Acórdão nº 184/12.5TELSB-BE.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelORLANDO GONÇALVES
Data da Resolução20 de Dezembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. n.º 184/12.5TELSB-BE.A.S1 Habeas Corpus * Acordam, em Audiência, na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I- Relatório 1. AA, sujeito à medida de coação de Obrigação de Permanência na Habitação com Vigilância Eletrónica (OPHVE), decretada pelo Tribunal Central de Instrução Criminal, Juiz 1, no âmbito do proc. n.º 184/12.5TELSB, veio requerer ao Ex.mo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, através de Advogado constituído, a providência de habeas corpus, ao abrigo do art.222.º, n.º 2 alínea c), do Código de Processo Penal, nos termos que se transcrevem: “I - QUESTÃO PRÉVIA 1. Foi objecto de debate no STJ a aplicabilidade do instituto do habeas corpus à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação. Cremos que, actualmente, é claramente maioritário um entendimento favorável a essa possibilidade, para o que contribuiu a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

  1. Louvamo-nos na argumentação expendida pelo Acórdão do STJ de 25.10.2017, proferido no âmbito do processo n.º 1028/15.1TELSB-A, disponível em www.dgsi.pt, de que nos permitimos transcrever um excerto no qual particularmente nos revemos: A caracterização da medida e o regime sumariamente descrito põem em evidência a identidade substancial da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, também designada como "prisão domiciliária". Tal como a prisão preventiva, a obrigação de permanência na habitação traduz-se numa medida privativa da liberdade, que a lei submete a idênticas exigências.

    A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem sublinhado repetidamente que a "prisão domiciliária", que se traduz num elevado grau de restrição da liberdade, constitui uma medida privativa da liberdade. O Tribunal sublinha a necessidade de, tendo em conta as circunstâncias do caso, se efectuar a distinção de tratamento legal entre "medidas restritivas da liberdade", reguladas pelo artigo 2.º do Protocolo n.º 4 à Convenção Europeia dos Direitos Humanos, e "medidas privativas da liberdade", a que é aplicável o artigo 5.º da Convenção. O direito à liberdade, consagrado neste preceito, diz respeito à liberdade física da pessoa de se movimentar livremente, à liberdade "de ir e de vir", de modo que, para se determinar se uma pessoa foi "privada da sua liberdade ", na acepção do artigo 5. ° da Convenção, o ponto de partida deve ser a específica situação da pessoa, considerando um conjunto de factores tais como o tipo, a duração, os efeitos e o modo de implementação da medida. A diferença entre "privação" e "restrição" da liberdade diz respeito ao grau e intensidade da medida, e não à sua natureza carcerária (por todos, pode ver-se a decisão do TEDH de 23.02.2017 no caso Tommaso c. Itália, rec. n.°43395/09).

    A Convenção confere densidade normativa ao "direito à liberdade" proclamado na Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 3.°), de harmonia com a qual devem ser interpretados e integrados os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais consagrados na Constituição (artigo 16.°, n. ° 2), entre os quais se inclui o direito à liberdade e à segurança e a garantia de não ser privado da liberdade, total ou parcialmente, senão nos casos constitucionalmente previstos (artigo 27.°).

    Nesta perspectiva se deverão resolver as hesitações quanto à admissibilidade da providência de habeas corpus em caso de sujeição à obrigação de permanência na habitação as quais, em consideração isolada do elemento literal da expressão "ilegalmente presa", constante do n.° 1 do artigo 222.° do CPP. limitariam o campo de previsão da norma aos casos de cumprimento de pena de prisão e de aplicação da medida de prisão preventiva, excluindo a "prisão domiciliária”.

    Em interpretação teleologicamente orientada em conformidade com o âmbito da tutela constitucional do direito à liberdade (artigos 27.º, 28° e 31.ª da Constituição), a providência de habeas corpus deverá, também ela, na coerência do sistema, constituir um meio de defesa contra possíveis abusos de poder em virtude de privação ilegal da liberdade mediante obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, nomeadamente em virtude de ultrapassagem dos respectivos prazos.

    Tendo em conta o regime legal e as condições de execução da medida, as quais se traduzem no confinamento da pessoa num espaço reduzido do qual não pode sair sem autorização judicial, mediante vigilância à distância por equipamento electrónico altamente intrusivo no corpo da pessoa e na sua privacidade, a medida de coacção constitui-se numa restrição profunda do direito de liberdade que, pelo seu grau e intensidade, afecta o núcleo essencial deste direito, de modo a poder afirmar-se que a pessoa fica privada da sua liberdade, isto é, que a pessoa fica presa, na acepção e para os efeitos do n.º1 do artigo 222. ° do CPP. Neste pressuposto, não adquirem relevância as diferenças que possam encontrar-se entre o confinamento num estabelecimento prisional e o confinamento na habitação, nomeadamente as que têm a ver com autorizações de saída do espaço em que a pessoa se encontra, as quais sempre são exigíveis.

    No caso presente, como resulta do despacho de 16.06.2016, que decidiu “substituir a medida de coacção imposta ao arguido [prisão preventiva] pela medida de permanência na habitação mediante vigilância electrónica", apenas ficaram autorizadas "as deslocações do arguido para efeitos relacionados com os presentes autos ou por questões de saúde devidamente comprovadas" (fls. 1128-1129 dos autos).

    Considera-se. assim, legalmente admissível a petição de habeas corpus, com fundamento no disposto na al. c) do n.°2 do artigo 222.º do CPP, em linha com anteriores decisões deste tribunal. Como se lê no acórdão de 13.02.2008 (proc. 08P435. 3.ª Secção); “encarando-se a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, como privação da liberdade, muito embora em grau muito diferente - e menos elevado - da prisão preventiva, serão de tornar extensivas a tal medida as garantias conferidas ã prisão preventiva”. Ou no acórdão de 29.12.2009 (proc. 698/09.4YFLSB.S1. 3.ª Secção): “não obstante a referência constitucional e as sequentes normas adjectivas contemplarem o instituto de habeas corpus como reacção contra detenção e a prisão ilegais, perfilha-se o entendimento de que a mesma providência tem aplicação, por analogia, aos casos da privação da liberdade resultante da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação" (ambos os acórdãos em www.dgsi.pt; em sentido contrário, porém, pode ver-se o acórdão de 03.11.2011, no proc. 105/11.2YFLSB.S1, 5.ª Secção).

    II - FUNDAMENTO DO PEDIDO 3. A presente petição de habeas corpus inscreve-se no âmbito do art.31.º, n.º 1 da CRP e do art. 222.°, n.º 2, c) CPP, estando em causa, por isso, a ultrapassagem do prazo fixado por lei para a privação da liberdade.

  2. O Requerente está privado da liberdade desde 14.12.2022, sustentando-se o presente habeas corpus no facto de, nos termos dos arts. 215.º, n.º 2, als. d) e) e n.º 3 do CPP, estar ultrapassado o prazo de 1 ano de privação da sua liberdade.

    III - DA EXTINÇÃO DA MEDIDA 5. No dia 14 de Dezembro de 2022, o Requerente estava notificado para comparecer no DCIAP para continuação do seu interrogatório perante MP, o que fez, ali tendo comparecido à data e hora designados.

  3. Nessa ocasião, e sem que se tivesse retomado o interrogatório, o Requerente foi detido e presente a Juiz de Instrução Criminal, tendo permanecido detido até ao dia 15 de Dezembro.

  4. No dia 15 de Dezembro, pelas 16h00, foi proferida a decisão relativa às medidas de coacção, que validou a detenção e aplicou medidas de coacção ao ora Requerente, designadamente uma medida de OPHVE, que seria substituída por caução no valor de Eur 6.000.000,00, caso a mesma fosse paga no prazo de 30 dias.

  5. Essa decisão foi revogada por Acórdão da Relação de …. de 19.04.2022, completado por Acórdão de 31.05.2022, que determinou que deveria ser proferido novo despacho pelo JIC, a determinar se o Arguido ficaria sujeito a OPHVE ou a caução.

  6. Por despacho de 02.06.2022, o JIC optou pela manutenção da medida de OPHVE (fls. 27.349 a 27.359) e determinou que o Requerente ficasse sujeito à medida de obrigação de permanência na habitação sob vigilância electrónica, medida que tem sido reavaliada, no sentido da sua manutenção (a última das quais de dia 02.12.2022).

  7. Nos termos do art.215.º, n.º 2, als. d) e) do CPP, aplicável à medida de OPHVE por via do art.218.º, n.º 3 do mesmo diploma legal, a medida de coacção extingue-se quando tenham decorrido, desde o seu início, 6 meses sem que tenha sido deduzida qualquer acusação.

  8. Apesar do processo em investigação ter 11 anos (!), o Ministério Público, poucos dias depois de ter sido decretada a medida de coacção de OPHVE, pediu a declaração de especial complexidade, nos seguintes termos: “Atenta a alargada amplitude factual e elevada tecnicidade (setor da energia) de parte substancial do objeto de investigação, o número de arguidos e a fortemente indiciada atuação sofisticada e concertada dos mesmos, o presente inquérito reveste-se de excecional complexidade (...) Caso contrário e sobretudo, ficaria desde logo em causa a comparência em julgamento e o cumprimento da previsível pena de prisão efetiva a aplicar ao arguido AA (por ultrapassagem dos prazos da medida de coação de OPHVE, à qual atualmente se encontra sujeito e cumpre manter até lá)”.

  9. Tal pedido foi deferido por despacho de 25.01.2022.

  10. Assim, o anterior prazo máximo de 6 meses elevou-se, ao abrigo do art.215, n.º 3 do CPP, para o prazo máximo de 1 ano.

  11. Está, assim, ultrapassado o prazo máximo de duração da medida privativa da liberdade que impende sobre o Requerente.

  12. Não deve suscitar qualquer dúvida que, tendo o Requerente sido detido pelas l0h do dia 14 de Dezembro de 2021, a sua situação de privação da liberdade não pode durar mais do que um ano sem que seja...

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