Acórdão nº 883/22 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução21 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 883/2022

Processo n.º 912/22

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A. e B. interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82 de 15.11 (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC), do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13 de janeiro de 2021, pedindo a fiscalização do disposto no “artigo 345.º, n.º 4, do Código do Processo Penal, com a interpretação e aplicação efectuada pela Veneranda Relação do Porto no Acórdão de que ora se recorre, violando o disposto no artigo 32.º, n.º 5, da CRP, ao julgar a admissibilidade e valorar como meio de prova o depoimento de um co- arguido, prestado em sede de inquérito, ainda que perante Magistrado, na parte em que acusam os Recorrentes, sem que estes tenham a possibilidade de proceder a contra-interrogatório, em sede de inquérito por não ter intervindo na diligência, e em sede de audiência de julgamento por o delator ter expressamente declarado que se remetia ao silêncio, nomeadamente, após a reprodução das suas declarações e quando questionado se estaria disponível para responder a questões a serem formuladas pelo mandatário dos ora Recorrentes”;

Também com interesse para o presente incidente, C. interpôs recurso de constitucionalidade ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC sobre três decisões, socorrendo-se do disposto no artigo 74.º, n.º 2, da LTC.

Em primeiro lugar, recorreu do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13 de Janeiro de 2021 acima referido, pedindo a fiscalização das seguintes normas e apelando aos seguintes parâmetros de constitucionalidade:

- Artigo 345.º, n.º 4, do CPP, quando interpretado no sentido de que “ainda que não haja contraditório por via do cross-examination (entenda-se, lugar a contrainterrogatório) o arguido sempre pode exercer o contraditório através de prova em sentido contrário”; suscita aeste respeito violação do artigo 32.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa “por ser [a interpretação normativa] absolutamente contrária à letra e ao espírito da lei, a qual alude à resposta do arguido incriminador às perguntas colocadas por parte dos intervenientes processuais”;

- Artigo 345.º, n.º 4, do CPP, quando interpretado no sentido de que “quando o arguido presta declarações em primeiro interrogatório, sem presença do arguido incriminado ou defensor deste, a sua utilização como meio de prova é permitida ainda que, num momento subsequente, aquele se remeta ao silêncio perante a manifestação expressa de qualquer interveniente em colocar questões e exercer o contraditório sobre tais declarações que sejam, ali, reproduzidas”; suscita a este respeito violação dos artigos 32.º, n.ºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa.

Em segundo lugar, recorreu do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26 de maio de 2021, que indeferiu a nulidade reclamada pelo recorrente, pedindo, neste segmento, a fiscalização de:

- Artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, quando interpretado no sentido de “o Acórdão proferido se bastar com a apreciação genérica dos pontos recursivos suscitados em sede de impugnação da matéria de facto, dispensando-se de apreciar os contornos argumentativos e legais insertos em cada um deles”; suscita a este respeito a violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa;

- Artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP, quando interpretado no sentido de “não ter o tribunal ad quem que fundamentar a sua decisão, limitando-se a concluir que improcede o vício suscitado pelos Recorrentes por reporte à decisão recorrida, sem escrutinar as questões suscitadas pelos Recorrentes”; suscita a este respeito violação dos artigos 205.º e 32.º, ambos da Constituição da República Portuguesa.

Em terceiro lugar, o recurso de C. foi ainda interposto da decisão singular da vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de setembro de 2021, que indeferiu a reclamação apresentada contra decisão de rejeição do recurso interposto para esse foro, pedindo a fiscalização do disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP, quando interpretado “como aplicável aos Acórdãos produzidos pelo Tribunal da Relação que contenham decisões em primeira linha que apreciam nulidades, considerando-se também quanto a essas vedada a possibilidade de recurso para o Tribunal Superior”. O recorrente suscita a este respeito violação do artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

2. Para o que interessa ao presente incidente, há que relembrar que por acórdão proferido pelo Juízo Central Criminal do Porto (Juiz 8), do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, os ora recorrentes foram condenados pelos seguintes crimes e nas seguintes penas:

A., um crime de fraude fiscal qualificada, p. p. pelos artigos 103.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 104.º, n.º 2, alíneas a) e b), todos do RGIT e dois crimes de fraude fiscal qualificada, p. p. pelos artigos 103.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 104.º, n.º 2, alínea a) e 3, todos do RGIT, na pena de 4 anos de prisão;

B., um crime de fraude fiscal qualificada, p. p. pelos artigos 103.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 104.º, n.º 2, alíneas a) e b), todos do RGIT, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período e sob condição de pagar ao Estado a quantia de € 696.499,66, acrescida de juros legais, durante o prazo de suspensão, disso fazendo prova nos autos;

C., um crime de associação criminosa, p. p. pelo artigo 89.º, n.ºs 1 e 3, do RGIT e quatro crimes de fraude fiscal qualificada, p. p. pelos artigos 103.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 104.º, n.º 2, alínea a) e 3, ambos do RGIT, na pena de 7 anos de prisão;

Inconformados, os três arguidos recorreram para o Tribunal da Relação do Porto que, pelo sobredito acórdão de 13 de janeiro de 2021, negou provimento aos recursos.

A. e B. apresentaram então requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional deste acórdão, como acima relatado.

3. C., de sua parte, reclamou contra o mesmo acórdão, apontando-lhe vício de nulidade por omissão de pronúncia e falta de fundamentação.

Por acórdão de 26 de maio de 2021, o Tribunal da Relação do Porto indeferiu a reclamação.

C. recorreu deste acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, que foi rejeitado por decisão singular do relator de 25 de junho de 2021. O recorrente reclamou para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça contra a rejeição (artigo 405.º do CPP), que indeferiu o incidente por decisão de 30 de setembro de 2021.

C. interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional contra os acórdãos de 13 de janeiro de 2021 (acórdão final), de 26 de maio de 2021 (reclamação de nulidade) e de 30 de setembro de 2021 (rejeição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça).

4. Pela decisão sumária n.º 666/2022, o relator no Tribunal Constitucional decidiu não conhecer do mérito dos recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC por estes dois recorrentes.

Os fundamentos da decisão foram os seguintes, nos segmentos que aqui importam:

“(…) 10. Recurso de A. e de B.

10.1. Quanto ao objeto de recurso definido por A. e B., sucede algo de semelhante ao assinalado em 9.1.) supra.

Os recorrentes definem como objeto da instância recursiva junto deste Tribunal Constitucional o disposto no artigo 345.º, n.º 4, do CPP, por a decisão recorrida “ julgar a admissibilidade e valorar como meio de prova o depoimento de um co- arguido, prestado em sede de inquérito, ainda que perante Magistrado, na parte em que acusam os Recorrentes, sem que estes tenham a possibilidade de proceder a contra-interrogatório, em sede de inquérito por não ter intervindo na diligência, e em sede de audiência de julgamento por o delator ter expressamente declarado que se remetia ao silêncio, nomeadamente, após a reprodução das suas declarações e quando questionado se estaria disponível para responder a questões a serem formuladas pelo mandatário dos ora Recorrentes”. Está bom de ver, trata-se da descrição compósita, aglutinada num texto sumário, de um conjunto de incidências processuais, não a formulação de uma dimensão normativa singular e extraída de uma norma, fosse o artigo 345.º, n.º 4, do CPP aludido no requerimento.

Dito de outra forma, ao definir o objeto do recurso os recorrentes descrevem o que sucedeu nos autos: um dos arguidos (apelidado de “delator”) prestou declarações em inquérito; estas declarações possuem caráter incriminatório dos recorrentes (“acusam os recorrentes”); ainda em inquérito, não foi possível aos recorrentes contrainterrogar o arguido/declarante; depois, em audiência de discussão e julgamento, o arguido/declarante remeteu-se ao silêncio; as declarações em inquérito foram reproduzidas em audiência; o arguido/declarante recusou responder ao questionário do defensor dos recorrentes; finalmente, o Tribunal, em 1.ª instância, terá considerado e valorado estas declarações no seu processo de motivação ao decidir em matéria de facto.

Está bom de ver, não estamos perante uma dimensão normativa do preceito caracterizada por generalidade e abstração, mas perante uma descrição narrativa da marcha dos autos que agrupa os atos verificados e que se pretende sujeitar a fiscalização, cingindo-se às peculiaridades do caso concreto.

Significa isto, portanto, que o objeto deste recurso é também inidóneo, face à ausência de carácter normativo, vício da instância recursiva por falta de pressuposto processual típico e próprio do meio de processo em causa (recurso para o Tribunal Constitucional) de sindicância oficiosa e que obsta à apreciação de mérito (cfr. artigos 6.º, 70.º, n.º 1 e 71.º, n.º 1, todos da LTC e artigos 577.º, corpo do texto e 578.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 69.º da LTC).

10.2. Acresce ainda –...

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