Acórdão nº 833/22 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Maria Benedita Urbano
Data da Resolução20 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 833/2022

Processo n.º 655/2022

1.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Benedita Urbano

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

1. A., autora e aqui recorrente, intentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal (TAF Funchal), contra o Instituto da Segurança Social da Madeira, IP-RAM, ação administrativa comum, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe pensão de sobrevivência em virtude do falecimento da pessoa com quem viveria em união de facto, tendo sido proferida sentença em que, como consta do Acórdão a seguir referido, se “julgou procedente a exceção da intempestividade da prática do ato processual e, em consequência, [se] absolveu a entidade demandada da instância”.

2. Inconformada, a autora recorreu dessa sentença para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), concluindo as suas alegações, como transcritas no aresto a seguir aludido, pela seguinte forma:

“a) Ter a A. vivido em União de Facto, com P...., desde 26 de Novembro de 1994 até à data do seu óbito, ocorrido em 12 de Junho de 2002, ou seja, por período superior a 2 (dois) anos;

b) Não existirem outros ascendentes ou descendentes que com ela concorressem no direito à pensão de sobrevivência;

c) Ter direito a essa pensão, independentemente da necessidade de alimentos, nos termos do art.º 6.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, com a redação introduzida pela Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto;

d) No entanto e dado que para lhe ser atribuída a dita pensão continua a ser necessário fazer prova dessa União da Facto, apresentou junto da Segurança Social:

(i) declaração emitida pela junta de freguesia competente (a da sua área de residência), atestando que a A. residia há mais de dois anos com o falecido;

(ii) declaração esta que foi acompanhada por outras duas declarações subscritas, uma pela própria, e outra por ambos (pela A. e pelo falecido), sob compromisso de honra, de que viviam há mais de dois anos. em união de facto, para todos os efeitos legais.

e) Pelo que requereu que lhe fosse reconhecida a qualidade de titular dessas prestações sociais, desde o início do mês seguinte ao falecimento do seu companheiro, nos termos do anterior regime, ou seja, do Decreto-Lei n.º 322/90 de 18 de Outubro;

f) Mais se esclarece que, face ao exposto, aos meios de prova aduzidos e ao facto de o requerente ter vivido, em união de facto, com o falecido, durante 8 (oito anos), ou seja, prazo que vai muito para além do previsto no n.º 3 do artigo 6.º da citada Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, foi requerido junto do então Centro de Segurança Social da Madeira (atual Instituto de Segurança Social da Madeira IP-RAM) que fosse dispensada a promoção de ação judicial com vista à comprovação da sua união de facto, sem qualquer êxito ou sequer resposta, ao arrepio de todos os direitos que lhe assistem;

g) Nesse sentido veja-se o Acórdão n.º 341/10.9TJLSB.L1-2 do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17 de Maio de 2012 que se junta e que aqui se dá por reproduzido;

h ) F, pese embora, ao abrigo do atual regime só seja reconhecido à A, o direito a prestações sociais, por óbito do beneficiário P...., com quem viveu em União de Facto, a partir de 01/01/2011 (cf. art. 6.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, com a redação introduzida pela Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto).

i) ... na verdade a A. tem, ao abrigo do anterior regime (cf. Decreto-lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro e Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio) direito e legitimidade para ver reconhecido o direito às sobreditas pensões sociais”.

3. Já no TCAS, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, de acordo com o entendimento que a seguir se explana:

“[…]

- o ato que indeferiu a pretensão da autora mostra-se ferido de nulidade, por violar o acesso ao direito e à sua tutela jurisdicional efetiva, assim como o direito à segurança social;

- ainda que assim não fosse, a lei substantiva não estabelece qualquer prazo de caducidade para a ação judicial de reconhecimento do direito à pensão de sobrevivência por união de facto, pelo que não se verifica o impedimento previsto no artigo 38.º, n.º 2, do CPTA;

- a norma invocada pelo réu para o indeferimento, artigo 48.º do D-L n.º 322/90, de 18 de outubro, não é aplicável aos pedidos de pensão de sobrevivência efetuados pelos requerentes na situação de união de facto, mas antes o artigo 8.º;

- com a nova redação introduzida na Lei n.º 7/2001 pela Lei n.º 23/2010 deixou de ser exigível a instauração de ação judicial para prova dos requisitos legais de atribuição da pensão de sobrevivência ao unido de facto, mas continuou a não se estabelecer qualquer prazo para o requerimento das prestações;

- o disposto no artigo 48.º do D-L n.º 322/90 interpretado com o sentido de o prazo aí referido ser aplicável ao requerimento de pensão de sobrevivência do unido de facto, viola o disposto nos artigos 17.º, 18.º, 20.º e 63.º da CRP, importando tal violação a nulidade do ato ou a sua anulabilidade do mesmo, que pode ser conhecida a título incidental na presente ação, em que a autora tem um interesse processual legítimo”.

4. No TCAS foi proferido acórdão, datado de 21.04.2022, em que se decidiu “negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida”, aí se escrevendo o que segue:

“Conforme supra enunciado, a questão a decidir cinge-se a saber se ocorre erro de julgamento da decisão recorrida ao decidir julgar procedente a exceção da intempestividade da prática do ato processual.

Consta desta decisão a seguinte fundamentação:

«[A]s ilegalidades invocadas pela Autora não conduzem à declaração de nulidade, mas à anulação do ato impugnado.

Mesmo a violação da Constituição da República Portuguesa, que se encontra sustentada de forma genérica e vaga, não constitui violação do conteúdo essencial de um direito fundamental, sendo a sua infração sancionada com a anulabilidade (nos termos dos artigos 133.º, n.º 2, al. d) a contrario e 135.º ambos do Código de Procedimento Administrativo).

A este propósito, no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 08.01.2016, proferido no processo n.º 01665/10.0BEBRG-A (disponível em www.dgsi.pt), entendeu-se o seguinte: «(…) O conteúdo essencial de um direito fundamental previsto no art.º 133.º, n.º 2, alínea d), do CPA, reporta-se ao núcleo duro de um direito, liberdade e garantia ou análogo, à ofensa chocante e grave de um princípio estruturante do Estado de Direito ou de outro direito fundamental suficientemente densificado na lei ordinária.

A violação do conteúdo essencial de um direito fundamental só gera a nulidade do ato administrativo e, consequentemente, a possibilidade da sua impugnação a todo o tempo, quando, em consequência do ato administrativo em causa, seja afetado o mínimo sem o qual esse direito não pode subsistir enquanto tal».

Assim sendo, a violação da «Constituição, por [o despacho] ter sido proferido em discriminação com as condições em que esta é atribuída aos cônjuges sobrevivos» não constitui uma ofensa suscetível de aniquilar o sentido fundamental do direito subjetivo protegido, sendo, a eventual verificação da mesma, sancionada com a anulabilidade do ato.

Nos termos do artigo 69.º, n.º 2 do CPTA «[nos] casos de indeferimento, de recusa de apreciação do requerimento ou de pretensão dirigida à substituição de um ato de conteúdo positivo, o prazo de propositura da ação é de três meses, sendo aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 58.º e nos artigos 59.º e 60.º».

Nesse sentido, o Autor detinha um prazo de três meses para propor a presente ação.

Conforme resulta da matéria de facto provada, em 25 de março de 2013, a Entidade Demandada indeferiu o pedido da Autora de atribuição de prestações por morte de P.... (conforme ponto 3) do probatório).

Ademais, como alegado no artigo 4.º da petição inicial, não se conformando com tal decisão, no dia 13 de novembro de 2014, a Autora instaurou na Comarca da Madeira uma ação de processo comum com vista ao reconhecimento do estado de união de facto (conforme ponto 4) do probatório).

Ora, mesmo considerando que a Autora apenas teve conhecimento do ato de indeferimento do pedido de pagamento de prestações por morte no dia 13 de novembro de 2014, quando a presente ação foi instaurada, em 1 de junho de 2017 (conforme ponto 5) do probatório), o prazo de interposição da ação administrativa já se havia esgotado.

A caducidade do direito de ação ou a intempestividade da prática do ato processual é uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância nos termos do artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4, al. k) do CPTA.

Em face do exposto, julga-se a exceção da intempestividade da prática do ato processual procedente e, consequentemente determina-se a absolvição da Entidade Demandada da instância nos termos do artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4, al. k) do CPTA».

Ao que contrapõe a recorrente, em síntese:

- viveu em união de facto com o falecido durante 8 anos, tendo direito a prestações sociais a partir de 01/01/2011, nos termos do artigo 6.º da Lei n.º 7/2001, na redação da Lei n.º 23/2010;

- e igualmente ao abrigo do anterior regime (cf. Decreto-lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, e Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro e Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio) tem direito e legitimidade para ver reconhecido o direito às sobreditas pensões sociais.

Como bem se vê, a recorrente não disputa o entendimento vertido na decisão sob recurso, no que concerne à verificação da caducidade do direito de ação.

Por outro lado, não se partilha o entendimento do Ministério Público quanto ao ato em causa ser nulo, por contender com o direito fundamental de acesso ao direito e à sua tutela jurisdicional...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT