido quis matar e o uso de arma proibida foi o processo de que se serviu para atingir o resultado almejado. Neste comportamento coexistem os ilícitos quer a nível objectivo quer subjectivo, sendo que o ilícito da acção de matar a outra pessoa surge como absolutamente dominante ou principal em relação ao sentido de ilícito da detenção de arma proibida e por isso estamos perante um concurso aparente de crimes.

    XIV] Face ao exposto, e existindo posições divergentes na nossa jurisprudência, importa clarificar e uniformizar a jurisprudência por meio de acórdão de fixação de jurisprudência, o que desde já se requer.

    Impõe-se ao Venerando Supremo Tribunal de Justiça, apreciar as duas questões suscitadas e, consequentemente, clarificar e uniformizar a jurisprudência quanto às mesmas. Caso se entenda pelo sentido dos acórdãos fundamento juntos com estes autos, requer-se a alteração da decisão proferida pelo acórdão recorrido.

    Termina pedindo o provimento ao recurso.

  2. A Srª. PGA no TRE respondeu ao recurso interposto pelo referido arguido sustentando, em resumo, nas conclusões, o seguinte (transcrição sem negritos, nem sublinhados): 1º Nos Autos de Processo Comum (Tribunal Colectivo) nº 11/20.0GAMRA do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo Central Criminal ... Juiz ..., o arguido AA foi condenado pela...

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