Acórdão nº 1482/22.5T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelFERNANDO BARROSO CABANELAS
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório: AA instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra I..., Construções, Ld.ª, BB e CC, pedindo que se anule a deliberação de aprovação do ponto 4 da ordem de trabalhos da reunião da assembleia-geral da 1.º Ré realizada em 31/03/2022, na parte em que aprovou a proposta de exigência aos sócios de prestações suplementares, no montante global de 35.000,00 €, dos quais 21.000,00 € a exigir ao 2.º Réu e 14 000,00 € a exigir ao 3.º Réu e à Autora.

Citados, vieram desde logo os Réus defender-se por exceção, alegando que, não sendo a Autora sócia da 1.ª Ré, e pese embora tenha efetivamente sido convocada para a assembleia geral ordinária em sujeito, carece de legitimidade ativa para instaurar a presente ação, exceção dilatória esta que, prevista na al. e) do art.º 577.º do CPC, conduz à absolvição dos réus da instância, nos termos previstos na al. d) do n.º 1 do art.º 278.º do CPC.

Em resposta, veio a Autora argumentar que, sendo dúbia a sua legitimidade para impugnar deliberações sociais se não tivesse sido convocada para as mesmas, se não tivesse votado e se não tivesse emitido declarações de voto, a partir do momento em que esse direito lhe foi reconhecido, face à sua intervenção na reunião da AG em sujeito, entende ter legitimidade para impugnar as deliberações aí tomadas.

A referida exceção foi decidida em sede de despacho saneador, nos seguintes termos: Em regra, o nosso sistema jurídico sanciona com a nulidade a violação de interesses públicos e com a simples anulabilidade a violação de interesses meramente privados, correspondendo-lhe, também como regra, as seguintes diferenças de tratamento: a nulidade é invocável a todo o tempo, enquanto a anulabilidade apenas o é em determinado período subsequente à cessação do vício; a nulidade é de conhecimento oficioso e pode ser invocada por qualquer interessado, enquanto a anulabilidade só pode ser arguida por aqueles em cujo interesse foi estabelecida (art.ºs 285.º a 294.º do CC).

Esta diferenciação entre a nulidade e a anulabilidade das deliberações sociais é também patente no Código das Sociedades Comerciais, como resulta do confronto dos art.ºs 56.º a 60.º deste código, terminando o último por, pressupondo tal diferenciação, estabelecer “disposições comuns às ações de nulidade e de anulação” [das deliberações sociais], impondo, com pertinência para este caso, que “tanto a ação de declaração de nulidade como a de anulação são propostas contra a sociedade”.

Na nossa lei é excecional o sistema da nulidade das deliberações sociais: é maioritariamente aceite que as deliberações sociais nulas estão sujeitas ao princípio da tipicidade. Desta forma como norma, ao invés do regime pendente no restante direito civil, a deliberação social viciada é cominada com a anulabilidade.

No que ora se cuida – da anulabilidade –, importa salientar que, nos termos do art.º 59.º, nº 1 do CSC a anulabilidade pode ser arguida pelo órgão de fiscalização ou por qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento nem posteriormente tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente. Com efeito, atenta a menor gravidade da violação da lei cominada com esta sanção, só a podem arguir as pessoas a quem a lei confere legitimidade para o efeito.

Ora, visto que a Autora não é, cada um deles, titular de uma quota, mas a detém em comunhão conjugal, há que determinar como a lei regula a sua relação com a sociedade, por forma a ajuizar da sua legitimidade para deduzir a presente ação.--- Segundo o art.º 8.º, n.º 2 do CSC, “quando uma participação social for, por força do regime matrimonial de bens, comum aos dois cônjuges, será considerado como sócio, nas relações com a sociedade, aquele que tenha celebrado o contrato de sociedade ou, no caso de aquisição posterior ao contrato, aquele por quem a participação tenha vindo ao casal”. Apreciando, pois, o que, nos casos de divórcio e até à partilha, sucede ao ex-cônjuge do sócio, diremos que rege o artº. 8º, nºs. 2 e 3, do CSC, dispondo que, nas relações com a sociedade, apenas quem assumiu a qualidade de sócio no contrato ou em quem ingressou a participação social, é quem exerce os direitos e deveres no seu seio.--- Na verdade, a quota, enquanto unidade formal dos direitos correspondentes à sua titularidade, não é objeto de comunhão conjugal, apenas o sendo o seu valor patrimonial “sem que a qualidade de sócio se comunique” [neste sentido, Ac. TRL de 10.04.2008, disponível em www.dgsi.pt], pelo que se conclui que o cônjuge do sócio de uma sociedade por quotas não adquire a qualidade de sócio, com todo o correspondente complexo de direitos e deveres – pelo simples facto de o regime matrimonial lhe reconhecer comunhão em bens do seu cônjuge – porquanto tal “qualidade de sócio que, dentro da participação social se caracteriza pelas posições orgânica e administrativa coligada aos seus direitos patrimoniais, (...) é sempre indissociável da pessoa do titular da respetiva participação social” e “é incomunicável entre cônjuges, enquanto permanecer encabeçada na pessoa de um deles” [PINTO FURTADO, in Código Comercial Anotado, Vol. I, p. 371-372].--- Neste mesmo sentido e no que em particular se refere ao momento da dissolução do casamento e anterior à partilha, “o divórcio (ou a separação de pessoas e bens) e a subsequente indivisão de bens até à partilha não envolvem, ao que cremos, uma modificação no que tange à titularidade da participação social, nem a alteração quando ao conteúdo (e aos limites) dos poderes de exercitar os direitos e deveres inerentes a essa posição jurídica perante a sociedade e os outros sócios; ocorre apenas uma alteração quanto à possibilidade de requerer a partilha da participação social ou de dispor da sua quota ideal no património (tendencialmente) autónomo formado pelos bens que eram comuns. A quota ou participação social, que era bem comum até à dissolução do casamento, não passa a ser fruída em regime de contitularidade ao qual possam ser aplicadas, sem mais, as regras da compropriedade entendida como participação na propriedade de bens certos e determinados: ao invés, essa contitularidade dos bens (que eram comuns até à cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges) não significa um direito a uma parte ideal de cada um dos bens que compõem essa massa indivisa (aí onde se pode integrar uma participação social no seu aspeto patrimoniais, mas, sim, o direito a uma parte ideal dos próprios bens em indivisão. Na verdade, o ex-cônjuge não celebrou o contrato de sociedade e não foi por ele que a participação social adveio ao casal, circunstância que impede, segundo cremos, a sua qualificação como contitular da participação social no que respeita ao exercício dos direitos e deveres. O ex-cônjuge meeiro não é o sócio; sócio é, como vimos, o outro ex-cônjuge que celebrou o contrato de sociedade ou por quem a participação social adveio posteriormente ao casal. Além de que o ex-cônjuge sócio, a fortiori, também não pode ser o representante comum. O ex-cônjuge do sócio é, sim, contitular da vertente patrimonial da participação social até, pelo menos, à partilha dos bens comuns onde essa participação social se integrava” [REMÉDIO MARQUES, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, vol. I, 2ª edição, págs. 171 e 172).

E, tal raciocínio não surgirá prejudicado pelo simples facto de, in casu, a Autora ter sido expressamente convocada pala a AG em sujeito.

Por tudo o exposto, julga-se procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa arguida, termos em que se decide absolver os réus da respetiva instância, nos termos da previsão dos art.ºs 278.º, n.º 1, al. d) e 577.º, al. e) do CPC.

Custas pela Autora.

Valor: o indicado na petição inicial.

Registe e notifique.

Inconformada com a decisão, a autora apelou, formulando as seguintes conclusões: 1. Vai o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, datada de 15/07/2022, na parte em decidiu absolver os Réus da instância, ora recorridos, tendo julgado procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa arguida por aqueles, nos termos do disposto nos art.ºs 278.º, n.º 1, al. d) e 577, al. e), ambos do Cód. Proc. Civil 2. Em síntese, o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão recorrendo ao facto da ora recorrente não ser efetivamente titular de nenhuma quota nas sociedades das quais o seu ex-cônjuge era, como é, sócio, mas tão-só as deter em comunhão conjugal e, portanto, não é parte legítima para requerer a anulabilidade de deliberações sociais, nos termos do disposto no art.º 59.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil.

  1. Salvo o devido respeito, que é muito, não lhe assiste razão.

  2. Tal como alegou na sua petição inicial, a recorrente e o 3.º recorrido contraíram casamento católico, sem convenção antenupcial, em 18/08/2002 e, desse casamento resultou um filho menor: DD: cfr. certidões de casamento e nascimento já juntas aos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os devidos e legais efeitos.

  3. O casamento da recorrente e 3.º recorrido foi dissolvido, por divórcio, por douta sentença, transitada, proferida em 18/11/2021, no âmbito do processo que correu ternos no Juízo de Família e Menores ... (Juiz ...), com o n.º 2910/21...., sendo certo que à data em que o mesmo foi dissolvido, a quota da qual aquele era, como é, titular na 1.ª recorrida, constituía, como constitui, parte integrante do acervo patrimonial de ambos que continua indiviso.

  4. Em 30/06/2004 foi constituída a sociedade comercial I..., Construções, Ld.ª – 1.ª recorrida, e à data da sua constituição, aquela tinha como sócios três irmãos: BB (2.º recorrido), EE e FF (3.º recorrido).

  5. O 3.º recorrido era...

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