Acórdão nº 596/20.0GDSTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 15 de Dezembro de 2022
Magistrado Responsável | CARLOS DE CAMPOS LOBO |
Data da Resolução | 15 de Dezembro de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção) I – Relatório 1.
No processo n.º 596/20.0GDSTB da Comarca de Setúbal – Juízo Local Criminal de Setúbal – Juiz 4, o arguido AA, nascido a .../.../1976, natural de ..., filho de BB e de CC, ..., com morada no ..., n.º ..., ... ..., foi acusado pelo Digno Mº Pº, imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º, nº 1 do CPenal (acusação acompanhada pelo Assistente) e, pelo Assistente, onde foi acompanhado pelo Digno Mº Pº, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria p. e p. pelo artigo 181º do mesmo diploma legal.
Igualmente, o Assistente, deduziu pedido de indemnização cível, reclamando a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, o quantitativo de 1.900,00 (mil e novecentos) Euros.
Na sequência do julgamento efetuado, foi proferida sentença, decidindo: - Absolver o Arguido AA da prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º, nº 1, do CPenal; b) Condenar o Arguido AA pela prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, nº 1, do CPenal, na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de € 7,00; c) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido pelo Assistente, e consequentemente, condenar o demandado no pagamento da quantia de € 200,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a data de notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.
Ainda em sede de audiência de discussão e julgamento, o Assistente, requereu a junção aos autos de cópia do despacho de suspensão provisória do processo nº 163/20.... em que foi arguido o mesmo deste processo nº 596/20.0GDSTB, sendo que, como defendeu, os factos ali em causa eram semelhantes e pelo mesmo tipo de crime ao que aqui se pondera.
Este pedido foi indeferido.
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Inconformado com o decidido recorreu o Assistente: A) Questionando o despacho de não admissão da junção de cópia do despacho proferido no processo nº 163/20...., concluindo: (transcrição) 1. O recurso submetido à mui douta e criteriosa apreciação de Vossas Excelências vem do douto despacho proferido em 23/03/2022, que indeferiu o requerimento formulado pelo Assistente nos tramos do nº 1 do artigo 340º do CPP, em vista da junção de cópia de despacho que determinou a suspensão provisória do inquérito nº 163/20...., onde o aqui arguido figura igualmente como arguido, o aqui Assistente figura também como ofendido, e onde estão em causa factos e é imputado crime da mesma natureza.
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No decurso da audiência de 23/03/2022, o arguido prestou declarações registas no ficheiro ..., negou a existência de outros processos anteriores, nomeadamente tendo por objecto factos praticados em Março de 2020, da mesma natureza, onde também figura como arguido, e onde figura como ofendido o aqui Assistente (de 00:23:40 a 00:25:18).
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O arguido reiterou que nunca praticou factos da mesma natureza contra o Assistente, e declarou não havia qualquer motivo para que este último o temesse (de 00:35:34 a 00:35:35).
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A Mma. Juiz a quo verificou que dos autos constava informação sobre a aplicação de suspensão provisória do processo como sendo negativa, e que a 12/10/2022 não havia registo de aplicação de suspensão provisória ao arguido (de 00:33:19 a 00:33:51).
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Tendo presente a circunstância de o arguido ter negado a existência de outro processo em que lhe eram imputados factos e crime da mesma natureza e de as suas declarações serem falsas e desmentidas por decisão proferida no inquérito nº 163/20...., o Assistente requereu fosse junta cópia de douto despacho que determinou a suspensão provisória em tal inquérito, onde o arguido figura também como arguido, o Assistente figura como ofendido, e onde, como aqui, lhe era imputada a prática de factos e crime de ameaça, previsto e punido pelo nº 1 do artigo 153º do CP.
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Foi proferido o douto despacho agora recorrido, que indeferiu tal requerimento com fundamento na circunstância de a junção daquele documento não se revelar essencial para os autos aqui em causa.
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A informação constante dos autos está descatualizada em face da evolução e desfecho do referido inquérito nº 163/20...., de que nestes autos existe notícia apenas até 12/10/2021, e a junção requerida é essencial desde logo para que a decisão a proferir tenha em consideração informação actualizada, verdadeira e rigorosa.
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Essa informação actualizada, rigorosa e verdadeira e rigoroso está vertida em douto despacho judicial proferido no referido inquérito nº 163/20...., como Assistente DD deu nota e de imediato requereu a junção de cópia – cfr. doc. nº 1 que ora junta.
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É também patente que a junção requerida se afigura essencial para a descoberta da verdade, designadamente para que seja proferida de posse de melhor e mais amplo enquadramento da credibilidade das declarações do arguido.
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Desde logo para constatar que este negou e reiterou em julgamento a inexistência de um processo e a prática de factos que objectivamente não desconhece nem podia desconhecer.
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Ali foi constituído arguido, ali lhe foi aplicada suspensão provisória do processo e impostas várias injunções várias, em Dezembro de 2021, pelo período de 3 meses, que ainda nem sequer estava decorrido quando se realizou a audiência de 23/03/2022.
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Sem prejuízo de a aplicação da suspensão provisória do processo não poder ser tida em conta enquanto antecedente criminal do arguido, a junção requerida se revela absolutamente necessária para que a boa decisão da causa, pelas razões expostas.
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Ao decidir como decidiu, salvo o devido respeito, violou o Mmo. Tribunal a quo o nº 1 do artigo 340º do CPP, que se impunha antes de interpretar e aplicar no sentido de admitir ou ordenar a requerida junção aos autos do douto despacho em causa.
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Igualmente, recorreu da sentença proferida, evidenciando, para tanto, as seguintes conclusões: (transcrição) 1.Recorre o Assistente da mui douta sentença datada de 15/06/2022, referência ...47, porquanto considera que o Tribunal a quo efetuou uma menos ponderada e acertada apreciação da matéria de facto, como uma menos ponderada e acertada interpretação e aplicação do direito.
*2.O Arguido tinha a real vontade de ofender a integridade física do Assistente, tendo-lhe comunicado a intenção de materializar tal vontade quando proferiu “agora é que vais ver como elas te mordem!”.
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As palavras do Arguido são adequadas a provocar intranquilidade, insegurança e medo pela integridade física ao Assistente, como a afectar-lhe a liberdade de decisão e ação, o que representou e efectivamente veio a acontecer.
*4.Frustrada a tentativa de ofender a integridade física do Assistente, o Arguido proferiu “és um filho da puta, eu sou mais maluco do que tu, o que te safa são as câmaras que tens em casa, eu e a GNR vamos dar cabo de ti!”.
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Revela-se manifesto que o Arguido mantinha a vontade e predisposição de ofender a integridade física do Assistente, o que lhe transmitiu, e que só se inibiu pela presença das câmaras de vigilância instaladas na casa do Assistente.
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Este anúncio é objectivamente apto a provocar medo, insegurança e intranquilidade ao Assistente, como a afectar-lhe a liberdade de decisão e ação, o que o Arguido necessariamente representou e pretendeu, e efectivamente veio a acontecer.
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O Tribunal a quo realizou uma menos ponderada e acertada apreciação do facto porquanto se encontra demonstrado e deve ter-se como provado o facto constante em a).
ADEMAIS, 8.O Tribunal a quo entendeu que a expressão “agora é que vais ver como elas te mordem!” traduz um mal iminente, que não está preenchido o elemento objectivo do tipo de ilícito, pelo que decidiu pela absolvição do Arguido pela prática do crime de ameaça.
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Contudo, como correctamente se tem posicionado a Jurisprudência, «A punição pela ameaça não é excluída (desde que preenchidos os demais elementos de ordem objetiva e subjetiva naturalmente), pela simples circunstância de ser proferida num contexto de execução iminente do crime prometido ou de crime por ele consumido, desde que a execução deste crime não chegue a ter lugar ou se a mesma execução não for punível, como sucede no caso de tentativa não punível de crime contra a integridade física» 10.O desvalor contido na ameaça cometida pelo Arguido não se esgota no desvalor do ilícito típico executado, devendo a ameaça efectivamente praticada e a supra referida tentativa serem encaradas como situações jurídico-penais autónomas.
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O Arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a expressão supra referida consubstancia o anúncio de um mal pretendido contra a integridade física do Assistente, apto a provocar medo, inquietação e a prejudicar a liberdade de ação e determinação, o que efectivamente veio a acontecer, e que esta conduta era proibida e punida por Lei.
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O Arguido afirmou ainda “és um filho da puta, eu sou mais maluco do que tu, o que te safa são as câmaras que tens em casa, eu e a GNR vamos dar cabo de ti!” em tom de voz elevado e hostil, na residência do Arguido, num contexto de animosidade, face à existência de queixas apresentadas pelo Arguido contra o Assistente e vice-versa, e após ameaça com mal iminente e tentativa de ofensa à integridade física.
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O Arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a expressão supra mencionada consubstancia o anúncio de um mal pretendido contra a integridade física do Assistente, apto a provocar medo, inquietação e a prejudicar a liberdade de ação e determinação, o que efectivamente veio a acontecer, e que esta conduta era proibida e punida por Lei.
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Sem prejuízo do mui douto suprimento de V. Exas., Venerandos Senhores Juízes Desembargadores, o Tribunal a quo realizou uma menos ponderada e acertada interpretação e aplicação, entre mais, do disposto do artigo 153.º do Código Penal ao decidir pela absolvição do Arguido pela prática de dois crimes de...
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