Acórdão nº 77/20.2PEVIS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Dezembro de 2022
Magistrado Responsável | ANTÓNIO GAMA |
Data da Resolução | 21 de Dezembro de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Processo n.º 77-202PEVIS.C1.S1 Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I 1.
No Juízo Central Criminal ... foi decidido: «(…) condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material e concurso efectivo, de: ▪ um crime de tráfico de estupefacientes (praticado entre 10/10/2020 e 10/03/2021), p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às Tabelas I-A e I-B anexas ao mesmo diploma legal, (crime para o qual se convola o crime de tráfico de estupefacientes agravado que lhe vinha imputado na acusação) na pena de 7 (sete) anos de prisão; ▪ um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347.º, n.º 2 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; ▪ um crime de evasão, p. e p. pelo art. 352.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão; Em cúmulo jurídico das penas parcelares acima referidas, condenar o arguido AA na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Julgar procedente por provado o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante BB e, em consequência, condenar o arguido AA, a pagar àquela a quantia global de € 1.658,56 (mil seiscentos e cinquenta e oito euros e cinquenta e seis cêntimos)».
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Inconformado, recorreu o arguido rematando a alegação de recurso com as seguintes conclusões (transcrição): «1. O presente recurso tem como objecto a matéria de direito do douto acórdão proferido nestes autos de uma pena efectiva de sete anos de prisão, pela prática, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do dec-Lei 15/93, de 22 de janeiro, por referência às tabelas I – A e I – B anexas ao mesmo diploma legal.
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No nosso entendimento, a pena aplicada excede os princípios inerentes à aplicação da mesma, que são os da prevenção geral e de prevenção especial, em síntese de ressocialização. 3. A favor do arguido militam as suas modestas condições de vida.
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O Arguido interiorizou o desvalor da sua conduta e tem vontade de se tratar e de sair da toxicodependência.
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A ilicitude dos factos praticados pelo Arguido mostra-se consideravelmente diminuída.
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O Arguido actuava sozinho, sem qualquer estrutura organizativa.
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À data dos factos o Arguido era consumidor de produtos estupefacientes, designadamente cocaína e haxixe, consumia, em média, diariamente, três a quatro gramas de cocaína e dez gramas de haxixe.
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A actividade de tráfico do Arguido cingiu-se a um período máximo de cinco meses e apenas foram identificados dezassete consumidores.
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A personalidade do Arguido aponta mais para um dealer de rua do que para um grande traficante, relegando-o para o elo final da cadeia comercial, o que desvaloriza a sua intervenção no mercado do tráfico.
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Arguido á data dos factos era consumidor de estupefacientes, actuava sozinho, a sua actuação visara assegurar o seu próprio consumo, e tal actuação cingiu-se a um período de cinco meses, e de apenas terem sido identificados 17 consumidores que o arguido abastecia.
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A conduta do Arguido deveria ter sido enquadrada na previsão do citado artigo 25º do D.L 15/93 e condenando-o à respectiva pena, cuja moldura penal é de um a cinco anos de prisão, o que não fez.
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- O Arguido era toxicodependente à data da prática dos factos, e que justifica a pequena dimensão da actividade delituosa perpetrada pelo Arguido, não perpetuou grande tráfico, mas sim pequeno tráfico, preenchendo a sua conduta de forma correcta e proporcional o tipo privilegiado p. e. no artigo. 25 do D. L. n.º 15/93 de 22/01.
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O Tribunal a quo violou o preceituado nos art.s 21º e 25º a) do D.L. 15/93 de 22/01,art. 32º nº 2 da C.R.P. o principio do in dubeo pro reo, 40º, 71º do C.P.
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A pena aplicada ao arguido é manifestamente exagerada e excessiva e ultrapassa a medida da sua culpa e não atende às necessidades de prevenção especial, nomeadamente à ressocialização do arguido.
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Não pode o tribunal a quo, face à factualidade provada, deixar de enquadrar o comportamento ilícito do arguido na prática do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, prevista no artigo 25º a) do D.L. 15/93.
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Refere o artigo 40 do Cód. Penal que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos (considerações de prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (considerações de prevenção especial). O nº 2 do artigo citado enuncia o princípio geral e estruturante do direito penal, o princípio da culpa, através da qual se afirma que a pena não pode ultrapassar a medida da culpa.
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Reafirma o artigo 71ºº, nº 1 do Cód. Penal que a determinação da medida da culpa é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, acrescentando o nº 2 do mesmo artigo que o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, deponham a favor ou contra o agente.
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Tendo em conta os artigos 40, 70 e 71 do Cód. Penal, à culpa compete fornecer o limite máximo da pena que ao caso deva ser aplicada.
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Sendo em função de considerações de prevenção quer geral de integração, quer especial de socialização, que deve ser determinada, abaixo daquele máximo, a medida final da pena, de modo que, através deste processo, de determinação da medida da pena, se aceite a integração e o reforço das consequências jurídica comunitária e o seu sentimento de segurança em face da violação da norma (numa função de proteção do ordenamento jurídico-reação contra fáctica das normas).
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Tendo ainda em conta o grau pouco elevado de sofisticação com que agia.
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Entendemos por adequado e proporcional fixar a pena de prisão num mínimo possível, que deverá ser suspensa na sua execução sob regime de prova que Vossas Excelências deverão delinear.
Lei Violada: Arts 21º e 25º a) do D.L. 15/93 de 22/01, art. 32º nº 2 da C.R.P. (o princípio do in dubeo pro reo), 40º, 71º do C.P.
Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exas., doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso, e em consequência ser o douto acórdão recorrido reparado com as premissas supra expostas, concluindo-se pela integração dos factos praticados no crime de tráfico de menor gravidade, e alterando-se, diminuindo-a, a medida da pena, assim se fazendo Justiça».
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O Ministério Público respondeu concluindo (transcrição): «1ª – A factualidade dada como provada – que não vem posta em causa pelo recorrente- integra o crime de tráfico do artigo 21 do DL 15/93, e não o crime de tráfico de menor gravidade pp pelo artigo 25 do mesmo diploma, como pretende, assim como demanda a sua condenação como reincidente – que, de igual modo, não vem posta em causa.
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– Não existem razões para a diminuição da pena aplicada ao arguido pelo crime de tráfico (única de que discorda), e muito menos para a suspensão da execução da pena de prisão, que, sequer, pode ser ponderada, por impossibilidade legal da sua aplicação.
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Neste Supremo Tribunal de Justiça a PGA foi de parecer que o recurso deve improceder.
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Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.
II A Factos provados: 1. O arguido CC decidiu adquirir produtos estupefacientes, nomeadamente, cocaína e heroína, para proceder à entrega/venda dos mesmos aos toxicodependentes/compradores de produtos estupefacientes que o procurassem, recebendo o respectivo pagamento, superior ao preço de aquisição, designadamente, 10/15 euros cada dose de heroína e de cocaína.
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Dedicou-se a tal actividade entre 10/10/2020 e 10 de Março de 2021, ocasião em que foi sujeito a medida de coacção de prisão preventiva, pois mesmo sujeito a outras medidas de coacção, desde 27/11/2020, designadamente de apresentações periódicas, proibição de contactar com pessoas conotadas com o consumo e tráfico de estupefacientes e proibição de frequentar locais conotados com o consumo e tráfico de estupefacientes, continuou a actividade criminosa).
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O arguido deslocava-se ao ..., com uma regularidade que não foi possível determinar, mas várias vezes por mês, e aí adquiria heroína e cocaína a indivíduos cuja identidade não foi possível apurar.
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Para essas deslocações ao ... para aquisição de produtos estupefacientes, o arguido solicitava a outras pessoas, habitualmente também consumidores de produtos estupefacientes, que o levassem no veículo automóvel destes, nomeadamente, a DD e EE, entre outros, entregando a alguns deles, em troca/contrapartida, doses de heroína ou cocaína.
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O arguido, em cada deslocação ao ..., adquiria cocaína e heroína, em valor e quantidade não concretamente determinados e transportava tais substâncias para ....
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Após adquirir os produtos estupefacientes, o arguido procedia à entrega/venda dos mesmos aos toxicodependentes/compradores de produtos estupefacientes que o procurassem, recebendo o respectivo pagamento, superior ao preço de aquisição, correspondente a 10/15 euros a dose de heroína e a dose de cocaína, respectivamente.
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Para a venda/escoamento da cocaína e heroína, o arguido, disponibilizava aos consumidores de produtos estupefacientes, preferencialmente, os seguintes números móveis: ...58, ...19, ...80 e ...27.
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Assim, os consumidores de produtos estupefacientes contactavam estes números móveis e encomendavam o produto e as doses que pretendiam, bem como a forma e local de entrega, que podia ser nos seguintes locais: ..., ..., junto ao ..., Praça ... – ..., ..., Parque da Cidade ... e/ou Praceta ..., ou outros locais da Cidade ....
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O arguido não exercia qualquer actividade remunerada e não tinha qualquer outra fonte de rendimento, beneficiando apenas do rendimento social de inserção no valor mensal de € 189,57.
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Depois de acordados a quantidade, a hora, o local da entrega e o produto estupefaciente encomendado pelos consumidores, o arguido vendia/entregava aos consumidores/compradores de produtos estupefacientes, como se passa a descrever, as doses de heroína e/ou cocaína, ou outro produto estupefaciente solicitados, e recebia em troca o correspondente preço/dinheiro que pedia, 10/15 euros/dose.
Assim...
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