Acórdão nº 819/22 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. José Eduardo Figueiredo Dias
Data da Resolução07 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 819/2022

Processo n.º 223/2022

2.ª Secção

Relator: Conselheiro José Eduardo Figueiredo Dias

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, A., ora reclamante, interpôs recurso de constitucionalidade do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 14 de janeiro de 2021.

2. Pela Decisão Sumária n.º 505/2022, proferida em 21 de julho de 2022, decidiu-se, nos termos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não conhecer do objeto do recurso interposto, pelos seguintes motivos:

«(…)

5. Nos termos relatados, o recorrente manifesta, a final, a intenção de sindicar a «interpretação dada ao disposto no art. 321º e e e 498º nº 1 do Código Civil, bem como o disposto nos art. 5º da Lei 67/2007 de 31.12., 33º da Lei 34/2004, de 29 de Julho do Código Civil». Da sua perspetiva, tal interpretação configuraria uma «manifesta violação do disposto no artigo 20º da Constituição e do Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva» (fls. 411).

(…)

Compulsados os elementos dos autos, impõe-se recordar, em primeiro lugar, que o recorrente identifica o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 14 de janeiro de 2021, como decisão recorrida. Nas suas palavras «e porque, como referido, o Recorrente continua inconformado com a decisão proferida por este Tribunal da Relação de Lisboa (…) [d]ela vem agora o Recorrente, (…) interpor recurso para o Tribunal Constitucional» (fls. 410 verso). Assim sendo, o momento processualmente adequado para suscitar as questões de constitucionalidade a sindicar perante este Tribunal Constitucional teriam sido as motivações de recurso para o aludido Tribunal da Relação (fls. 338-340 verso).

Ora, desta peça processual não consta enunciada qualquer dimensão normativa suscetível de constituir objeto do presente recurso. Em bom rigor, o recorrente limitou-se, nessa sede, a afirmar que «o Douto tribunal a quo violou o artigo 5.º da Lei 67/2007 de 31 de dezembro, art.º 498.º, n.º 1 do Código Civil, e art.º 33.º da Lei n.º 34/2004, de 2 de Julho» (conclusão XII, fls. 340 verso). Nada se diz, aí, quanto a uma pretensa interpretação constitucionalmente desconforme. Na verdade, perscrutado o teor integral do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa, em momento algum se alude a qualquer problema de constitucionalidade, inexistindo qualquer referência a normas da Constituição ou a princípios constitucionais. Improcede, por isso, o argumento segundo o qual as questões de constitucionalidade teriam sido «suscitadas nas (…) alegações do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça» (fls. 411), já que esse não representa o momento processualmente adequado para confrontar o tribunal recorrido – Tribunal da Relação de Lisboa, recorde-se – com o enunciado interpretativo alegadamente ferido de inconstitucionalidade.

Nestes termos, não tendo sido cumprido, oportunamente, o ónus de suscitação de uma verdadeira questão de constitucionalidade normativa, perante o tribunal a quo, o recorrente não tem legitimidade para recorrer para o Tribunal Constitucional (cfr. o artigo 72.º, n.º 2, da LTC).

7. Acresce ainda que, no requerimento de interposição de recurso submetido à apreciação deste Tribunal Constitucional, o recorrente não enuncia qualquer critério normativo, interpretativamente extraível dos «art. 321º e (…) 498º nº 1 do Código Civil, bem como o disposto nos art. 5º da Lei 67/2007 de 31.12., 33º da Lei 34/2004, de 29 de Julho do Código Civil». Observa-se, neste ponto, uma completa omissão quanto ao sentido interpretativo extraído das disposições enumeradas, revelando-se impossível discernir a concreta dimensão que pretende ver apreciada em sede do presente recurso de constitucionalidade.

Deste modo, contrariamente ao que determina o artigo 75.º, n.º 1, da LTC, o recorrente referiu, neste âmbito, meras disposições legais, sem explicitar o enunciado ou enunciados normativos que daí entende resultar. Assim, revela-se imperscrutável a norma que considera ter sido aplicada pelo tribunal recorrido e que, a final, concretizaria uma violação da Constituição.

A este propósito, assinale-se que, a omissão de menção autónoma e especificada de tal elemento não se revela, por natureza, abstratamente insuprível. Todavia, não é equacionável, no presente caso, facultar ao recorrente a possibilidade de suprir tal deficiência, mediante o convite ao aperfeiçoamento a que se reporta o n.º 6 do referido artigo 75.º-A da LTC, atenta a não verificação de pressuposto de admissibilidade do recurso que sempre determinaria a impossibilidade de conhecimento de mérito, como melhor expusemos supra, e ainda a inequívoca ausência de carácter normativo da pretensão ora manifestada. Efetivamente, lançando mão do mecanismo previsto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC, o recorrente procura, em rigor, sindicar a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que não aderiu aos fundamentos por si invocados, e corroborou o entendimento vertido na decisão ali recorrida.

Pelo exposto, atenta a não verificação dos requisitos de admissibilidade do presente recurso de fiscalização concreta, impõe-se concluir pelo não conhecimento do respetivo objeto.»

3. Desta decisão, o então recorrente apresentou reclamação para a conferência, ao abrigo do preceituado no artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos seguintes termos:

«(…)

2 - A DECISÃO reclamada, não toma conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto pelo Reclamante, com o fundamento de que no requerimento de interposição de recurso submetido à apreciação deste Tribunal Constitucional, o Recorrente não enuncia qualquer critério normativo, interpretativamente extraível dos «art. 321 ° e (...) 498° n° 1 do Código Civil, bem como o disposto nos art, 5o da Lei 67 /2007 de 31.12., 33° da Lei 34/2004, de 29 de Julho do Código Civil» e de que o recorrente procura, em rigor, sindicar a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que não aderiu aos fundamentos por si invocados, e corroborou o entendimento vertido na decisão ali recorrida.

3 - O reclamante discorda da decisão reclamada, uma vez que, em síntese, relativamente ao recurso interposto inexiste, neste momento, qualquer outro meio jurisdicional que possa ser acionado.

4 - De igual modo entende-se por inconstitucional a "interpretação do n.° 1 do art. 78º- A LTC no sentido de ser admissível pelo Tribunal Constitucional, em sede de apreciação de recurso de constitucionalidade, a prolação de decisão sumária radicada no não conhecimento do objeto do recurso por alegada "ausência de verdadeira dimensão normativa" sem que previamente seja o recorrente notificado nos termos e para os efeitos do[s] n.°s 5 e 6 do art. 75°-A LTC, visando-se a sua pronúncia e reformulação da respetiva enunciação com adequação aos requisitos legalmente plasmados e consagrados, assim se obstando à proferição de decisões-surpresa nefastas aos seus interesses e direitos., não lhe tendo sido dada, além disso, a possibilidade de se pronunciar sobre a eventualidade de ser proferida decisão sumária de não conhecimento.

5 - Ora sendo certo que o acórdão de que se recorre nunca tenha expressamente invocadode forma concreta a alegada inconstitucionalidade, do mesmo constam diversos passos daquele aresto de onde, em direitas contas e segundo o nosso ponto de vista, decorreria que essa interpretação e concomitante aplicação normativa, conduz a alegada inconstitucionalidade do mesmo.

6 - É, pois, ocasião de saber se do recurso interposto em sede de Tribunal da Relação de Lisboa, referente ao grupo de normas em causa, e como tal admitido, poderá este Tribunal, conhecer, não olvidando que nos situamos perante uma impugnação a que se reporta aos º 2 e 4 do artº 70° da lei n° 28/82, de 15 de Novembro, a qual, inter alia, exige, de uma banda, a suscitação, «durante o processo», da inconstitucionalidade de uma dada norma (ou, como tem sido aceite pela jurisprudência deste Tribunal, de uma determinada interpretação normativa) e, de outra, que a decisão pretendida colocar sob a censura deste órgão de administração de justiça veio a aplicar a norma (ou uma sua dimensão interpretativa) questionada como fundamento jurídico do juízo decisório nela levado a efeito.

7 - Mas, a ser assim, então, em primeira linha, seríamos levados a concluir que a eventual desconformidade com a Constituição residiria, não numa determinada dimensão normativa, decorrente do modo como foi interpretado o conjunto normativo em crise, mas sim na forma como se operou a subsunção ao caso concreto dos preceitos legais onde se contêm aquelas normas, subsunção essa levada a efeito pelo acórdão desejado recorrer, o que vale por dizer que o vício de incompatibilidade com a Lei Fundamental se continha na própria decisão lavrada na Relação de Lisboa.

8 - De igual modo não pode colher como certa a posição, seguida na decisão reclamada, e de harmonia com a qual a ora reclamante teve oportunidade de suscitar a nulidade do acórdão de que pretende recorrer e, não o tendo feito, não se poderia dizer que não desfrutou de oportunidade processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade das normas em questão, tendo em conta a jurisprudência seguida pelo Tribunal Constitucional segundo a qual a arguição de nulidade de uma decisão judicial não constitui, em regra, momento processualmente adequado para a suscitação da questão de inconstitucionalidade;

9 - Com efeito, na decisão reclamada não vem posta em causa aquela arguição de inconstitucionalidade apresentada pelo Reclamante e até se...

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