Acórdão nº 247/18.3JAFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 15 de Dezembro de 2022
Magistrado Responsável | BEATRIZ MARQUES BORGES |
Data da Resolução | 15 de Dezembro de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO 1. Da decisão No Processo Comum Singular n.º 247/18.... da Comarca ..., Juízo Local Criminal ..., Juiz ..., submetida a julgamento, foi a arguida AA [1].
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Absolvida da prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança qualificado, previsto e punível pelo artigo 205.º, n.º 1, n.º 4, alínea b) e n.º 5 do CP; b) Condenada como autora pela prática, em autoria material, de um crime abuso de confiança qualificado, previsto e punível pelo artigo 205.º, n.º 1, n.º 4, alínea b) do CP, na pena de onze meses de prisão, substituída por uma pena de trezentos e trinta dias de multa, à taxa diária de cinco euros e cinquenta cêntimos, perfazendo o montante total de mil oitocentos e quinze euros.
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Do recurso 2.1. Das conclusões da arguida Inconformada com a decisão a arguida interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “1. Ao crime p. e p. artigo 205.º, n.º 1 e 4, alínea b) do CP, pelo qual a arguida vem acusada, é aplicável o disposto no artigo 206.º, n.º 1 do mesmo Código.
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A douta sentença condenatória ora recorrida foi proferida no pressuposto de que, apesar de a arguida ter procedido à restituição da coisa apropriada, os ofendidos manifestaram não dar a sua concordância à extinção da responsabilidade criminal da mesma.
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Com vista a que os ofendidos viessem aos autos dizer se davam ou não a sua concordância aquela extinção da responsabilidade criminal, o Tribunal a quo determinou a notificação dos mesmos para tal efeito.
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A acompanhar correio eletrónico de 4-5-2022, foi junta digitalização de declaração, datada de 26-4-2022, subscrita pelos ofendidos a manifestar não ser intenção de ambos extinguir a responsabilidade criminal da arguida, declaração que não foi notificada à arguida.
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De acordo com o teor de informação de 27-4-2022, disponível no CITIUS, mostra-se consignado que o ofendido BB não foi notificado em virtude de o mesmo não ter atendido o telefone e o ofendido CC foi notificado, apenas por essa via telefónica, para no prazo de 10 dias, informar se dava ou não a sua concordância para que se extinguisse a responsabilidade criminal da arguida.
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De acordo com o que consta do sistema CITIUS, àquele telefonema não se seguiu qualquer notificação escrita, como impunha o disposto no n.º 7, alínea b), in fine, do artigo 113.º do CPP, norma que foi violada.
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O correio eletrónico de 4-5-2022, com o qual foi apresentada a declaração dos ofendidos foi enviado por DD , filho/sobrinho dos ofendidos, o qual não é advogado nem juntou procuração aos autos para representar os ofendidos.
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Atento o teor das conclusões anteriores, verifica-se a inexistência das notificações aos ofendidos para virem aos autos dizer se concordavam ou discordavam com a extinção da responsabilidade criminal da arguida, bem como a prática de atos processuais por parte de filho/sobrinho que não é advogado ou mandatário dos ofendidos.
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A inexistência daquelas notificações determina a necessidade da sua repetição e a nulidade dos atos posteriormente praticados, designadamente a prolação e leitura da douta sentença recorrida, nos termos do disposto no artigo 122.º do CPP.
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Tendo a arguida, estranhando a discordância dos ofendidos face às expetativas criadas durante o andamento do processo quanto à extinção da sua responsabilidade criminal, entrado em contato telefónico com os ofendidos, os mesmos disseram-lhe não saber o teor do que assinaram, tendo ainda dito que assinaram tudo conforme o DD mandou para ficar tudo certinho, tudo tratado, desconhecendo inclusiva a condenação da arguida e que o documento era a propósito da possibilidade de desistência de queixa.
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Tendo em conta o teor da conclusão anterior, verifica-se que os ofendidos nem terão tido a noção de que a declaração por eles assinada continha manifestação de discordância, verificando-se assim falta de consciência das respetivas declarações, a que será aplicável o disposto no artigo 246.º do Código Civil, norma que foi violada pela douta sentença recorrida, não sendo aquelas válidas.
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Atento ao acima exposto, a arguida não beneficiou validamente do disposto no artigo 206.º, n.º 1 do Código Penal, norma que foi violada pela douta sentença recorrida.
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Atento o acima exposto e salvo melhor opinião, impõe-se a reabertura da audiência e a notificação dos ofendidos para comparecerem em juízo e manifestarem perante o Tribunal se concordam ou discordam com a extinção da responsabilidade criminal. Ainda que assim não se entendesse, o que apenas se admite por mera cautela e dever de patrocínio 14. Tendo em conta que a arguida, através de dois correios eletrónicos de 17-08-2017, solicitou à testemunha DD, filho/sobrinho dos ofendidos, a indicação das contas bancárias destes e o informou que não podia proceder ao pagamento em numerário diretamente à testemunha, bem como as mensagens SMS enviadas à testemunha DD, filho/sobrinho dos ofendidos, em 27-7-2017, 28-7-2017 e 18-7-2017 e ainda o teor dos despachos proferidos pela Exma. Presidente do Conselho de Deontologia ..., datados de 27-7-2020 e 25-10-2021, tudo conforme cópias juntas pela arguida aos autos a coberto do seu requerimento de 9-2-2022, impunha-se que tivessem sido dados como não provados os factos constantes dos pontos 6, 15, 17 e 18 dos factos dados como provados, absolvendo-se a arguida do crime pelo qual veio a ser condenada. Ainda que assim não se entendesse, o que apenas se admite por mera cautela e dever de patrocínio, 15. Tendo em conta que a arguida, diligenciou insistentemente junto da testemunha DD, filho/sobrinho dos ofendidos pela indicação dos IBANS/NIBS dos ofendidos, o que indicia que a mesma pretendia efetivamente entregar-lhes a quantia indemnizatória a que tinha direito e que nada mais consta em desabono da arguida, afigura-se que a pena que lhe foi aplicada é excessiva pelo que sempre se imporia a fixação de pena mais reduzida, uma vez que as necessidades de prevenção especial são diminutas.
Termos em que deve ser declarada a inexistência das notificações aos ofendidos para efeitos do disposto no artigo 206.º, n.º 1 do Código Penal, bem como que não seja considerada a declaração junta ao processo pelo filho/sobrinho dos ofendidos que não é advogado nem se mostrou mandatado para o efeito e, bem assim, que seja declarada nula a douta sentença proferida, ordenando-se a reabertura da audiência e a notificação dos ofendidos para virem dizer, presencialmente, em sede de audiência, se concordam ou não concordam com a extinção da responsabilidade criminal da ofendida ou, se assim não for entendido, deve a arguida ser absolvida do crime pelo qual veio condenada, (…)”.
2.2. Das contra-alegações do Ministério Público Respondeu o Ministério Público defendendo o acerto da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos (transcrição): “1- Os argumentos invocados pelo recorrente, nos quais assenta a sua discordância, não permitem, salvo o devido respeito, decisão diversa da proferida pelo Mmº Juiz “a quo”; 2- Veio a arguida invocar que a pena foi excessiva, sem adiantar qual a adequada.
3- A arguida beneficiou de uma pena especialmente atenuada nos termos previstos no art. 73º nº 1, al. a) e b) do CP..
4- Mas, não podemos esquecer que a arguida, advogada, no exercício da sua profissão apoderou de € 17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros).
5- Quantia que apenas a restituiu no decorrer deste julgamento, ou seja, decorridos cerca de 5 anos.
6- Pelo que somos forçados a concluir que a pena aplicada é a única adequada a afastar a arguida do cometimento de fatos idênticos.
7- No tange à alegada irregularidade, invocada, resulta de fls. 485 que os ofendidos nos autos manifestaram a sua discordância e não teve aplicação o estatuído no art. 206º nº1 do CP.
Não podemos senão concordar com as doutas conclusões a que chegou o Mmº Juiz a quo, em face do já explanado quanto à nossa concordância pela aplicação de uma pena privativa substituída POR MULTA, supra.
Destarte, e pelas razões apontadas, entendemos que falecem os pressupostos em que o recorrente faz assentar as razões da sua discordância com a douta sentença sindicada, e que surgem plasmados nas conclusões da motivação do recurso.
Pelo que não merece qualquer censura a decisão recorrida.
Termos em que se conclui sufragando a posição adoptada pela Mmª Juiz “a quo” na douta sentença sindicada, julgando-se o recurso interposto pelo recorrente improcedente, (…)”.
2.3. Do Parecer do MP em 2.ª instância Na Relação a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido de ser julgada a improcedência total do recurso interposto pela arguida.
2.4. Da tramitação subsequente Foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO 1. Objeto do recurso De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95 o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.
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Questões a examinar Analisadas as conclusões de recurso as questões a conhecer são: 2.1.
A impugnação da matéria de facto; 2.2.
A nulidade da sentença por falta de notificação dos ofendidos nos termos previstos no artigo 206.º, n.º 1 do CPP; 2.3.
O erro de julgamento quanto à matéria de direito (artigo 412.º, n.º 2 do CPP), por errada dosimetria da pena.
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Apreciação 3.1. Da decisão recorrida Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra decidido pela instância recorrida.
3.1.1.
Factos provados na 1.ª instância O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição): “1. Em data não concretamente apurada, mas no início do mês de...
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