Acórdão nº 835/22 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Maria Benedita Urbano
Data da Resolução20 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 835/2022

Processo n.º 703/2022

1.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Benedita Urbano

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

1. A., arguido e aqui recorrente, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) da sentença do Juízo Local Criminal de Santa Cruz do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, em que, como consta do acórdão recorrido (de onde foram também retiradas as conclusões a seguir citadas), foi decidido, no que aqui interessa, “c) Condenar o arguido A., pela prática em 30-09-2017, como autor material e na forma consumada, de um crime de propaganda na véspera e no dia da eleição, previsto e punido pelo artigo 177º nº 1, da Lei Eleitoral dos órgãos para as Autarquias Locais, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à razão diária de 20,00 € (vinte euros), perfazendo um montante total de 2.400,00 € (dois mil e quatrocentos euros), que corresponderá, caso não venha a ser pago, de forma voluntária ou coerciva, a pena de prisão subsidiária reduzida a dois terços (cf. artigo 49º nº 1 do Código Penal), referente ao processo nº 444/18.1'T9SCR”. Terminou as suas alegações de recurso pela seguinte forma:

“a) O presente recurso vem interposto da sentença proferida no processo nº 284/18.8T9SCR, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, (Juízo Local Criminal de Santa Cruz, Juiz 21), quanto ao segmento decisório que condenou o Arguido como autor material e na forma consumada, de um crime de propaganda na véspera e no dia da eleição, previsto e punido pelo artigo 177.º, n.º 1, da Lei Eleitoral dos órgãos para as Autarquias Locais, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à razão diária de 20,00 € (vinte euros), perfazendo um montante total de 2.400,00 € (dois mil e quatrocentos euros), que corresponderá, caso não venha a ser pago, de forma voluntária ou coerciva, a pena de prisão subsidiária reduzida a dois terços (cf. artigo 49º nº do Código Penal), referente ao processo nº 444/18. 1T9SCR.

b) Invocando que «O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que o dia em que fez as descritas publicações estava em véspera de eleição, designado por dia da reflexão, e que daquele modo apelava ao voto no seu partido Juntos Pelo Povo, pelo qual se recandidatava à presidência da Câmara Municipal de Santa Cruz, sabendo ainda que influenciava a livre formação da vontade do eleitor».

c) Afirmando, ainda, «Igualmente se provou a consciência da ilicitude e vontade de ação, i.e., provou-se que o arguido quis efetivamente realizar as publicações em causa apelando ao voto no seu partido pelo qual o mesmo se recandidatava à presidência da Câmara Municipal de Santa Cruz, ciente de que com tal conduta, que sabia ser proibida e punida por lei, esta a influenciara livre formação da vontade dos eleitores.»

d) Assentando a sua decisão de ilicitude e culpa no mero facto de o arguido ter usado a cor verde nas suas publicações.

e) Fazendo uma incorreta valoração dos factos ocorridos no preenchimento do tipo objetivo e subjetivo da norma do artigo 177º, nº1, da LEOAL.

Vejamos

f) O Arguido foi o candidato, eleito, à Câmara Municipal de Santa Cruz, na Madeira, nas eleições autárquicas de 2017 que tiveram lugar no dia 01.10.2017.

g) Concorreu pelo partido Juntos Pelo Povo (JPP), à semelhança do que já acontecera em 2013, em que também ganhou as eleições.

h) A cor dominante do partido, presente em todos os meios de divulgação, é o verde.

i) No entanto, ao contrário do que afirma a sentença proferida pelo tribunal a quo, «Note-se que naquele ano eleitoral o JPP, partido político a que pertence o arguido e pelo qual concorreu às eleições é o único partido em que predomina a cor verde», o JPP não é o único partido cuja cor dominante é o verde.

j) O MPT - Movimento Partido da Terra - também usa o verde como cor dominante. (www.mpt.pt).

k) O MPT apresentou uma lista à Câmara Municipal de Santa Cruz nas eleições de 01.10.2017, lista essa encabeçada por … —(https://funchalnoticias.net/2017/07/06/guida-teixeira-e-acandidata- independente-pelo-mpt-a-camara-de-santa-cruz/).

1) Usando na sua campanha, e em toda a comunicação que fazem, as suas cores institucionais (https://funchalnoticias.net/2017/04/06/mpt-continua-a-cobrir-decriticas-o-executivo-do-jpp-em-santa-cruz/)

m) O Arguido fez, no dia 30.09.2017, uma publicação na sua página do Facebook (https://www.facebook.com/s.../posts/912608375557896), partilhando 5 fotografias onde aparece o seu carro pessoal, veículo automóvel da marca SUZUKI, modelo SJ410 Q, de cor verde, com a matrícula --..--..--.

n) Acompanhou esta publicação de uma frase a dizer «o verdinho saiu à rua para refletir».

o) O tribunal a quo interpretou esta publicação como sendo propaganda eleitoral visando levar as pessoas a votar na lista encabeçada pelo arguido E fê-lo porque a frase que acompanhava as fotos dizia «o verdinho saiu à rua para refletir».

p) Em bom rigor não podia o arguido dizer que “vermelhinho” ou o “amarelinho” saiu à rua porque o seu carro é verde. Sempre foi, não foi pintado de verde para a ocasião nem para fazer propaganda eleitoral. É a cor do veículo, e foi com esse veículo que o arguido saiu à rua.

q) Já quanto à questão da reflexão, o arguido em tempo algum usou o termo reflexão associado ao seu partido. O uso do termo reflexão foi uma forma de expressar a sua preocupação quanto aos elevados valores de abstenção que se verificaram e o incentivo a que as pessoas reflitam e vão votar.

r) Em nenhuma altura fez um apelo a que votassem em si, ou no partido que representava. Quanto à cor verde, o que poderia o arguido dizer? O carro é verde. E embora o verde seja a cor dominante do partido por si representado, também era, e é, a cor de outra força politica que também estava a concorrer, o MPT.

s) Contrariamente ao que é afirmado pelo tribunal a quo.

t) O mesmo se podendo dizer da outra publicação visada https://www.facebook.com/photo.php?fbid=912717305547003&set=a.3003396673543&type=3&theater.

u) Nesta publicação o Arguido partilhou uma frase de um amigo acompanhando essa partilha com a palavra «VOTE».

v) Mais uma vez o arguido pretendia incentivar o voto, levar as pessoas a votar, mas não a votar no seu partido. Em lado nenhum faz um apelo, ou uma referência, a que as pessoas votem em si ou no seu partido.

w) Não deixando de ser verdade que a frase que ele partilhou fazia referência ao voto na família verde, também não deixa de ser verdade, como referido anteriormente, que para além do JPP, outro partido exibia a cor verde, o MPT.

x) Não tendo o tribunal a quo demonstrado em lado nenhum na sua fundamentação que a família verde era a família do JPP.

y) Limitando-se a assumir que tal corresponde à verdade.

z) Não se entendendo, face aos factos demonstrados e provados, que o tribunal afirme «Como tal, é evidente que a referência a «verdinho» e a cor verde na palavra «vote» no dia anterior às eleições não foi desprovida de qualquer intenção».

aa)Da mesma forma que não se compreende que com base apenas nas duas publicações o tribunal possa concluir que o arguido «agiu de forma livre, deliberada e consciente, (...) e que daquele modo apelava ao voto no seu partido (...)».

bb) Nunca, em nenhuma das duas publicações em causa o arguido apela ao voto em si ou no seu partido.

cc) Num dos casos limita-se a dizer que saiu em reflexão, e no outro apenas apela ao voto em geral.

dd) Como pode o tribunal afirmar perentoriamente «Ora tais publicações não tiveram outro ficto que não promover a sua candidatura às referidas eleições e apelar ao voto na sua pessoa»?

ee) Como é que duas publicações tão simples, ou antes, uma publicação e uma reação a uma publicação de um amigo do Facebook podem conduzir a tão veemente afirmação produzida pelo tribunal a quo». Igualmente se provou a consciência da ilicitude e vontade de ação, i.e. provou-se que o arguido quis efetivamente realizar as publicações em causa apelando ao voto no seu partido pelo qual o mesmo se recandidatava à presidência da Câmara Municipal de Santa Cruz, ciente de que com tal conduta, que sabia ser proibida e punida por lei, esta a influenciar a livre formação da vontade dos eleitores».

ff) Ou ainda «O grau de ilicitude dos factos é elevado atendendo ao tipo publicações que realizou, apelando de forma flagrante ao voto na sua candidatura, na véspera das eleições, tendo tal apelo sido percecionado pelas pessoas que visualizam tais publicações e algumas até as comentaram no sentido de que iriam votar no arguido».

gg) Indo ainda mais longe ao afirmar «A intensidade do dolo é elevada, tendo o arguido agido, conforme se referiu com dolo direto, bem sabendo que tais atos eram proibidos.»

hh) Tendo por base apenas, e reforça-se este ponto, uma publicação onde diz que «o verdinho saiu em reflexão», e uma reação a uma publicação onde coloca a palavra «Vote».

ii) - Tudo isto porque o carro do arguido é verde e utilizou a cor verde na palavra vote.

ii) A verdade é que o arguido apenas pretendia apelar ao voto e a um combate à abstenção e fê-lo recorrendo à rede social Facebook (pessoal, e não como Presidente ou candidato), como aliás fez ao longo de toda a campanha eleitoral.

kk) para o tribunal a quo o arguido agiu com dolo direto, o que significa, nos termos do artigo 14º, n.º do Código Penal (CP), que o Arguido com a sua conduta pretendia obter um resultado ilícito, que sabia que a sua ação era punida por lei e ainda assim a quis realizar.

ll) O que não corresponde à realidade dos factos.

mm) desde logo por não se encontrarem preenchidos os elementos intelectual e volitivo do dolo.

nn) O elemento intelectual porque o arguido nunca em nenhum momento na representou todos os elementos que integram o facto ilícito – o tipo objetivo de ilícito – e na consciência de que esse facto é...

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