Acórdão nº 884/22 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução21 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 884/2022

Processo n.º 1028/22

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82 de 15.11 (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC), do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 27 de setembro de 2022, que negou provimento ao recurso por ela interposto da sentença em primeira instância, apelando a violação do disposto no artigo 110.º, n.º 6, do Código Penal (CP) e no artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa.

2. A. foi condenada por sentença do Tribunal do juízo de competência genérica do Entroncamento (Juiz 1), do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, pela prática de um crime de abuso de confiança, p. p. pelo artigo 205.º, n.º 4, alínea b), do CP e de um crime de burla na forma tentada, p. p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 22.º, alíneas a) e c), ambos do CP, na pena única de dois anos e seis meses de prisão, suspensa por igual período e sob condição de pagar ao Estado o valor de € 3.000,00 e na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 6,50, para um total de € 1.170,00.

No que respeita à atividade criminal de A., o Tribunal declarou ainda perdidos a favor do Estado um veículo automóvel e a quantia de € 121.203,64, que a condenou a pagar em favor do Estado português.

Desta decisão a arguida interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, a que foi negado provimento, confirmando-se integralmente a sentença recorrida.

3. A. veio então interpor recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional e, pela decisão sumária n.º 699/2022, o relator decidiu não conhecer do mérito do recurso com fundamento em inidoneidade do respetivo objeto.

Os fundamentos foram os seguintes, para o que ora importa:

O modelo legal de recursos para o Tribunal Constitucional do Direito português em sede de fiscalização concreta recenseado no artigo 280.º da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 69.º-85.º da LTC possui carácter acentuadamente normativo, cingindo-se à revisão do juízo de fiscalização formulado por Tribunais da compatibilidade (para com a Constituição, lei de valor reforçado ou convenção internacional) de uma norma jurídica ou interpretação normativa cuja disciplina estatutiva haja sido determinante para a orientação final da decisão recorrida (cfr., também, artigo 6.º da LTC e v., sobre o assunto, J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, Almedina, 7.ª edição, pp. 985-989, JORGE MIRANDA, Fiscalização da Constitucionalidade, Almedina, 2017, pp. 196-200 e 259-260 e C. LOPES DO REGO, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, pp. 165-166). (…)

Ora, do requerimento de interposição consta que, in casu, pretende a recorrente nada mais que a revisão de mérito da decisão, porque, segundo afirma, esta viola o disposto no artigo 110.º, n.º 6, do CP, e porque, segundo explica, só se pode entender admissível a perda em favor do Estado de bens quando a propriedade sobre a coisa perdida colida “ diretamente com os valores da segurança das pessoas, da moral ou da ordem pública”, o que, entenderá a recorrente, não será o caso.

É evidente que aferir se o acórdão recorrido desrespeita direitos de terceiro (artigo 110.º, n.º 6, do CP) e, bem assim, se, face ao acervo factual apurado, in casu se estará perante, ou não, uma tensão entre a titularidade de determinados bens e a ordem jurídica, são matérias absolutamente alheias aos poderes cognitivos do Tribunal Constitucional (cfr. artigos 6.º e 79.º-C, ambos da LTC).

A recorrente não destaca uma interpretação particular de uma qualquer norma legal que, suportando a decisão e dotada de generalidade e abstração, constituísse um programa normativo autónomo passível de ser sujeito a fiscalização concreta, mas, noutro sentido, pretende a sindicância da decisão jurisdicional por as conclusões nela alcançadas a propósito dos fundamentos da perda a favor do Estado associável a prática crminal não se mostrarem compatíveis com o que entende ser a realidade substancial das coisas e o quadro de Direito infraconstitucional.

É, pois, absolutamente transparente que não foi formulado um pedido de fiscalização da compaginação de um ato normativo para com princípios ou normas constitucionais, mas, apenas e somente, um impulso impugnatório que realiza uma abordagem ao Tribunal Constitucional como se se tratasse de uma instância integrada na jurisdição criminal e que possuísse no seu leque de atribuições e competências a revisão de decisões de outros órgãos jurisdicionais.

Conclui-se, face ao exposto, que o recurso interposto é inidóneo face à ausência de carácter normativo do seu objecto, vício da instância recursiva por falta de pressuposto processual típico e próprio do meio de processo em causa (recurso para o Tribunal Constitucional) de sindicância oficiosa e que obsta à apreciação de mérito (cfr. artigos 6.º, 70.º, n.º 1 e 71.º, n.º 1, todos da LTC

4. A recorrente reclamou para a conferência desta decisão, ora nos seguintes termos:

“(…)1.

A presente reclamação versa sobre a decisão sumária proferida por este tribunal o qual decidiu não tomar conhecimento do recurso interposto peia ora reclamante por considerar o mesmo legalmente inadmissível.

2.

Alegando para tanto a ausência de pressuposto processual necessário para o conhecimento dó recurso porquanto entendeu o Tribuna! que o que a recorrente pretende é "uma revisão e mérito da decisão e que a recorrente não destaca uma interpretação particular de uma qualquer norma legal que suportando a decisão e dotada de generalidade e abstração, constituísse um programa normativo autónomo possível de ser sujeito a fiscalização concreta, mas noutro sentido, pretende a sindicância da decisão jurisdicional para as conclusões nela alcançadas a propósito dos fundamentos da perda a favor do Estado associável à pratica criminal...

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