Acórdão nº 79/21.1GAMTL.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelCARLOS DE CAMPOS LOBO
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção) I – Relatório 1.

O processo de inquérito com o nº 79/21...., que correu termos na Comarca ..., no Ministério Público – 1ª Secção de Inquéritos de ..., teve origem numa denúncia apresentada por AA, na qualidade de pai de BB, contra CC, destinando-se a investigar factos, eventualmente cometidos por este, que seriam suscetíveis de integrar, entre outros, a prática do crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea b) do CPenal.

  1. Findo o inquérito, o Digno Magistrado do Ministério Público proferiu despacho ordenando o seu arquivamento – artigo 277.º, nº2 do CPPenal -, concluindo, em síntese, não tendo sido reunidos indícios suficientes para alicerçar a prolação de uma acusação contra o arguido (…) quanto à prática de factos susceptíveis de integrar o crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º nº 1, alínea b) do Código Penal, determina-se o arquivamento dos autos (…)[1].

  2. Inconformada com esta decisão, BB, tendo-se constituído como assistente, veio requerer a abertura da instrução, alegando que elementos probatórios existiam que não tendo sido carreados ao processo na fase de inquérito, permitem que se decida pela pronúncia do arguido.

  3. Por despacho proferido em 29 de dezembro de 2021, foi declarada aberta a instrução[2], onde realizado o Debate Instrutório, a 9 de março de 2022 no decurso do qual tiveram lugar diversas diligências de prova – audição da Assistente e três testemunhas por esta arroladas -[3], culminou com a prolação de Decisão Instrutória de não pronúncia do arguido.

  4. Inconformada com tal despacho de não pronúncia, a Assistente dele recorreu, extraindo da respetiva motivação do recurso as seguintes conclusões que, em mera síntese, se enunciam[4]: - O Tribunal deu como provado que o arguido chamou “burra” à assistente, por várias vezes, durante o período de namoro, em situações e contextos não concretamente apurados; - O Tribunal igualmente consigna que a assistente referiu que o arguido a apelidou de “burra” no seio de discussões, mas não conseguiu concretizar nenhuma, o que não permite compreender o contexto em que ocorreram, o que assim não permite compreender a intenção do arguido; -Também quanto à situação reportada ao ano novo, não se vislumbra que o arguido tenha proibido a assistente de falar com o seu pai; - O Tribunal concluiu que resultam dúbias as intenções do arguido; - Também, refere o Tribunal que o arguido ao comentar a roupa que a assistente vestia, não se verifica que o mesmo tenha atuado com qualquer vontade de limitar a ofendida na sua liberdade; - O Tribunal a quo sequer fez um exame crítico da prova junta aos autos pois, tal importava que explicasse porque considerou que o arguido chamar, por diversas vezes, burra à assistente não traduz uma ofensa da pessoa desta; - Tal como concluiu que o facto de o arguido afirmar que matava o pai da assistente, não é uma forma de controlar e de a limitar na sua actuação; - Ou como considerou que o controlo do que alguém veste não traduz uma forma de limitar o outro na sua liberdade e limitá-lo; - Não se entende bem o itinerário cognoscitivo seguido pelo Tribunal; - Assim deve ser revogada a decisão recorrida.

  5. Notificados o Digno M.º P.º e o arguido, do despacho de admissibilidade do recurso e deste, apenas o primeiro apresentou articulado de resposta junto do Tribunal recorrido, concluindo nos termos seguintes: (transcrição) 1.ª O presente recurso deve considerar-se improcedente.

    1. A instrução é uma fase facultativa, dirigida pelo Juiz de Instrução e que visa a comprovação judicial da decisão proferida quer pelo assistente quer pelo Ministério Público, conforme o procedimento criminal dependa ou não de acusação particular respectivamente, isto é, visa apurar se foram ou não recolhidos indícios suficientes da verificação do crime imputado ao arguido.

    2. Para que seja aberta a instrução o RAI deve conter a narração factual que integre os elementos objectivo e subjectivo do tipo de crime em apreço nos termos do disposto no art.º 287º n.º 3 do C.P.P.

    3. Ao contrário do alegado pela assistente, o Tribunal a quo procedeu ao exame crítico da prova produzida, à luz das regras de experiência comum, concluindo pelo recurso ao princípio in dúbio pro reo.

    4. Assim sendo, ao tribunal a quo não existiram dúvidas, muito menos razoáveis para a não condenação do arguido pelos factos descritos na acusação.

    5. É, pois, totalmente improcedente a invocação da assistente, devendo manter-se o despacho de não pronúncia proferido nos autos.

    Nestes termos, negando provimento ao recurso.

  6. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que alude o artigo 416.º do CPPenal, emitiu parecer entendendo que o presente recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida[5].

    Todavia e, em síntese, foi igualmente defendido que determinada factualidade dada como adquirida em 1ª Instância – mormente chamar burra à Assistente por diversas vezes no período de namoro e o arguido fazer reparos à roupa que aquela usava, fazendo-a trocar o que vestia – poderia configurar crime de injúria, e até crime de ofensa à integridade física simples - devendo por isso ter sido tomada posição sobre tal, ainda que também considere que face à data dos factos o momento da apresentação da denúncia já tivesse decorrido o prazo de 6 meses a que alude o artigo 115º do CPenal.

    Não foi apresentada resposta ao parecer.

  7. Efetuado exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

    II – Fundamentação 1. Questões a decidir Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência, ou não, dos vícios indicados no art.º 410°, n.° 2 do CPPenal, o âmbito do recurso é dado, nos termos do art.º 412º, nº 1 do citado complexo legal, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido - jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95.

    Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pela Assistente, onde ressalta uma certa confusão e imprecisão no argumentário, importa apreciar e decidir da existência ou não de indícios que permitam pronunciar o arguido pela prática do crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nºs 1, alínea b), 2, 4, 5 e 6 do CPenal.

  8. Apreciação 2.1. O Tribunal recorrido pronunciou-se da seguinte forma: (transcrição) Com interesse para a decisão instrutória, consideram-se os seguintes factos suficientemente indiciados [excluindo-se factos conclusivos, matéria de direito ou que não assumem qualquer relevo para a decisão a proferir]: 1. Em Novembro de 2018 a assistente iniciou um relacionamento amoroso com o arguido.

  9. Tal relacionamento terminou em Março de 2020.

  10. Ao tempo, a assistente cursava um Colégio Particular, onde era directora DD, e a assistente residia em ....

  11. O arguido chamou, por várias vezes, durante o período de namoro, à assistente “burra” em situações e contextos não concretamente apurados.

    *Com interesse para a decisão instrutória consideram-se os seguintes factos não suficientemente indiciados: A. O Colégio mencionado em 3 fica localizado em ....

    1. Entre Novembro de 2018 e Junho de 2019, o arguido impunha sanções à assistente, como chatear-se com ela, se não atendia o telefone cada vez que lhe ligasse.

    2. Outra das consequências de não atender era que a deixaria, alegando que ele era a única pessoa que se interessava pela assistente.

    3. O arguido disse à assistente que a sua família (pai e irmão) não queriam saber dela, nem a avó paterna.

    4. No período de namoro, o arguido afirmava, quase diariamente, à assistente, que esta só queria vestir-se com roupas justas, ou decotes ou com peças mais elaboradas porque era uma oferecida.

    5. Porque queria era que os outros se metessem com ela.

    6. O arguido transmitia à assistente que ninguém além dele, queria o seu bem.

    7. Afirmando-lhe, insistentemente nesse mesmo período, que nada sabia fazer, que era uma nulidade e que só consigo conseguiria vingar.

      I. Durante o período de namoro o arguido exigia que a assistente lhe dissesse onde e a que horas ia e exigia-lhe informações do local e hora onde estava e com quem.

    8. No dia 1 de Janeiro de 2020 o arguido impediu a assistente de atender as chamadas do pai e de lhe dar qualquer resposta, invocando que este só a queria controlar.

    9. Ao agir da forma descrita, o arguido sabia que molestava a saúde psíquica da assistente, que a ofendia na sua honra e consideração, que abalava a sua segurança pessoal, amor próprio e dignidade, ou seja, sabia que lhe provocava grande sofrimento psíquico, o que pretendeu e fez de forma reiterada.

      L. O arguido agiu deliberada e conscientemente, bem sabendo que lhe eram proibidas tais condutas.

      *Importa então conjugar a prova indiciária recolhida.

      Compulsados os autos, verifica-se que os elementos indiciários de prova relevantes para a decisão a proferir, recolhidos em sede de inquérito e da instrução, entre os mais, são os seguintes: - Auto de...

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